| 19/04/2007 16h04min
Essa série reportagem já relatou a briga de gangues rivais em São Leopoldo, a situação das antigas torcidas organizadas (ou foram extintas ou reduziram) e o mais novo jeito de torcer no Sul: o estilo barra brava da Argentina e do Uruguai. Nesta edição, a equipe revela o lado mais obscuro desses grupos, que é o crime por trás do futebol.
– É nóis né meu irmão, a gente não anda sozinho, se junta uns 10 ou 15 e vamo pra batalha. Tu sabe né? Roubo e arruaça – revelou um integrante da Geral do Grêmio.
– No estádio é soqueira e faca, mas na rua é cano (arma de fogo) mesmo. Não dá outra – disse um jovem de São Leopoldo que diz ser integrante da torcida organizada Camisa 12 do Inter.
Outro problema é o apedrejamento do metrô e de ônibus. Só em Porto Alegre, o representante do Sindicato dos Rodoviários, Luiz Eduardo Sirângelo, informou que em dias de jogos é um tormento nas linhas T2, que leva ao Beira-Rio, e a T6, que passa pelo Olímpico. Segundo ele, ocorrem apedrejamento, incêndio, brigas e agressões. Ele pede providências às empresas e às autoridades policiais. De acordo com a empresa Carris, desde o ano passado, 60 ônibus da companhia foram depredados por torcedores. Só em abril de 2006, que coincidiu com as finais do Gauchão, entre Inter e Grêmio, 17 coletivos foram depredados.
Caxias do Sul
Em um jogo entre Inter e Juventude, em 2002, pelo menos três torcedores foram baleados pelas ruas de Caxias do Sul, na Serra. Além disso, uma bomba caseira explodiu no momento de uma abordagem policial. O torcedor do Grêmio, Jéferson da Silva Machado, do Vale do Sinos, morreu, e o PM Cleomar Vargas perdeu a mão direita. A reportagem localizou o amigo da vítima. Ele pediu para não ser identificado.
– Cara, eu vi tudo, estava há poucos metros. O Jéferson foi revistado e o policial pegou a bomba. Ele não acreditou que era um artefato caseiro e tocou na cabeça dele. Deu no que deu. Foi triste. Nós somos gremistas e fomos para Caxias do Sul pegar os colorados que são do Vale (Sinos) e são inimigos – revelou o jovem.
O ex-policial militar, Cleomar Vargas, negou as acusações. Disse que só fizeram isso para encriminá-lo e ninguém conseguiu comprovar os fatos. Ele se considera uma vítima do fato e que vai processar quem o acusou injustamente. Vargas até hoje sofre represálias e preconceitos. Ele está aposentado por invalidez.
Facas, sinalizadores e rojões
Falando da estrutura criminosa montada por alguns torcedores dentro dos estádios, um torcedor revelou como entram facas, rojões e sinalizadores. Ele pediu garantia que não tivesse o nome revelado temendo que pudesse ser agredido por integrantes de algumas torcidas. Segundo o adolescente, grande parte deste material é colocado umas duas horas antes do jogo enrolada nos trapos, as faixas.
– A polícia não faz segurança neste horário e por isso facilmente colocamos rojões e sinalizadores junto com os trapos – explicou.
O adolescente ainda disse que estes materiais proibidos entram também nos instrumentos, nos calçados e em algumas vezes com os representantes dos bares que ficam nos estádios.
– Nada que um troco na mão dos tios não ajude – ironizou.
Ao ser perguntado para que as facas, prontamente o jovem respondeu:
– Para se defender, é claro. Sempre tem uns contra no meio da torcida – disse.
Vale lembrar que o uso de sinalizadores já interrompeu várias partidas, inclusive a final da Libertadores da América entre Inter e São Paulo, no ano passado. Em apenas dois jogos da dupla Gre-Nal, numa mesma semana de março deste ano, a Brigada Militar apreendeu pelo menos sete facas, dezenas de rojões e sinalizadores, além bombas caseiras e soqueiras.
Drogas
As mais comuns são em disparado a maconha, seguida da cocaína. Alguns jovens cheiram loló e a reportagem flagrou até lança-perfume. O uso de entorpecentes é quase que normal dentro dos estádios e o ingresso ocorre da mesma forma que os rojões e sinalizadores. Segundo levantamento da Brigada Militar, desde o ano passado foram registradas 125 ocorrências de apreensão de maconha e cocaína nos estádios Olímpico e Beira-Rio. O comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOE), tenente-coronel Jones Calixtrato dos Santos, destacou que o trabalho de monitoramento é intenso, inclusive com a participação do Setor de Inteligência, mas admite que não tem como controlar.
