| 10/03/2006 08h08min
Um dos mais destruidores atos da história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o atentado contra a Aracruz Celulose, ocorrido na quarta, afirma a nova linha da organização. A frente de batalha deixa de ser o campo improdutivo, e a articulação das invasões agora é internacional. O ato em Barra do Ribeiro, concebido para afugentar um investimento de US$ 1,2 bilhão e milhares de empregos, aumentou o afastamento entre o MST e o governo Lula.
Ao devastar milhões de mudas e dilapidar um patrimônio de pesquisas, os sem-terra e seu braço feminino, o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), praticaram as diretrizes de uma cartilha internacional. A depredação teve o apoio e o planejamento da Via Campesina, guarda-chuva de entidades que defendem um mundo sem multinacionais, sem empresas, sem defensivos e de princípios coletivistas.
Paul Nicholson, dirigente da entidade que participa de um fórum de ONGs paralelo à conferência internacional de reforma agrária no campus da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), culpou a vítima.
– A destruição do laboratório foi um ato de legítima defesa de camponeses contra a política destrutiva de uma empresa, a Aracruz, que prega a monocultura, danifica o ambiente e o torna infértil – disse Nicholson, que, apesar do nome inglês, se identifica como representante do País Basco, região espanhola.
A Polícia Civil confere informações de que estrangeiros ligados à Via Campesina participaram do vandalismo. O delegado regional de Barra do Ribeiro, Rudymar de Freitas Rosales, analisa vídeos com imagens da invasão e listas dos ônibus que levaram os manifestantes. Entre esses veículos há um com placas de Villa Elisa, no Paraguai, até ontem visto estacionado no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, na Capital. O veículo trouxe desde Assunção uma delegação com 39 paraguaios ligados a nove associações de agricultores. A participação de estrangeiros no vandalismo lhes renderia, no mínimo, a expulsão do país.
Os policiais tentam formalizar testemunhos de que os forasteiros estiveram no local do atentado, bem como um asiático, que teria sido fotografado no viveiro de mudas. Será difícil, porque a ação foi planejada de forma a proteger a identidade dos militantes. Os voluntários para a depredação dormiram num prédio contíguo à Igreja Santo Antônio (dos freis capuchinhos) e dali saíram com rostos cobertos por lenços.
A depredação da Aracruz é a culminância de um processo de ampliação do espectro de lutas do MST, copiado de outros países.
Em entrevista à rádio CBN, o líder do MST João Pedro Stedile defendeu ontem táticas radicais contra as multinacionais. Ao justificar a depredação da Aracruz, perguntou aos participantes se "alguém já comeu eucalipto, alguém já comeu papel?". E aproveitou para criticar o governo Lula, antigo aliado.
– Governo, em toda parte do mundo, só vive puxando o saco do poder econômico. A novidade é que, no Brasil, é um governo de esquerda que começou a puxar o saco do capital.
Dando forma às palavras de Stedile, 200 militantes da Via Campesina invadiram o palco da conferência, ao entardecer de ontem. Ao entregar um documento de apoio à reforma agrária, recebido pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, gritavam "reforma agrária urgente" e "fora FMI e Aracruz" .
HUMBERTO TREZZI E VANESSA NUNES/ZERO HORA