As tecnologias móveis estão na pauta do ensino atual. Sua portabilidade e conectividade são fatores que podem mudar a relação de professores e alunos com o ensino. María Teresa Lugo, coordenadora de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) do Instituto Internacional de Planejamento da Educação (IIPE), foi uma das responsáveis por um estudo que mapeou o uso de smartphones em projetos educativos na América Latina.
Promovido pela Unesco, o Turning on Mobile Learning faz parte de uma inciativa da entidade, que busca mapear e analisar o ensino móvel em todos os continentes. Entretanto, são muitos os desafios para usar mais e melhor uma tecnologia que pode transformar a educação de crianças e jovens de todo o mundo. Na entrevista a seguir, a especialista fala sobre os principais problemas e desafios dos usos de tecnologias móveis para o ensino.
O uso ainda limitado de tecnologias móveis para o ensino na América Latina foi uma surpresa?
María Teresa Lugo - Não poderia falar em surpresa. Fazendo um panorama da região, fica evidente que o modelo 1:1 [em que cada aluno recebe um computador] foi adotado por diferentes governos da América Latina em nível federal, estadual e municipal. Em 2010 havia pelo menos 17 países da América Latina com programas 1:1, com o objetivo de entregar um total de 7,5 millhões de netbooks aos estudantes em 2012. De fato, só o Uruguai universalizou todos seus níveis educacionais. No caso da Argentina, estão se articulando políticas em âmbito nacional e estadual para aumentar a cobertura [da educação], ainda que não chegue a 100%. A região se encontra, em primeiro lugar, impactada pelos modelos 1:1, não havendo ainda espaço para políticas públicas massivas de incorporação de celulares e tablets.
O Ministério da Educação do Brasil foi uma da instituições que não respondeu o questionário da pesquisa. Isso é resultado de uma falta de interesse do governo federal?
María Teresa - Pode ser apressado definir como desinteresse. Os recursos destinados para a implementação do sistema 1:1 não deixam espaço suficiente na agenda política das TIC na educação para iniciativas oficiais de aprendizagem em um futuro próximo. Outra questão importante é o custo elevado dos tablets, por exemplo. Entretanto, considero que essa tendência pode ir se modificando em função de outros fatores, como as vantagens de sua portabilidade, a possibilidade de interação tátil e baterias com maior duração, a familiaridade de uso, dentre outras questões.
Mesmo que as restrições ao uso de dispositivos móveis tenha diminuído, elas ainda não sumiram por completo. Por que existe essa resistência?
María Teresa - A existência de normas que restrinjam o uso destes dispositivos em sala de aula se relaciona com a definição de rupturas para o ensino e aprendizagem. Em muitos casos fica evidente que as autoridades educativas locais estabeleceram normas estritas de proibição do uso de telefones móveis em estabelecimentos educativos. Não tenho dúvidas de que diante da proliferação do uso de dispositivos móveis, é necessário reformar essas normas restritivas. Para levar adiante esse processo temos que reconhecer que há educadores que não estão nem um pouco convencidos de uma mudança nesse sentido. Por isso temos que fortalecer as políticas de formação docente e o desenvolvimento profissional para o uso pedagógico das tecnologias móveis.
Existe uma idade ideal para se começar a usar tablets e smartphones no ensino?
María Teresa - Existem indícios de que os tablets funcionam bem em níveis iniciais de ensino devido à sua portabilidade e familiaridade de uso. Eles também oferecem uma experiência rica e nova para os estudantes no momento de acessar os conteúdos escolares. Ainda que sua conectividade favoreça a colaboração e a interação em aula, sua familiaridade faria com que uma capacitação prévia não fosse imprescindível, dado seu manejo mais intuitivo e tátil. É assim que um dispositivo que já se utiliza cotidianamente será mais fácil de ser incorporado do que um que não é familiar às pessoas.
Disponibilizar computadores individuais para alunos é positivo, porém o uso compartilhado tem a vantagem de promover o diálogo entre colegas. De que maneira projetos 1:1 podem resolver esse problema?