– A revista em tênis é aleatória, caso contrário, iríamos causar uma confusão na entrada do estádio devido à demora para averiguar o ingresso de objetos não permitidos – informou o tenente-coronel.
Intercâmbio
A reportagem chegou a acompanhar na torcida do Vélez, da Argentina, no jogo contra o Inter, no Beira-Rio. O objetivo foi fazer o mesmo que os torcedores fazem freqüentemente: o intercâmbio. Neste caso, conferimos que alguns torcedores gremistas articularam o ingresso no estádio junto com os argentinos. Mas não foi possível. Em contato com um integrante da torcida portenha, a equipe foi informada que a ação dos barra bravas tem sido um problema cada vez maior na Argentina. O mesmo torcedor ficou preocupado ao saber que esta forma de torcer, que tem seus aspectos positivos e negativos, tem aumentado no Rio Grande do Sul. No entanto, destacou que as barras gaúchas ainda são tranqüilas, se comparadas com as de seu país.
Mas o intercâmbio, infelizmente, se dá de outras formas. Alguns torcedores mantém contatos com torcidas de outros estados e às vezes de deslocam para assistir partidas fora do Rio Grande do Sul apenas para vaiar a equipe rival, para provocar inimigos e também para causar tumultos.
– Tá ligado, a gente se dá com torcidas do Atlético-PR e do Palmeiras, e quando o Inter joga lá, a gente vai só para tumultuar. Quando eles vêm pra cá, são recebidos por nós também. No Beira-Rio então, já sabemos os mocó (caminhos) e tem como fugir – disse um torcedor integrante da Geral do Grêmio.
Roubo de Trapos
Trapos são as faixas e bandeiras. Da mesma forma que são idolatrados pelos seus proprietários, que colocam dizeres dos mais variados possíveis, os trapos também são cobiçados pelos rivais. O roubo destes panos e a exibição dos mesmos são considerados um troféu. Há fotos na Internet e além disso, as faixas também são exibidas em reuniões e até em partidas. Também ocorrem assaltos a torcedores rivais, e um dos integrantes da Popular do Inter comentou que no dia seguinte procuram os jornais para ver se algo foi noticiado.
– A gente fica triste quando não sai na Polícia e sim no Esporte – destacou o torcedor.
Enquanto a Brigada Militar tem dificuldade em revistar minuciosamente os torcedores em um jogo de futebol, apesar da intensificação das operações, a Polícia Civil enfrenta dificuldade para identificar os agressores nos estádios. Isso por que os casos são registrados nas delegacias como lesões corporais, ou seja, crimes de menor poder ofensivo, que acabam sendo encaminhados diretamente para a Justiça. É dificíli até mesmo para elaborar uma estatística sobre este tipo de delito envolvendo torcedores.
Perfil dos torcedores
A psiquiatra Nora Tormann observa com tristeza estes fatos envolvendo torcedores. Segundo ela, ocorre uma transição de valores na sociedade. Este tipo de indivíduo justifica a agressividade através da paixão pelo futebol. É como se descarregasse toda a raiva no jogo, no adversário rival, como acontece no trânsito e com grupos que têm preconceitos étnicos. Para Nora, ninguém se sente responsável pelos atos por que ocorre a chamada dissolução da responsabilidade, ou seja, a culpa acaba sendo diluída perante todos os integrantes da multidão. Sozinho não fariam isso. Outro problema é o fato de haver, em grande parte dos casos, uma liderança negativa que a acaba influenciando o restante. Estas pessoas se transformam nos estádios. Outra preocupação da psiquiatra é o fato de jovens estarem envolvidos nessas confusões e a maioria usa drogas e álcool.
Já o antropólogo Edison Gastaldo resume que, na verdade, esse tipo de conflito ocorre por que a impunidade está por trás de tudo. Vai da falta de policiamento mais rigoroso, investigação mais apurada a agilidade de processos judiciais e, principalmente, pelo fato destes agressores se valerem do anonimato. Geralmente agem em grupos e têm os rostos encobertos.
– É uma pena que um grupo de cinco ou 10 acaba insuflando uma multidão que se deixa levar pela emoção, por exemplo, de uma partida de futebol, ou pela rivalidade entre torcidas – destacou Gastaldo.
CID MARTINS E JOCIMAR FARINA/RÁDIO GAÚCHA E FÁBIO ALMEIDA/RÁDIO FARROUPILHA