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 | 15/09/2008 05h37min

Bloqueios começam a ser desmontados na Bolívia

Santa Cruz de La Sierra, o mais importante departamento rebelde à autoridade de Evo Morales, está virtualmente isolada

Humberto Trezzi  |  humberto.trezzi@zerohora.com.br

Governo e oposição começaram a negociar um armistício na Bolívia, mas um dos mais perversos instrumentos dessa guerra de atritos permanece. São os bloqueios de rodovias.

As milícias direitistas que se opõem a Evo Morales e desejam autonomia regional começaram a retirar as barricadas que tinham montadas nas estradas que levam aos departamentos fiéis ao presidente indígena. Já as organizaçoes esquerdistas, aliadas de Morales, mantém barreiras e impedem a chegada de víveres e combustível nas províncias rebeldes.

Os oposicionistas começaram a desmontar suas barreiras como "gesto de boa vontade" para negociação. Os esquerdistas encararam isso como um vacilo e mantiveram as suas. Santa Cruz de La Sierra, o mais importante departamento rebelde à autoridade de Evo Morales, está virtualmente isolada por bloqueios de rodovias, como Zero Hora conferiu numa viagem de um dia pelo interior boliviano.

A travessia foi feita no fim-de-semana e comprovou que o abismo de ideologias na Bolìvia pode ser representado por uma ponte. No caso, a que está situada sobre o rio Apiay, próximo à divisa entre os departamentos de Santa Cruz e Cochabamba.

A travessia, situada a 120 km de Santa Cruz de La Sierra, estava interrompida até o anoitecer de domingo, no lado sul, por milicianos da Uniao Juvenil Cruceña (UJC), grupo direitista que luta pela autonomia das províncias fronteiriças com o Brasil e faz oposição cerrada a Evo Morales. No lado norte, a barricada era — e continua sendo — formada por outras milícias, esquerdistas e aliadas do presidente, entre elas o Movimento al Socialismo (MAS) e o MST (Movimento de los Indígenas Sin Terra), similar ao brasileiro.
Direitistas e esquerdistas passaram os últimos dias e noites testando os nervos. Disparavam foguetes de um lado para o outro, se xingavam, alguns davam tiros para o alto. Prometiam avançar sobre território alheio, mas ficaram na bravata. Pelo menos até ontem, quando a UJC retirou suas barreiras.

Para chegar até a ponte ZH, numa caminhonete partilhada com uma equipe de TV, cruzou quatro bloqueios da UJC. Montes de terra ou troncos de árvores estavam jogados sobre a pista asfaltada em locais estratégicos, como viadutos e pontes.

Difícil passar, a menos que se esteja num veículo tração nas quatro rodas, como era o caso. Impossível, se os milicianos não quisessem. Foram convencidos a nos deixar cruzar as barreiras mediante muita lábia a respeito da necessidade de o Brasil conhecer as agruras bolivianas.

Na terceira barreira um capitão do Exército, em trajes civis e com braçadeira da UJC, explicou sua posição. Ao lado dele, militantes jogavam cartas à sombra de uma barraca montada no meio da rodovia. Outros bebiam chicha (aguardente de milho). Ao olhar um dos repórteres, moreno, um dos milicianos perguntou se ele era cubano. 

— Queremos fora do nosso país os venezuelanos, cubanos e seus amigos. Eles não são movimentos sociais, são delinqüentes. Queremos autonomia. Queremos ser igual ao Brasil, não um país comunista — resume o capitão Vladimir Rocas, prefeito da localidade de Buena Vista.

ZH viajou 120 km, cruzou a ponte e praticamente ingressou num outro país. Índios quéchuas, guaranis e aimaras, os esquerdistas do MAS e do MST mascavam folhas de coca, portavam arcos, flechas e tacapes e olhavam desconfiados para a caminhonete onde se lia TV.

Em sua maioria trabalhadores braçais de lavouras de soja e de coca, não queriam a presença de jornalistas. Desconfiavam que fôssemos americanos. Falamos português, pediram identidades. Tivemos de mostrar passaportes. Gritavam "fora periodistas", "abajo americanos". Quando se convenceram de que éramos brasileiros, tivemos de convencê-los do nosso objetivo de relatar todos os pontos de vista. 

— Lutamos pela transformaçao, pela gente pobre, contra os empresários e oligarcas. Somos maioria. Vamos expulsar os direitistas e chegar em Santa Cruz, não tenha dúvidas — discursou, num megafone, Uleal Torrico, presidente da Federación de Trabajadores Rurais de Yapacari.

Não duvidamos. Está prevista para esta semana uma marcha do MST e do MAS até Santa Cruz. Direitistas da UJC prometem reagir.

Na viagem de volta, num posto de gasolina, um miliciano direitista furioso com a ambigüidade da imprensa brasileira nos xingou e arrancou as fitas adesivas do carro, onde se lia Prensa. Uns 20 motoqueiros o acompanhavam. Voltamos quietos, descrentes numa saída diplomática para a crise. É esperar para ver.

Humberto Trezzi / 

Grupo de apoiadores de Evo Morales faz barricadas nas estradas impedem a chegada de víveres e combustível nas províncias rebeldes
Foto:  Humberto Trezzi


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