| 17/07/2010 04h04min
Não basta infraestrutura, é preciso também sinalização. Não é suficiente saber inglês, é necessário saber orientar o estrangeiro em visita. Depois de 17 dias a bordo de um ônibus com as cores do Rio Grande do Sul, integrantes do governo do Estado voltaram da África do Sul convencidos de que receber uma Copa do Mundo exige uma preparação muito mais ampla do que apenas obras.
– Temos o obstáculo do idioma, que os sul-africanos não tinham porque o inglês é uma língua oficial. Por outro lado, havia muita gente despreparada para ajudar o turista – disse o secretário estadual da Copa 2014, Eduardo Antonini.
Ontem à tarde, no Centro Administrativo do Estado, Antonini e o comandante-geral da Brigada Militar, coronel João Carlos Trindade, apresentaram algumas das conclusões do projeto do governo estadual que levou quatro integrantes da Secretaria da Copa e oito oficiais da Brigada Militar à África do Sul para estudar o evento que chegará daqui a menos de quatro anos.
Em pouco mais de duas semanas, distribuíram 1,5 tonelada de material de divulgação e fizeram contatos com representantes de 22 das 32 seleções que disputavam o Mundial. O objetivo foi mostrar o Estado a delegações que, possivelmente, virão à Copa de 2014. Escolha quase óbvia pela geografia, a seleção uruguaia foi a que demonstrou mais interesse, disse Antonini.
Do outro lado do Atlântico, os gaúchos trouxeram algumas lições. Para a Brigada Militar, que acompanhou a segurança em sete partidas, incluindo a final, ficou a lição de que os soldados têm um papel diferente a desempenhar em um evento do tamanho da Copa. Além do treinamento, será preciso trabalhar a simpatia da tropa.
– Era notável: eles sempre sorriam – conta Trindade, que se juntou ao grupo no fim do Mundial.
Além de sorrir um pouco, os soldados precisarão também se comunicar. O inglês será um item reforçado no treinamento dos profissionais selecionados pelo próximo concurso para a Brigada Militar. Recado claro dado pela governadora Yeda Crusius, presente à cerimônia: podem vir ao Estado poloneses, italianos ou franceses, mas todos pedirão informações em inglês.
– Em 2012, precisaremos de um exército de jovens falando inglês – disse a governadora.
Além do idioma, será preciso qualificar quem atua com turismo e melhorar a sinalização das cidades gaúchas. Antonini conta que um dos problemas para os visitantes na África foi a falta de opções para lazer: com um sistema de transporte precário, criminalidade alta e pouca gente treinada para dar dicas de passeios e restaurantes, muitos turistas acabavam indo do hotel para o jogo, e de volta ao hotel.
– A sinalização que leve às rotas turísticas tem de ser clara e também em outra língua – afirma o secretário.
As Fan Fests, que reuniam às vezes 100 mil pessoas para assistir aos jogos, também foram acompanhadas de perto pela comitiva gaúcha. Em Porto Alegre, o Estado aposta na recuperação do Cais Mauá para abrigar as aglomerações – a prefeitura, porém, ainda não definiu o local, que precisa ter grande circulação. Grêmio e Internacional também mandaram representantes para a missão, chamada de “O Rio Grande Te Espera”.
Ontem, os presidentes dos dois clubes, Duda Kroeff e Vitório Píffero, estiveram na cerimônia e entregaram à governadora documentos reforçando o pedido de isenção de ICMS para as obras de reforma do Beira-Rio e da Arena do Grêmio. Reunidos para revisar a Copa passada, ninguém tirou os olhos do futuro.
Segurança
A Copa de 2014 já começou para a Brigada Militar. O concurso para 3,6 mil novos policiais a ser executado ainda neste ano foi planejado já pensando no Mundial. Segundo o comandante-geral da BM, coronel João Carlos Trindade, metade deste contingente será chamado até o fim de 2010 e o restante ficará como reserva para ser convocado ano que vem.
– Esse efetivo será suficiente. A gente desloca cerca de 2 mil policiais para a Operação Golfinho no litoral todo o ano. Será mais ou menos o mesmo tamanho – afirmou o oficial.
Os novos PMs serão treinados para atender os turistas, com cursos de línguas e orientações de abordagens. A recomendação de contratar segurança privada para fazer o trabalho dentro dos estádios é vista com restrição pelo comandante. Para ele, a BM tem “cancha” para fazer o serviço, já que está acostumada a trabalhar em grandes eventos esportivos da dupla Gre-Nal.
A Brigada vai apostar no monitoramento dos visitantes. Ao desembarcar, o turista terá de informar o hotel e como fará os deslocamentos pelo Estado.
