| 19/08/2002 15h18min
O candidato a presidente pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, falou à imprensa após o encontro com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Durante o seu pronunciamento, Lula leu um documento que entregou a FH antes da conversa. No texto, ele recordou encontros passados e mostrou preocupação com a crise cambial, mas não mencionou o acordo entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Lula afirmou que a medida "não surtiu mudanças significativas". Para ele, é necessário que se desencadeie uma ampla articulação internacional junto ao Banco Central dos Estados Unidos e o Banco Central Europeu.
– Nossas vias de crédito de curto prazo nunca foram tão atingidas – disse o candidato.
No documento de quatro páginas, Lula afirmou que fará o que for necessário para o país sair da crise, apontada como conseüência do esgotamento do atual modelo econômico. Além disso, ele pediu uma mobilização das embaixadas para incentivar as exportações, tambem articulando junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) ações contra o "protecionismo injustificado que prejudica venda de nossos produtos, como suco de laranja, açúcar, soja, entre outros".
– Precisamos avançar na formação de acordos bilaterais e as linhas de crédito para financiar o exportador devem ser liberadas imediatamente –ressaltou Lula.
O político ainda defendeu a instalação de câmaras setoriais e a construção de novas plataformas da Petrobras. Lula ainda criticou a falta de crescimento sustentável do país, pedindo que o país não fique "acomodado".
Leia a íntegra do documento:
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso
Convidado por Vossa Excelência para uma conversa sobre a instabilidade econômica pela qual passa o Brasil, não poderia furtar-me a aceitar o seu chamado. Como já havíamos expresso na "Carta ao Povo Brasileiro", em 22 de junho passado, ocasião em que firmamos o compromisso de honrar contratos e controlar a inflação, com o rigor fiscal necessário, estamos conscientes da gravidade da situação e dispostos a dialogar com todos os segmentos da sociedade de modo a evitar que ela traga mais aflição ao povo brasileiro.
Apesar de preocupados com as dificuldades que a nosso ver decorrem do esgotamento do atual modelo econômico, estamos seguros de que o Brasil possui todas as condições para superar este quadro e rumar, em paz, para um futuro de crescimento e inclusão social. Nosso país é grande, conta com inúmeros recursos, instituições estáveis e, sobretudo, tem uma população disposta a enfrentar os problemas do momento com esperança e energia.
Ao lançarmos nosso Programa de Governo, aqui em Brasília há um mês, insistimos em que o país não deveria acovardar-se. Precisamos vencer a crise atacando as suas causas, entre elas a falta de crescimento sustentado e os juros altos. Quero reiterar a Vossa Excelência, com franqueza, o que afirmamos naquele dia: se vencermos as eleições, começaremos a mudar a política econômica desde o primeiro dia.
Tal compromisso é sagrado. No entanto, diante das turbulências financeiras das últimas semanas, torna-se necessário agir de imediato. Não é possível esperar até que o próximo presidente tome posse, em primeiro de janeiro de 2003, sob pena de vermos ampliadas a inadimplência das empresas brasileiras, o desemprego e a recessão. Em particular, torna-se prioritário impedir que as nossas reservas cambiais estratégicas sejam consumidas, na medida em que o novo acordo com o FMI não prevê, no curto prazo, aporte financeiro significativo. Sabe Vossa Excelência que isso constrangeria perigosamente a gestão futura da economia.
Oferecemos, a seguir, algumas sugestões, que acreditamos possam ajudar o país a sair da crise, conscientes de que a exclusiva responsabilidade pela política econômica é do governo de Vossa Excelência até o final do ano.
Em primeiro lugar, é necessário reabrir as linhas de financiamento para as empresas endividadas em dólar e para o comércio exterior brasileiro. Nas últimas semanas, assistimos ao rebaixamento do país pelas agências de risco e, apesar do anunciado acordo com o FMI, que deverá ser submetido ao Senado, não se viu mudança significativa na disposição do sistema financeiro internacional quanto ao crédito para o Brasil.
Sugerimos que o governo brasileiro desencadeie uma ampla articulação internacional para restabelecer as linhas de financiamento ao país, com uma ofensiva dirigida ao Banco Central dos EUA e ao Banco Central Europeu, bem como aos grandes bancos privados internacionais. Nem mesmo na grave crise cambial dos anos 80, as nossas linhas de crédito de curto prazo foram atingidas como ocorre neste momento.
Sendo o Brasil um país forte, disposto a honrar seus compromissos como tem feito e não deixará de fazer, não há nenhum motivo econômico substantivo para que as nossas linhas de crédito permaneçam retraídas.
