Decorar fórmulas e datas faz parte do passado da educação. Mais do que memorizar, hoje é fundamental estimular o pensamento inovador. Ronaldo Mota, que já teve passagem pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), hoje ocupa a cátedra Anísio Teixeira, no Instituto de Educação da Universidade de Londres.
Seu trabalho na Inglaterra passa justamente por pensar saltos qualitativos na educação, experiência que traz na bagagem desde que foi secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI. De Londres, o professor aposentado da Universidade Federal de Santa Maria falou sobre qualidades, oportunidades e desafios do ensino. Mota é físico, e foi secretário nacional de Educação à Distância do Ministério da Educação (MEC).
Que medidas devem ser tomadas na educação básica para que aumente a porcentagem de universitários do Brasil?
Ronaldo Mota - Inovação é a palavra-chave para um desenvolvimento social e econômico sustentável. Não há país que possa competir em inovação sem ter uma educação de qualidade e acessível. Assim temos, além do problema da qualidade, o fato de somente 3% da população estarem cursando ensino superior. Talvez sejam esses os dois grandes sérios indicadores negativos de nossas limitações, mas são ambos superáveis. A boa notícia é que estamos crescendo esse percentual, mas precisamos crescer muito mais rápido e ganhando qualidade.
As escolas daqui já sabem o que é inovar?
Mota - A maioria das escolas infelizmente não sabe o que é inovação. Pensam que é modernizar comprando equipamentos. Inovação hoje é o motor que gera conhecimento, que ajuda a moldar os programas de pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Entre elas, aptidão desenvolvida para aprendizagem independente, espírito empreendedor e capacidade de iniciativa, aprender a trabalhar em equipe e com visão solidária, não ter medo de novas tecnologias e gosto por enfrentar desafios e imprevistos, saber falar e ouvir sem preconceitos e com espírito de tolerância desenvolvida e, por fim, mas não menos importante, extrema paixão pela cultura, especialmente pelas artes, e pelos esportes. Enfim, atributos essenciais que normalmente são subestimados, quando não reprimidos, pelas escolas.
O intercâmbio entre instituições, comum nas universidades, é uma iniciativa que poderia ser aplicada aos professores e educadores dos ensinos Fundamental e Médio?
Mota - Há coisas que se aprende quando no ensino superior, outras não serão nunca despertadas se não forem devidamente estimuladas na educação básica. Preparar pessoas com vocação para inovação vem da formação básica, seja na escola diretamente, no ambiente familiar ou mesmo nas ruas.
Os altos investimentos em educação superior e em pós-graduação tem os resultados esperados nas instâncias anteriores de ensino? Existem muros a serem derrubados entre universidades, escolas e sociedade?
Mota - O Brasil em termos de qualidade é uma pirâmide de cabeça para baixo, sendo a melhor qualidade na pós-graduação e a pior nos níveis na educação básica. Este modelo não tem futuro e carece de sustentabilidade, inclusive para a pós-graduação. Temporariamente pode até iludir, mas não há consistência.
Muito se fala sobre o que o Brasil tem a aprender com outras nações. Nós já temos algo a ensinar? O que? A quem?
Mota - No mundo globalizado, todos aprendem e todos ensinam. Da mesma forma, temos a opção de não aprender nunca. Na produção de alimentos e no combate à pobreza extrema, estamos ensinando o mundo como fazer. Na produção industrial clássica, bem como na educação em geral, com as honrosas exceções de praxe, nos recusamos a aprender.
Quais as principais diferenças que o senhor notou entre o ensino no Brasil e na Inglaterra? Em quais desses pontos o Brasil está melhor e em quais está pior?
Mota - A Inglaterra tem um passado que conta a seu favor e o Brasil tem um futuro que ajuda muito. Nesse sentido, eles são os opostos. O presente deles é turbinado pelo que o passado representa. Nós temos um presente que o melhor argumento é o que podemos ser no futuro. Essa diferença conta a nosso favor se soubermos nos comportar em educação e inovação.
A produção e a inovação de tecnologias móveis, de certa maneira já presente no Brasil, pode refletir positivamente nas práticas de ensino? De que maneira?
Mota - Entendendo que os mais jovens já adotaram uma nova linguagem, incorporando plenamente as tecnologias digitais, enquanto o ambiente escolar, incluindo os professores e dirigentes educacionais, ainda não cruzaram o século passado. Temos que enxergar os professores como designers de programas e objetos de aprendizagem, capazes de fazer pleno uso das novas tecnologias para ensinar melhor e aprender sempre, sem receio de errar e dispostos a enfrentar desafios. Hoje nossos professores não têm esse estímulo e nem a formação adequada. Quando muito eles têm as máquinas e alguns instrumentos, os quais sozinhos, sem a adequada formação dos professores, são nada.
O Ensino a Distância (EAD) pode ser uma ferramenta de ensino auxiliar para a educação nos níveis fundamentais e médio?
Mota - Claro que sim. Não me agrada a separação abrupta usual que o país adotou entre modalidades presencial e a distância. O mundo contemporâneo caminha em direção a uma educação flexível, incorporando as boas contribuições dos ensinos presencial e a distância e estimulando nossos estudantes a estudarem antes das aulas, tornando-as muito mais dinâmicas, prazerosas e eficientes. Simples: disponibilizar os conteúdos antes, criar ambientes virtuais interativos nos cursos e estudar antes das aulas. Sabemos o quão difícil é mudar uma cultura, mas sem mudanças não há inovação.
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