Conteúdo: unimedespacovida | 05/01/2010 19h56min
Uma grande intersecção em círculo. A placa com setas em movimento concêntrico representa bem por que motivo é tão difícil exercer atitudes gentis no trânsito – ou mesmo fora dele. Quando o ambiente ou a cultura (ou ambos) reforçam atitudes agressivas ou egoístas, forma-se um círculo vicioso, no qual atos questionáveis pelo bom senso se explicam em função dos atos dos outros. Saída à esquerda? Saída à direita? Sempre há. Mas é preciso convicção para interromper o giro que não leva ninguém a lugar algum.
“Iniciativas como esse caderno e campanhas têm esse valor, o de fazer as pessoas refletirem sobre a importância da retomada dos valores humanos”, analisa Ruggero Levy, psicanalista e diretor do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.
Entre os territórios em que o ser humano transita, está o das pulsões de vida e de morte. A pulsão de vida explica os impulsos amorosos, a prática do bem, com a gente mesmo e com os outros. A pulsão de morte está associada à agressividade, aos impulsos destrutivos. De novo: com a gente mesmo e com os outros.
“No ambiente cultural atual, o indivíduo se sente muito pressionado por vários fatores hostis, como o excesso de violência, a vida sacrificada, sofrida. Embora não se justifique, dá para entender que no anonimato do trânsito se expressem tendências mais agressivas, que existem em estado latente”, explica Levy.
Ainda a agravar o status de caos desse círculo vicioso de atitudes nada gentis no trânsito, está um outro território inerente à condição humana: a medida de nosso narcisismo e de nossa preocupação com o outro. Onde acaba a preocupação com a gente mesmo - necessária, fundamental para a autoestima - para dar lugar ao respeito e à consideração pelo outro - necessária, fundamental para o convívio social?
“Essa oscilação também tem a ver com uma série de fatores, entre os quais, pessoais, sociais, familiares... Imersos numa cultura que estimula o narcisismo, de desconfiança, de que levar vantagem sempre é o melhor, dá para entender porque desconsiderar o outro motorista é uma atitude que prevalece no trânsito”, afirma o psicanalista.
Mas por que interromper o movimento que gira sempre para o lado do hostil e do narcisismo? Aí, entramos no território das sutilezas - para o qual é preciso mais sensibilidade e tempo (cadê?) de percepção. O círculo vicioso hostil não é bom para ninguém. E não se trata de uma reprovação externa, ou invocar o nome de alguém, como diz a música citada no início do outro texto.
“Sempre que a gente agride ou trata mal alguém, há um sentimento que nos atormenta, que é a culpa. Agora, toda vez que praticamos uma ação reparadora, amorosa, a gente sente algo positivo, uma gratificação, um bem-estar”, garante o doutor Levy. “Porque todos nós temos, dentro de nós, os indivíduos normais, uma instância moral, que reprova a agressão e aprova a atitude amorosa, em geral. Porque a gente se sente em paz”, afirma ele. E acrescenta: “É a nossa consciência moral, presente em indivíduos normais, exceto em psicopatas”.
O psicanalista lembra que estamos comentando situações gerais, e que há exceções, para o bem e para o mal. Aí, pensamos nas pessoas que, apesar de tudo, passam ao largo do círculo vicioso e são gentis e amorosas. Como se explicam? Ou você não fica chocado quando alguém é gentil no trânsito?
“Há uma tendência predominante, mas há inúmeras microculturas, famílias e nichos que valorizam outros princípios. A família tende a ser o elemento central, o ambiente em que o sujeito forma seu caráter, seus valores”, diz Levy.
Se nos sentirmos valorizados por uma atitude, vamos repeti-la. Vira um ciclo vicioso benigno. E nem precisa de muita explicação para entender que uma vida menos hostil, com atitudes mais gentis, faz bem para a saúde.
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