| 29/03/2008 05h43min
Poucos dias atrás, em meio a uma reunião com o presidente Evo Morales, nos 3,6 mil metros de La Paz, o ex-jogador Diego Maradona bateu duro no suíço Joseph Blatter, o homem que comanda a Fifa. Maradona foi levar solidariedade aos bolivianos, que lutam contra o limite de 2,75 mil metros de altitude para jogos de seleções, mas aproveitou para atacar Blatter - com algum desprezo.
— Ele nunca chutou uma bola na vida.
O ídolo argentino bem que poderia citar outras figuras conhecidas, gente que nunca bateu bola na rua, nunca formou goleiras com pedaços de tijolos ou um par de chinelos, nunca chutou latinha fazendo as vezes de bola, nem machucou o pé. Até porque nunca pertenceram a este esporte popular, o único que, com apenas uma bola, diverte 200 crianças, como define o técnico Luiz Felipe Scolari. É, Maradona poderia pensar em outros, gente que descobriu o filão representado pelo futebol e tratou de assegurar seu controle, como se fosse um clube de amigos. Há muito mais
gente a quem Maradona
poderia dirigir sua crítica irônica.
Ele poderia perguntar por que um jogador com o caráter e a competência de Zico (na foto, instruindo os jogadores do Fenerbahce), nunca ocupou um cargo diretivo na CBF, por exemplo. O futebol pentacampeão sempre reservou papéis secundários a seus ídolos. Alguns chegam a treinadores da Seleção, como está ocorrendo agora com Dunga, mas é o máximo de concessão que o poder estabelecido permite. Dali em diante, é tudo com os cartolas - aqueles que nunca chutaram uma bola, nem mesmo escreveram sobre ela. Na única vez em que foi chamado para um posto executivo, o de coordenador da comissão técnica da Seleção na Copa de 1998, Zico foi tão sabotado que deve estar arrependido até hoje de ter aceito. Basta prestar atenção no que ele diz para ver que ainda hoje não se conforma. Em entrevista a Zero Hora, falou com desprezo sobre a CBF e disse que só pode pensar em voltar à entidade depois de 2015. "Até lá, eles ficam", completou. É sempre assim. Pelé ganhou um
cargo no comitê
organizador da Copa, mas fica longe das decisões executivas. É seu prestígio mundial que importa.
Ainda bem que a Europa (mais uma vez ela) começa a mudar a situação. Depois de assumirem o gerenciamento de clubes importantes, os jogadores agora chegam ao comando. No ano passado, o francês Michel Platini quebrou o poder absoluto do sueco Lennart Johansson e assumiu a presidência da União Européia das Associações de Futebol, quase tão forte quanto a Fifa. Na largada, já deixou claro que vivemos outros tempos. Fez acordo com os representantes dos 14 maiores clubes europeus e convenceu a Fifa a pagar pela cessão de jogadores às seleções que disputam as Copas. Os clubes receberão pelo período em que seus melhores jogadores estiverem nas seleções nacionais. Ou seja: a máquina de ganhar dinheiro das confederações terá de ser socializada. Golaço de Platini e de seus parceiros de empreitada. Espera-se que os clubes brasileiros exijam sua parte.
Um dia, como espera Zico, o
poder dos cartolas
brasileiros também será dividido. Há muitos ex-jogadores que poderiam repetir Platini. É incompreensível que alguém como o ex-lateral Leonardo sirva como dirigente para o Milan, um dos clubes mais poderosos do planeta, e não possa ocupar uma presidência de federação ou confederação no Brasil. Pode, sim, como Zico, Sócrates, Júnior, Falcão e tantos outros.
Quando este dia chegar, Maradona terá de adaptar sua frase. Na presidência estará alguém que um dia chutou uma bola - e com categoria.
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