A efetiva democratização do ensino em nosso país é um desafio que está longe de ser concretizado. Na 2ª metade do século XX, a expansão de vagas pareceu se constituir como uma resposta à tradição elitista, que sempre marcou a história da educação. Porém, a garantia de acesso à escola não representou, na mesma medida, a qualidade da educação. Entrar na escola e nela permanecer não necessariamente garantem o acesso ao conhecimento nem melhores oportunidades de vida e de trabalho para grande parte da população. Ao resolver o problema quantitativo (vagas para todos), a escola se deparou com outros desafios que ainda hoje estão longe de serem resolvidos: o ajustamento do projeto pedagógico para as diferentes camadas da população, o atendimento à diversidade dos alunos, a organização da vida escolar, a criação de infra estrutura adequada para o ensino, a revisão de conteúdos e de metodologias e o apoio ao professor no âmbito da própria escola.
Além disso, a expansão do ensino trouxe a necessidade de um enorme contingente de professores, fazendo proliferar cursos de formação docente que nem sempre preparam o professor para a realidade do exercício profissional.
Por sua vez, os docentes em exercício, lidando com condições adversas e com políticas desarticuladas de formação continuada, vivem um verdadeiro processo de proletarização, que não só os afasta da cultura acadêmica, como também explica a sua desvalorização social.
Em síntese, o sucesso da educação depende não só do acesso à escola, mas também da promoção do ensino de qualidade, o que só é possível pela melhora das condições sociais, investimento na educação, valorização da docência, qualificação dos professores, modernização das escolas e de todo o aparato relacionado ao ensino tais como bibliotecas, laboratórios e material didático.
O fracasso escolar brasileiro, evidente nos casos de evasão, repetência e problemas de aprendizagem, pode ser explicado por fatores pedagógicos, escolares e socioculturais.
No que diz respeito ao primeiro, importa denunciar a inadequação dos métodos pedagógicos, muitas vezes centrados em procedimentos pouco significativos, artificiais e mecânicos. Quando o aluno não entende a razão de aprender, quando as práticas de ensino deixam em um segundo plano a curiosidade, os procedimentos de reflexão e pesquisa, o desinteresse, a apatia e a indisciplina acabam por prevalecer. A esse problema, podemos somar as difíceis relações entre professores e alunos ou entre os próprios estudantes pois, infelizmente, a educação em valores e a formação ética ainda estão longe de serem consideradas como objetos de ensino e de aprendizagem. Muitas escolas continuam sendo instituições de ensino mais do que espaços de formação humana. Daí o seu caráter prioritariamente "conteudista".
Por fatores escolares, entendemos as condições de ensino e aprendizagem que tantas vezes contribuem para o fracasso da educação: classes numerosas, material inadequado, problemas de infra estrutura, falta de apoio ao professor etc.
Seria, contudo, uma ingenuidade creditar os problemas de aprendizagem (e particularmente a defasagem entre idade e ano escolar) apenas aos fatores intraescolares. Como um processo complexo, o sucesso da educação depende também dos fatores socioculturais. Isso significa que o sucesso da intervenção escolar vincula-se à justiça social, qualidade de vida e democratização dos bens culturais.
É muito comum no cenário da educação a gente se deparar com a oposição (eventualmente até conflito) entre as famílias e as escolas. Trata-se de um jogo de forças no qual pais e professores colocam-se em lados contrários, como se, de fato, eles não fizessem parte do mesmo time, isto é, com o mesmo propósito de educar crianças e jovens, garantido-lhes melhores condições de vida.
Na perspectiva dos pais, muitos não têm clareza desses objetivos comuns e por isso pouco compreendem sobre a possibilidade de parceria com os educadores. Afinal, a escola ainda se configura para eles como a instituição elitizada, povoada por intelectuais e especialistas cujo trabalho pouco poderia se beneficiar pela participação de "leigos". Na prática, isso aparece, por exemplo, na situação de uma mãe que não participa das reuniões da escola porque tem medo de não entender o discurso dos professores ou porque tem vergonha de falar com eles.
No extremo oposto, há famílias que, incorporando o discurso social de desprestígio da escola, temem pela segurança de seus filhos nas imediações da escola, criticam a falta de qualidade do ensino, culpam os professores pelos maus resultados da aprendizagem, mas pouco se dispõem a mudar essa realidade.
Entre esses dois grupos, encontramos também famílias que anseiam pela proximidade com a escola, mas não encontram abertos os canais para um efetivo diálogo. Isso nos remete à perspectiva dos educadores que, muitas vezes, limitam essa possibilidade de cooperação ao mesmo tempo em que situam na família (suas supostas carências e desestruturação) as causas para as dificuldades da aprendizagem e inadequação de comportamentos dos alunos.
