| 26/07/2007 15h15min
Longe de toda a badalação dos Jogos Pan-Americanos, um projeto social sobrevive no Rio de Janeiro sem dinheiro e graças ao empenho de um sonhador. No Núcleo Desportivo de Atletismo, que funciona em uma sala emprestada ao lado da Academia de Polícia Militar, na zona oeste da cidade, cerca de 600 jovens de comunidades carentes recebem de Ormandino Rodrigues Barcelos aulas de cidadania, amor e respeito, e aprendem a ter esperança.
Em 1976, Ormandino resolveu que precisava fazer alguma coisa para tirar crianças e adolescentes do caminho da criminalidade. Saído de um bairro pobre, o professor conhecia o fim de jovens que, sem uma boa estrutura familiar, gastavam as horas se dedicando ao ócio ou flertando com todas as transgressões possíveis.
Tentando diminuir o índice de marginalização que presenciava nas proximidades de onde ensinava, Ormandino apresentou um projeto e começou a oferecer aulas de atletismo. Utilizando a área cedida pelos militares na zona oeste do Rio, e sem qualquer patrocínio, iniciou com 23 jovens da Cidade de Deus que estavam se envolvendo com tóxicos. As dificuldades eram esperadas. E se somavam.
– Nós recebemos crianças educadas, mas também outras que não sabemos qual foi o processo formativo. E leva um ano ou dois até que elas mentalizem a diferença entre o que é lá fora e o que nós queremos aqui dentro.
Casado, o professor investe todo o dinheiro que ganha no projeto. É a mulher quem sustenta a casa. Venderam até o carro da família para comprar uma van, com o objetivo de ter um veículo para levar os atletas às competições.
O Núcleo tem apenas um patrocinador fixo, que contribui com aproximadamente R$ 6 mil mensais. Com esse valor, Ormandino quase consegue reproduzir o milagre da multiplicação. Deu para contratar nutricionista, psicólogo e técnicos, além de complementar a renda dos professores cedidos pela secretaria de Esporte e Lazer. Os equipamentos, todos muito caros, são usados até gastarem ao extremo.
Pesando nas crianças que chegavam para treinar de barriga vazia, foi desenvolvida uma espécie de ração vitaminada, rica em sais minerais. Mas ainda não tem para todo mundo. Só 70 jovens dos quase 600 recebem o saquinho com o farelo, que é ingerido geralmente puro. Ao final dos treinamentos, é oferecido um repositor energético líquido. Este, já chega até 150 atletas.
Da pequena sala que funciona como escritório, depósito, cozinha, sala de estar e de reuniões, Ormandino se questiona sobre o que resolveu fazer da vida. Lembra que poderia estar viajando, desfrutando das aposentadorias que recebe como professor municipal e universitário. O momento de fraqueza tem explicação. Ele chega logo depois da lembrança mais triste do idealizador do projeto. Um ex-funcionário levou três bons atletas do Núcleo para treinarem em outro local.
– Quando o filho é feio ninguém quer criar. Quando é bonito, todo mundo quer ser o pai da criança. Você passa quatro anos investindo nelas. Os outros só querem investir no atleta quando ele já está formado. Ensinei tudo a ele (o ex-funcionário). Dei pra ele a melhor equipe que tinha, que era a de arremesso. Ele levou meus três campeões brasileiros. É muito bonito fazer resultado com os atletas dos outros – declara.
Sobre um armário na sala, uma maquete com aquele que é o sonho do professor. Um prédio que abrigaria vestiários, salas de aula, auditório, copa, sala de reuniões, e que, literalmente, abraçaria a pista de atletismo. Mas Ormandino sabe que esse é um sonho distante. Sem verbas, o Núcleo vai continuar como está hoje, e o professor, colocando dinheiro do próprio bolso.
– Todo mundo quer falar de morro morando de frente pro mar. Responsabilidade social, ninguém quer. Aqui nós não temos nada. É o mínimo para funcionar o maior projeto do país. Mas não existe impossível quando se tem um ideal – ensina Barcelos.
ANDRÉ ROCA