O que se viu na África do Sul |
- A polícia nacional trabalha com policiais novos, sem experiência em estratégias de patrulhamento com público |
- A segurança privada, uma das recomendações da Fifa para os estádios, não funcionou. |
- Os agentes nacionais tiveram de assumir as funções de segurança. |
Recepção aos visitantes
Um mantra vem sendo repetido pelos gestores públicos envolvidos com a Copa 2014: apenas infra-estrutura não resolve nada. Para receber bem os 150 mil visitantes a mais previstos no Estado para 2014, será preciso um sistema mais completo de informações turísticas, que indique caminhos e pontos turísticos, com material adequado e treinamento a profissionais que terão contato com os visitantes.
Na esfera estadual, o governo realiza em fase de testes um curso de inglês para 320 trabalhadores do setor de hotelaria. Em setembro, os resultados desse curso vão embasar um projeto maior de qualificação. Paralelamente, o Ministério do Turismo oferece cursos à distância no programa Olá, Turista: há 20 mil vagas disponíveis para quem atua no setor de turismo aprender expressões básicas para lidar com estrangeiros.
Mesmo falando português, quem não conhece Porto Alegre tem dificuldade de se guiar na cidade. De olho na Copa, a prefeitura da Capital busca recursos do governo federal para aumentar o número de placas indicativas dos caminhos que levam de um ponto turístico a outro.
O que se viu na África do Sul |
- Facilidade de comunicação, já que a população tem o inglês como uma das línguas oficiais |
- Estruturas de turismo organizadas espalhados por praticamente todo o país. |
- As pessoas tinham pouca informação para prestar ajuda: era difícil ter boas indicações de passeios e restaurantes, por exemplo. |
Trânsito
Nenhum dos engarrafamentos que tanto irritam os porto-alegrenses vai se comparar à bagunça vista no trânsito de Joanesburgo, mas as atuais tranqueiras já são suficientes para desestimular qualquer visitante a conhecer a Capital mais a fundo. Quando se pensa que boa parte das opções de turismo no Estado estão fora da Capital e são acessadas pela entupida BR-116, fica evidente que a mobilidade na Região Metropolitana tem de ser prioridade.
Por enquanto, os 10 projetos oficiais para o Mundial da prefeitura de Porto Alegre são relacionados ao trânsito. Entre eles, a duplicação das avenidas Tronco e Beira-Rio e os terminais para o sistema integrado de ônibus. O governo do Estado aposta na Rodovia do Parque, a ser concluída até 2012, que vai interligar a freeway a Esteio, e no projeto da ERS-010, em uma parceria público-privada.
Ambas desafogariam a BR-116 – quesito essencial para levar seleções e visitantes à Serra, por exemplo.
O que se viu na África do Sul |
- Não há transporte público organizado. Vans e ônibus irregulares são os mais usados pela população mais pobre. |
- Os táxis não eram identificados e rodavam sem taxímetro, na base da confiança entre passageiro e motorista. |
- Engarrafamentos fora das freeways eram comuns. Isso fez com que a maioria dos turistas ficasse restrita aos hotéis e aos jogos. |
Aeroportos
Como serão a principal forma de deslocamento de seleções e torcedores entre as cidades-sede, os aeroportos estão deixando Ricardo Teixeira de cabelos (mais) brancos. Em Porto Alegre, a Infraero tem previsão de investir R$ 1 bilhão até 2015: as principais obras serão na expansão de um terminal de passageiros, na ampliação da pista e na consequente instalação do ILS-2, equipamento que permitirá operar mesmo em meio a nevoeiro fechado. Como a Copa será no inverno, e a neblina deve ser constante, a instalação do equipamento é fundamental para garantir a confiabilidade do sistema aéreo em 2014.
– Durante o Mundial, não podemos ter essa situação de fechar aeroporto por causa do mau tempo – diz o secretário estadual da Copa, Eduardo Antonini.
No Brasil todo, devem ser aplicados R$ 6,48 bilhões na modernização dos aeroportos. O governo do Estado realiza melhorias em 13 aeroportos regionais – para este ano, estão disponíveis R$ 31,2 milhões.
O que se viu na África do Sul |
- O aeroporto de Joanesburgo, novo em folha, é exemplo de eficiência: do desembarque à porta do terminal, mesmo pegando malas na esteira, a média de tempo foi de 15 minutos. |
- Com pouca opção para se deslocar pelo país, a África do Sul modernizou os terminais ou construiu outros. |
- Os voos estavam sempre lotados. Isso fez com que torcedores perdessem a semifinal entre Alemanha e Espanha, em Durban, quando o tráfego na pista do aeroporto King Shaka atrasou cinco voos. |
*Colaborou Gustavo Azevedo