Em segundo lugar, é preciso gerar um elevado superávit comercial, fundado no aumento expressivo das exportações, de modo a diminuir a vulnerabilidade do país com relação à volátil liqüidez internacional. Isso requer, de imediato, uma ampla ofensiva diplomática, que mobilize todas as embaixadas e consulados brasileiros para apoiar o esforço exportador do Brasil.
Exige, além do mais, uma ação decidida nas frentes de negociação internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, contra o protecionismo injustificado e os subsídios indevidos dos países ricos que prejudicam as vendas de nossos produtos, como o suco de laranja, o açúcar, a soja e o aço, entre outros. Igualmente relevante é avançar na formalização de acordos bilaterais que ampliem as nossas possibilidades de comércio internacional.
É fundamental, também, que as linhas de crédito dirigidas ao setor exportador, já anunciadas pelo governo, sejam imediatamente disponibilizadas.
Sabemos que a elevação do dólar vai criar dificuldades para as empresas que importam matérias-primas e componentes, pressionando os preços internos. O governo deveria instalar, imediatamente, câmaras setoriais com a participação de entidades empresariais e de trabalhadores para iniciar um programa especial voltado a melhorar a nossa pauta de exportação e promover um criterioso processo de substituição competitiva de importações.
Ainda com o objetivo de proteger as nossas contas externas, sugerimos que o governo atue de modo a garantir que a construção das três novas plataformas para a Petrobras seja feita no Brasil. Tal resolução contribuiria, além do mais, para a geração de empregos e para a reativação da economia.
Queremos pedir a atenção de Vossa Excelência, na mesma linha de preocupação, para que a compra dos aviões requeridos pela FAB destinados a substituir os atuais Mirage, leve em consideração os interesses nacionais de consolidação de uma indústria aeronáutica mundialmente competitiva e de transferência de tecnologia. Com esse intuito, seria conveniente que a decisão fosse tomada sem precipitação, dada a complexidade do assunto.
Em terceiro lugar, gostaríamos de indicar a necessidade de medidas imediatas para reativar a indústria, cuja capacidade ociosa, segundo a Fundação Getúlio Vargas, é hoje, em média, de 20,4%. Para incentivar a indústria, além da redução progressiva e sustentada da taxa de juros, deveriam ser implementados acordos setoriais emergenciais, em particular nos segmentos que têm grande impacto na cadeia produtiva e que são intensivos no uso de mão-de-obra.
Propomos ainda a implantação do projeto de renovação da frota nacional, que pode ajudar o setor automobilístico a vencer a falta de demanda que lota o pátio das montadoras e ameaça o emprego dos trabalhadores. Vinculado a uma revalorização do carro a álcool, tal projeto pode ser, além do mais, um importante incentivo ao setor sucro-alcooleiro.
Para dinamizar o setor produtivo, devemos aprovar no Congresso Nacional, o mais rápido possível, o projeto de lei 6665/02, que elimina parcialmente a cumulatividade das contribuições sociais. O mesmo projeto prevê garantias para a desoneração do PIS e da Cofins no que diz respeito aos produtos de exportação.
Se o fim da cumulatividade não trouxer dificuldades para a receita pública, estará aberto o caminho para realizarmos, no ano que vem, uma reforma tributária ampla. Por fim, Senhor Presidente, acreditamos serem necessárias ações rápidas para proteger e incentivar as pequenas e médias empresas, bem como para defender a economia popular. A população pobre vê com angústia o aumento do desemprego e a possibilidade de que os preços subam.
O governo, com dinheiro do FAT e do BNDES, poderia aportar um razoável volume de recursos para oferecer crédito subsidiado às microempresas, à economia informal e às pessoas que querem empreender. O crédito, a ser concedido por meio da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, estimularia a regularização do mercado informal, ampliando, assim, o emprego com registro e a arrecadação previdenciária. Uma poderosa rede de microcrédito pode ser um forte incentivo ao crescimento econômico, ajudando a reverter a tendência de fraco desempenho do PIB neste ano.
O governo deve assegurar que não haja abuso nos preços de produtos de consumo de massa. Além do gás de cozinha, o pão e os alimentos essenciais devem ser protegidos. Seria oportuna, também, a expansão do seguro-desemprego frente à possibilidade de aprofundamento do quadro recessivo.
Como já afirmamos em outras oportunidades, estamos dispostos a fazer o que for necessário para ajudar o Brasil a sair da crise. Sem abrirmos mão de nossos princípios, saberemos sempre colocar os interesses maiores do país acima de quaisquer outros. Esperamos, por isso, que as propostas que ora lhe encaminhamos sejam acolhidas com o mesmo espírito aberto e franco com o qual nos apresentamos hoje perante Vossa Excelência.
Aproveitamos a oportunidade para transmitir-lhe nossos votos de estima e consideração, Luiz Inácio Lula da Silva
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