| 06/09/2010 06h13min
Duas mãos deslizavam de cima a baixo sobre a barriga nua na tentativa de conter o bebê que estava prestes a nascer. Os olhos se mantinham cerrados para ajudar a controlar o choro, engolido com medo e ansiedade.
Depois de o médico anunciar que o nascimento da primeira filha deveria ser induzido em poucas horas, Cláudia Oliboni, 40 anos, parou e silenciou. O corpo tremia, falava involuntariamente porque tinha medo e não queria passar novamente pela possibilidade de dar à luz um filho prematuro. Tentava evitar a lembrança do último ano, quando perdeu um menino na maternidade.
Nem a emoção e a angústia puderam manter a gestação de 29 semanas. A partir de duas palavras do médico, a gravidez descoberta por acaso e aguardada por anos chegava ao fim. Era o início de uma rotina jamais planejada.
— É hoje - avisou o chefe da UTI neonatal.
A alta pressão arterial da mãe, que incentivava a vinda do bebê 11 semanas antes do previsto, a deixou zonza, ruborizada. O estágio de pré-eclâmpsia se aproximava e, para a segurança, a filha precisava vir ao mundo por meio de uma cesariana.
Sozinha na Capital, com o marido pescando no Uruguai, porque não havia planejado a chegada precoce da filha, Cláudia chamou a sogra e uma tia para o hospital. Precisava que alguém autorizasse o parto.
Na sala para dar à luz, a vendedora de roupas evocou Nossa Senhora do Caravaggio uma, duas, três vezes. Queria que a santa colocasse as mãos em seu ventre e retirasse dali uma criança saudável. Às 21h12min de uma quinta-feira, Joana veio ao mundo. Chorou forte, com a força de uma criança que estaria pronta a sair do ventre. Mas nasceu em um corpo de 38 centímetros e 1 quilo e 270 gramas.
A mãe espiou de longe a cabeça da filha coberta por uma penugem, as perninhas avermelhadas, os dedos compridos e magros.
— Oi, meu anjinho. Vamos ser corajosas agora - sussurrou a mãe quando pegou a pequena nos braços pela primeira vez.
Depois de ser beijada, Joana foi levada à triagem — para ter a audição, a visão e os reflexos avaliados - e à incubadora, para manter a temperatura corporal e receber tratamento. Cláudia ficou isolada por 24 horas na sala de recuperação, sem ver a prematura que acabara de nascer. Perguntas iam e vinham: por que as mães vão embora com os bebês e eu não? O que eu fiz de errado para passar por isso?
Após a liberação parcial do médico, a mãe sem respostas descobriu que ficaria internada pouco mais de uma semana para receber tratamento adequado e estabilizar a pressão arterial. A filha não teria data para conhecer a própria casa.
Do médico, ouviu que a filha apresentava apneias (paradas respiratórias), já tinha uma lista de medicamentos e passaria pelo risco de infecções. Com o peito apertado pelas informações, ela se arrastou até a UTI neonatal. Apenas no sábado encontrou Joana, fragilizada. O pequeno rosto era adornado por um cipap nasal, uma espécie de máscara para manter o pulmão aberto. Uma das veias da mão recebia alimentação por meio de um cateter muito fino e o pé era preso por um clipe iluminado. A cena foi vista por mais três ou quatro dias, até o momento em que a mãe foi liberada do hospital e retornou a Farroupilha, na serra gaúcha, para buscar algumas roupas e se preparar para morar durante um tempo indeterminado no hospital, ao lado da filha.
Ao entrar em casa, Cláudia avistou o berço vazio no canto da sala. Fechou a porta e foi tomar banho. Teve certeza de que a vida não seria nada fácil nas próximas semanas.
:: Veja em vídeo entrevista com um pediatra sobre os riscos do nascimento prematuro
Esforço para a saúde da mãe e do filho
Na barriga da mãe, cada dia é um passo para o desenvolvimento. O corpo cresce e engorda, os sistemas nervoso e imunológico se reforçam.
O útero é um ambiente neutro e confortável, que deveria servir de esteio por cerca de 40 semanas. Mas, quando o bebê vem antes do planejado, a vida que seria levada em simbiose com a mãe se transforma em ato de valentia, longe da segurança do ventre materno.
Por ser "apressadinho", o bebê prematuro ainda não está pronto para viver no mundo externo, precisa de cuidados especiais e transforma a vida da família em uma revolução. Tomados pela surpresa, os pais muitas vezes não tiveram tempo para completar o enxoval ou para decidir o nome do pediatra e, quando percebem, estão de frente à incubadora habitada pelo filho.
Baixo peso, pele fina, brilhante e rosada, pouca gordura no corpo e músculos fracos obrigam o pequeno a passar por procedimentos muitas vezes chocantes para a família, como o uso de sondas, cateteres e ventiladores especiais que ajudam na respiração.
— A criança tem grande risco de complicações na saúde porque não está pronta para viver no exterior. A temperatura do corpo não é adequada, e o leite da mãe nem sempre pode ser oferecido, porque o bebê ainda não tem o intestino pronto. Além disso, existem perigos como a hemorragia cerebral, infecções e outras doenças relacionadas à prematuridade — explica o pediatra e neonatologista Ercio Amaro de Oliveira Filho, Chefe da UTI Neonatal do Hospital Mãe de Deus.
Prevenir a chegada de um filho antes do período considerado ideal é tão difícil quanto saber exatamente quando será o nascimento de um bebê de parto normal. Entretanto, alguns fatores aumentam as chances: doenças maternas como a pré-eclampsia e infecções (urinária, do útero, ovular, entre outras), diabetes, doenças renais, gestações gemelares, rompimento da bolsa e falta de pré-natal.
— Quando há problemas e risco para a mãe ou para o bebê, é preciso interromper a gestação. O momento é de angústia, porque os pais não sabem o que irá acontecer - diz o pediatra Renato Soibelmann Procianoy, chefe da UTI Neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Um fator de risco pouco imaginado pelas mães é a cesariana. Em muitos casos, devido ao agendamento do parto e de um pequeno erro de cálculo na semana gestacional, a criança pode nascer antes de 37 semanas de gestação.
— O número de prematuros tardios, aqueles que nascem entre 34 e 37 semanas, tem aumentado muito, principalmente devido às cesarianas — afirma Procianoy.
MEU FILHO
Joana nasceu com 29 semanas e pouco mais de um quilo em um parto precipitado devido à saúde da mãe
Foto:
Daniel Marenco
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