Seria mais um final de tarde. Mais um pôr-do-sol visto de camarote, do outside da Praia da Vila, em Imbituba. Mas de comum aquela situação não tinha nada. O prodígio João Paulo Alves de Abreu, 14 anos, imbitubense de pai e mãe, estava na água cumprindo sua rotina de surfe diário, quando chamou a atenção de um dos melhores surfistas do mundo. O australiano Adrian Buchan, que encerrou 2008 como top 7 do WCT (a elite do surfe mundial), ficou impressionado com o talento do garoto.

João Paulo conta a história como se ela tivesse ocorrido hoje. Afinal, foi graças ao seu indiscutível talento, unido ao olhar atento do top, que ele alcançou o primeiro passo rumo à profissionalização: fechou contrato com uma marca internacional de surfe, que aposta e investe no catarinense para que logo a promessa torne-se realidade. E enquanto tarda a chegar a hora de termos um representante brasileiro no topo do ranking mundial, João Paulo treina diariamente no quintal de sua casa, na Praia do Porto, para ser um forte concorrente ao posto.

— Eu saí da aula cedo, peguei a bicicleta e fui surfar na Vila. Cheguei lá, estavam os tops na água, além de brasileiros como Mineirinho e Fábio Gouveia. Surfamos e começou a chover. Todo mundo saiu da água, e eu fiquei observando, vi que o mar estava melhorando e então vieram dois gringos, entre eles o Adrian. Como meu inglês não é fluente, um amigo intermediou a conversa. O Adrian me elogiou, perguntou minha idade, trocamos uma idéia — disse João Paulo, que admira a habilidade de Buchan, mas é fã mesmo do estilo de Mick Fanning (AUS) e do brasileiro Adriano Mineirinho.

Filho de um surfista de alma, João Joaquim de Abreu Filho, de quem herdou o apelido — Passarinho — e a paixão pelas ondas, João Paulo foi criado a poucos metros do mar. Morador da Praia do Porto, é no quintal de casa que surfa diariamente e, a partir deste ano, ainda mais. Aluno nota 10 no colégio, onde cursa o 1o ano do Ensino Médio, João Paulo mudou seu horário de estudos para a noite, a fim de ter o dia inteiro livre para treinar.

— Eu digo para ele: se for bom na escola, vai ser bom no surfe, porque vai tirar uma nota boa na prova e sobrar tempo para ir ao mar — disse o pai, que atualmente está desempregado.

A casa de arquitetura antiga demonstra a humildade da família, mas também o aconchego. No ambiente familiar, sobra respeito e, no quarto de João, falta espaço para tantos troféus. E todos são apontados com muita satisfação pelo prodígio, que faz questão de relembrar a conquista, as ondas que surfou para alcançar o prêmio, as histórias entre os amigos, quem o apoiou para viajar, pagar a inscrição, se alimentar.

— Desde o início, o comércio local de Imbituba, a prefeitura, a associação de surfe, sempre ajudaram a gente — contou João Paulo.

Outro fator importante para que a cidade abrisse os olhos para o surfe foi a realização da etapa brasileira do WCT:

— Com o WCT acontecendo aqui, melhorou tudo na cidade. Eles estão sempre vendo os melhores surfistas do mundo em ação na água, além dos campeonatos profissionais, brasileiros e catarinenses, que deixam eles em contato com o surfe de alto nível — destacou o pai.

Para João Joaquim, receber o incentivo da Hurley International, que a partir de agora investe na carreira de João Paulo, foi um grande passo para a concretização do sonho de ver o filho como profissional do esporte.

— É fundamental termos o apoio da Hurley. Eles estão investindo no João Paulo a longo prazo. Mas continuamos precisando da ajuda dos outros, como a Federaçao, a ASI (Associação de Surfe de Imbituba), a Prefeitura, porque se não fosse por eles eu não conseguiria chegar onde já cheguei — disse o garoto.

Inspiração em outro imbitubense

Surfista desde os 7 anos de idade, João Paulo, além de contar com o incentivo do pai e o cenário propício para a prática de esporte, ainda tem um professor de luxo. Também local da Vila, o veterano Fabinho Carvalho, de 37 anos, representante de SC no SuperSurf, acompanha a evolução de João Paulo e dá orientações ao garoto.

— Eu cresci surfando com o Fabinho. Ele sempre me dava os toques do que eu poderia fazer para melhorar. Sempre me espelho nele, que é um bom atleta dentro e fora d'água, com um surfe forte, muito estilo. Ele sabe o que fazer na onda, principalmente na Praia da Vila. Fiquei muito feliz por ele ter conquistado uma vaga no SuperSurf, que é a elite do esporte no país — contou João Paulo.

E os elogios são recíprocos. Assim como o pupilo nutre admiração pelo experiente local, Fabinho não economiza ao falar do "Passarinho" e apontá-lo como uma das maiores promessas do surfe imbitubense.

— Hoje, com certeza o João Paulo é uma das maiores promessas do surfe em Imbituba. Tenho a felicidade de ver o João Paulo nesta evolução porque futuramente ele será um sucessor. Ele não tem que ser igual ao Fabinho. Ele tem que ser melhor, alcançar novos limites — disse Fabinho, que em 1993, antes do nascimento de João Paulo, conquistava seu primeiro título de campeão catarinense profissional e se projetava para o cenário brasileiro.

A preparação para o sonho

João Paulo é um surfista diferenciado. Aparentemente, tem o perfil típico: magro, de cintura fina e costas largas, cabelos loiros e pele bronzeada. Psicologicamente, porém, está bem distante da imagem radical que o esporte passa. Ele guarda isto para as manobras.

Fora d'água, é calmo, gosta de ouvir música gospel, ir à missa e se dedicar ao seu sonho. Sem tempo para pensar em baladas, drogas e mulheres, João Paulo tem acompanhamento psicológico e também aposta na preparação física.

— Eu procuro me afastar das confusões. Tenho na minha cabeça muito claro o que eu quero e sei que se eu mudar o meu foco, não vou alcançar onde pretendo chegar. Durmo cedo, só penso em surfar — afirmou o garoto.

E quem pensa que a preparação se encerra ao conquistar mais um título, se engana. Ela é contínua e tem uma rotina especial após os campeonatos.

— No dia seguinte, a gente olha as notas que os juízes deram e estudamos isto, entendemos o critério, vamos aperfeiçoando a maneira do João Paulo de competir — explicou o pai.

Mas até onde vai o sonho de João Paulo?

— Quero ser campeão mundial. Quero ser campeão em uma etapa do WCT aqui. Quero ser o local campeão da Vila — exaltou o garoto.