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 | 23/04/2008 17h02min

Expedição Jacuí: Nezão e a lenda da Cobra Grande

Equipe de ZH percorre 860 quilômetros do Rio que vai da região norte à depressão central do RS

Atualizada em 24/04/2008 às 09h58min Humberto Trezzi  |  humberto.trezzi@zerohora.com.br

Entre os municípios de Espumoso, Tapera e 15 de Novembro, assunto rondando a beira do Jacuí tem de incluir a Cobra Grande. Reza a lenda que o bicho, também chamado Minhocão, seria uma serpente gigante que se criou nas águas do rio, e volta e meia assombra os moradores.

Uma das versões é de que, aí pela década de 60, capotou próximo ao rio um ônibus que funcionava como zoológico ambulante — cheio de cobras, terneiros de duas cabeças empalhados e aberrações do gênero. Os animais teriam se refugiado nas águas da região e ali procriado.

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Seriam então várias Cobras Grandes, não uma, o que explicaria suas aparições desde a década de 60. O certo é que, a cada quilômetro em Espumoso, é possível encontrar um pescador que viu o bicho. Auri Vilarinho, 67 anos, o Nezão, é um deles. Tinha 18 anos e lembra como se fosse hoje. Conta tim-tim por tim-tim e ainda entra em detalhes.
Acontece que Nezão não é um pescador qualquer. É professor desde a juventude, com predileção por ciências — biologia em particular. Um homem de credibilidade, enfim. Pois jura ele que deu de cara com a cobra num fim de tarde no Poço do Pançudo, um tradicional pesqueiro, onde até hoje ele costuma pescar (tirou um jundiá de quase um quilo da água, enquanto dava entrevista a Zero Hora...).

— Não tinha bebido nada, só água. Eu e meu irmão pegávamos lenha carregada pela enchente, de caíque. De repente uma coisa deu um pulo no poço, chegou a fazer eco. Pensei que era uma traíra, das grandes...Mas aí uma traíra pulo por cima do barco, assustada. Então olhei e vi aquela coisa escura, meio preto-azulada, avançando tipo uma lancha, abrindo a água. Mergulhou e levantou um monte de borbulha e folha podre - recorda Nezão.

O professor (como é chamado na cidade) ficou com medo "que o caíque virasse graveto". Mas a tragédia não aconteceu. Aliás, nem naqueles longínquos anos 50, nem de lá para cá. Nezão acha que se fosse uma sucuri (ou anaconda), como muito se fala na região, pescadores teriam sido devorados às tardinhas como lanche. Isso nunca ocorreu. Exercitando seu pendor para as ciências biológicas, Nezão arrisca.



— Acho que é uma serpente aquática, comprida, mas não perigosa. Do contrário muita gente teria morrido.Nezão fica magoado quando dizem que é história de pescador. Não é lenda - assegura.

Não é lenda, repetem a cada esquina moradores que viram o bicho ou simplesmente ouviram falar. Num velho moinho com janelas viradas para os fundos do rio, muita gente assegura ter visto "a jibóia gigante" deslizando pelo Jacuí.

Intrigada, a bióloga Maria Alice Schneider, do município de 15 de Novembro, resolveu ir atrás da Cobra Grande. De tanto ouvir que uma ossada do bicho tinha sido encontrada entre sua cidade e Espumoso, foi conferir. Examinou. Eram ossos de ema. Foram-se as provas científicas...mas a lenda permanece.

Aventura nas corredeiras

O normal é que o barco conduza o navegador, certo? Sim, desde que o barco não encalhe. Aí é o marinheiro que tem de rebocar o barco.

Foi o que aconteceu com os integrantes da Expedição Jacuí na terça-feira. Descobriram da pior maneira que navegar em alguns trechos do Jacuí não é fácil. É o caso da divisa entre Tapera e Espumoso, onde cruzar com barcos maiores é impossível. A quantidade de rochas e seixos forma corredeiras que tornam perigosa a travessia e barreiras de pedra em meio ao rio que facilitam o encalhe de qualquer embarcação.

A saída foi deixar de lado o barco motorizado marajó e usar um bote inflável, a remo, com capacidade para quatro pessoas. É equipamento ideal para travessia em locais rasos e foi emprestado pelo jornalista Marcelo Sperling e pelo comerciário Marciano Santos, naturais de Espumoso e profundos conhecedores das águas da região.

 



A expedição percorreu oito quilômetros desta maneira. De início, fácil, porque era em descida. Bastava usar os remos como leme e controlar a direção. O problema é que cruzamos pelo menos cinco barreiras rochosas, nas quais o bote teimava em encalhar. Um verdadeiro rafting, só que não planejado. Em algumas cascatas, tivemos de descer do barco em meio ao rio e rebocar o bote. Cuidando sempre para não molhar celulares, lentes e máquinas fotográficas.

A paisagem compensa. A mata ciliar, espessa, emoldura todo o trecho do Jacuí que desce em direção à barragem de Passo Real. Garças e gaviões disputam peixes. Aliás, as brancas e lambaris saltam ao entardecer para fora da água, como a se exibir para os pescadores.

Tudo muito bonito se o barco não começasse a murchar. Como estávamos longe da equipe de apoio e no meio do mato, o jeito foi seguir rio abaixo. E o bote esvaziando, minuto a minuto, por algum furo imperceptível. Como estávamos com rádio-comunicador, avisamos os colegas para que nos esperassem com a caminhonete num ponto um pouco antes do previsto. Chegamos ao entardecer. Embarrados, molhados, mas contentes.

Acompanhe a cobertura em Zero Hora

 
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