Nesse jogo de culpas, medos e atribuição de responsabilidades, pais e famílias perpetuam a segmentação entre os ambientes doméstico e escolar. Para o senso comum, quando a mãe é chamada pela escola, só pode ser para ouvir reclamação de seu filho. Que outra razão haveria para essa aproximação?
Contrariando essa lógica, as pesquisas sobre a aproximação entre famílias e escola, realizadas em diferentes países, evidenciam o quanto a parceria entre ambas pode ser decisiva para o desempenho escolar. Isso porque, por um lado, compreender a especificidade cultural e os valores da comunidade permite estabelecer metas, definir prioridades e estratégias em prol de projeto educativo eficiente e significativo. Por outro lado, ao compartilhar responsabilidades, famílias e escolas encontram caminhos para fortalecer o projeto educativo. No plano prático, os pais podem colaborar criando a infraestrutura para o melhor aproveitamento da vida escolar (transporte, organização do material, apoio às atividades, partilha em linhas de conduta etc.). No plano psicológico, o desempenho acadêmico de crianças e jovens tende a melhorar quando eles percebem que a vida estudantil é valorizada e que entre a sua família e os seus professores, há uma relação de confiança, respeito e cooperação.
O fato de a maioria dos estudantes evitar a profissão docente é um forte indicador do quadro de desvalorização dos professores e do desprestígio da docência. Desprestígio que se explica não só pela relação desproporcional entre as muitas responsabilidades assumidas em face das precárias condições de trabalho, como também pela baixa remuneração. De fato, considerando que a maior parte dos professores recebe apenas 60% do salário medio de outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade, é possível compreender porque essa profissão parece tão pouco atraente aos olhos dos jovens.
Como etapa final da educação básica, as defasagens de conteúdo no Ensino Médio refletem as falhas de um longo percurso de problemas de ensino. No que diz respeito à matemática, dois aspectos merecem especial destaque. Em primeiro lugar é preciso registrar que, seguindo uma tradição mecanicista, a matemática costuma aparecer distante da realidade dos alunos. O aluno não consegue perceber que a matemática entra na escola porque ela está na vida. Aprender a tabuada, por exemplo, configura-se, na maior parte das escolas, como um enfadonho exercício de memorização que instaura já na base desse campo de conhecimento representações contrárias a qualquer tipo de desafio, ao gosto de enfrentar problemas e à habilidade para lidar com dilemas e impasses, buscando alternativas de solução. Em outras palavras, muito cedo as crianças aprendem que "matemática é difícil", "matemática é uma tarefa mecânica e repetitiva", "matemática é a resposta correta ao final do exercício não importando o processo de reflexão". Esse é apenas o começo de uma bola de neve que vai engrossando as dificuldades no ensino de matemática. Se, como um mecanismo de resistência, o aluno se recusa a compreender/deduzir/aprender/refletir sobre a tabuada, dificilmente ele chega à compreensão de um problema de trigonometria. Entre a tabuada e a trigonometria, o que fica é apenas a certeza de um conhecimento difícil e até impossível.
Em segundo lugar, vale registrar a carência de bons professores de matemática (e áreas afins, como é o caso da física). Isso porque, pela sua formação técnica, esses profissionais são facilmente desviados para outras ocupações com mais status social e melhor remuneradas, em geral no mercado financeiro.
É difícil admitir que a escola não garante a promessa básica de promover a aprendizagem. Isso ocorre por uma conjuntura de fatores entre os quais é possível mencionar: a burocratização das escolas, as precárias condições de trabalho do professor, a falta de apoio para a docência, a inadequação do material pedagógico, a desvalorização do saber como um bem necessário e desejável, a inconsistência dos métodos de ensino, a desconsideração do perfil sociocultural do aluno, as práticas excludentes no âmbito da escola, o despreparo dos professores, a desvalorização da carreira docente, a elitização dos bens culturais, a distância entre as instituições de produção do saber e as do ensino, a falta de segurança nas escolas, o predomínio de um ensino "conteudista" que desconsidera a formação humana em uma perspectiva mais ampla, a precariedade da infra estrutura das instituições de ensino, as mazelas e descontinuidades das políticas educacionais.
Em resumo, é possível afirmar que a maioria dos alunos do Ensino Fundamental não aprendem o mínimo necessário porque a educação de qualidade, como um direito a todos, não é (ainda) a realidade do país.
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