María Teresa - Um modelo pedagógico que integre tecnologias deve pensar além de um artefato particular, e enquadrar essa questão dentro de uma ecologia de dispositivos. É inviável e até mesmo pouco desejável imaginar sistemas educativos descartando artefatos ao mesmo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, o modelo 1:1 trouxe a noção de que é determinante que cada estudante conte com um dispositivo digital em aula para a construção de conhecimento. Entretanto, isso pôs em evidência duas questões. Em primeiro lugar, esse dispositivo não precisa ser necessariamente o que conhecemos como um PC, seja de escritório ou portátil. Em segundo lugar, que não se pode optar por um modelo generalizante, e seguem alternando entre o uso dos dispositivos digitais, de outras tecnologias e com outras atividades que integram colaboração e interação.
Novos smartphones são lançados frequentemente, gerando preocupações ambientais. A reciclagem e a destinação correta de dispositivos antigos deve ser uma preocupação do ensino móvel?
María Teresa - Certamente, mas além das potencialidades educativas a se considerar no momento de optar por um ou outro dispositivo tecnológico, sua legitimidade seria questionada pelos milhares de toneladas de resíduos que a região não está preparada para absorver adequadamente. Diversos estudos indicam que o rápido incremento da venda de equipamentos gera mais resíduos eletrônicos. Dada a escassez de políticas de reciclagem ou tratamento na América Latina, a acumulação de resíduos eletrônicos na região poderia chegar a níveis críticos nos próximos anos. É essencial que os governos comecem a criar soluções para este problema e desenvolvam políticas de integração das TICs que levem em consideração uma adequada disposição dos dejetos.
Quais os principais desafios para que a América Latina coloque em prática um ensino móvel de qualidade?
María Teresa - 1) Direcionar as políticas tecnológicas com as necessidades educativas da região. A questão gira em torno do problema de desigualdade social e do acesso à educação. Assim, a integração das TICs deve fazer parte das políticas públicas dirigidas para garantir o direito à educação de todos os cidadãos. Entretanto, a América Latina enfrenta muitos desafios educativos: alfabetização de adultos, altas taxas de abandono, educação deficiente e dificuldades de acesso e permanência na educação formal.
2) Repensar a função dos portais educativos existentes. Um desafio que os portais educativos encontram atualmente é produzir e disseminar conteúdos que sejam acessíveis de todo o tipo de dispositivos, e que sejam cada vez mais situados, abertos e interativos. Vários países da região tem desenvolvido portais educativos de alta qualidade e grandes bibliotecas de conteúdos digitais para educadores e estudantes. Esses portais podem ser utilizados para estimular e fortalecer a aprendizagem, permitindo o acesso a conteúdos através de vários tipos de dispositivos, incluindo os telefones comuns ou 2G. As características técnicas dos tablets e dos smartphones facilitam a distribuição e o consumo de conteúdos educativos.
3) Considerar os custos de mantimento a longo prazo. Nas tomadas de decisão sobre os dispositivos que ponham em jogo as políticas TIC em educação, é importante calcular e considerar os custos totais estimados para sua implementação e manutenção, não apenas o custo inicial mais baixo. Um estudo de 2008 da Vital Wave Consulting Group sobre projetos de uso de netbooks em países em desenvolvimento assinalou que os custos iniciais dos projetos representam um quarto dos gastos totais, enquanto os custos operativos - apoio, capacitação, conectividade, eletricidade, assinaturas e conteúdos digitais - representam 61%. No caso dos tablets, deveríamos considerar essa variável, já que o custos destes dispositivos é mais alto que o de netbooks, e sua fragilidade é maior.
4) Criar diferentes modelos de cooperação entre setor público e privado. Não é óbvio destacar o papel fundamental da cooperação público-privada para executar esse tipo de iniciativas. Nem o professor nem a escola podem realizar sozinhos esses movimentos de fundo. O trabalho convergente de diferentes áreas do governo superando um enfoque setorial parece ser o ponto de apoio para concretizar e garantir melhores resultados.
5) A falta de cobertura. Um ponto que deve ser atendido e que gostaria de destacar está relacionado ao desenvolvimento tecnológico na região. A disponibilidade de tecnologias 3G e 4G na América Latina é limitada, concentrando-se principalmente nas grandes cidades. A falta de cobertura supõe uma séria limitação para programas de aprendizagem móvel que utilizem telefones inteligentes ou que necessitem de conexão de alta velocidade.
Grupo RBS Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2012 clicRBS.com.br Todos os direitos reservados.