Vestibular | 08/04/2014 02h01min
Nem sempre é necessário cruzar oceanos ou mudar de hemisfério para fazer um bom intercâmbio. Às vezes, não é preciso sequer sair do Pampa para ter uma experiência acadêmica no Exterior.
De acordo com a Secretaria de Relações Internacionais (Relinter) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 20 alunos da universidade foram estudar em países sul-americanos — 18 apenas na Argentina — no ano passado, principalmente acadêmicos das ciências humanas.
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— Boa parte dos intercambistas na América do Sul é de cursos de humanas, como História, Sociologia e Ciências Políticas. Temos professores argentinos nessas faculdades, e isso pode ser uma influência. Nas exatas, se destacam as engenharias — explica o secretário de Relações Internacionais, Nicolas Maillard.
Formado em História em dezembro do ano passado, Bruno Félix Segatto, 22 anos, cursou um semestre na Universidad Nacional del Litoral (UNL), em Santa Fé, Argentina. Afora o benefício acadêmico — ele hoje faz mestrado sobre a história política argentina e a guerra com o Paraguai —, Bruno destaca as facilidades econômicas.
— Além de enriquecer minha formação com a história de outro país, com diferentes visões e perspectivas, defini os temas de pesquisa do meu projeto de mestrado, que estou iniciando agora. Também pude estabelecer uma rede de amizades que me permitem viajar por várias regiões do país sem ter que gastar com hospedagem. Na época, o câmbio era de mais de dois por um, ou seja, o Real valia bastante, o que deixou a viagem bem mais em conta.
Normalmente, os intercâmbios dos convênios da UFRGS duram de três a seis meses. Antes mesmo de os alunos embarcarem, monta-se um plano de estudos, em que são selecionadas quatro ou cinco disciplinas que serão cursadas no Exterior. Aluno de Geografia na UFRGS, César Berzagui, 23 anos, esteve no Uruguai em 2013, onde passou o primeiro semestre na Universidad de la Republica (Udelar), em Montevidéu. Prestes a se formar, ele precisou readequar o planejamento acadêmico.
— Tive de modificar o meu plano de estudos original, porque algumas cadeiras só eram realizadas uma vez ao ano e não estavam mais disponíveis quando cheguei. Como já estou no final do curso, não poderia aproveitar aqui as cadeiras mais genéricas. Os professores e os coordenadores foram bastante atenciosos e, por fim, consegui recomendações deles para cursar algumas disciplinas em outras faculdades de lá.
Pesquisar é fundamental
Pensar na Europa costuma ser o primeiro impulso de quem quer fazer um intercâmbio. Mas, depois de saber um pouco mais a respeito das possibilidades em países vizinhos, o leque se amplia. Foi o que ocorreu com a aluna de Arquitetura Juliana Manfroi de Azevedo Iurinic da Costa, 24 anos, após uma viagem de estudos a Montevidéu.
— Os primeiros destinos que me vinham à cabeça eram Itália ou Espanha, pois existem bons convênios para o curso de Arquitetura entre a UFRGS e algumas faculdades desses países. Na América Latina, considerava a Argentina. O Uruguai se tornou minha primeira opção apenas após uma viagem com uma disciplina da faculdade em 2012. Visitamos a Udelar e fomos recebidos por um professor, que fez uma apresentação sobre a história da faculdade e sobre evolução urbana de Montevidéu. Também visitamos uma cooperativa de vivienda (sistema de moradia social aplicado na cidade desde meados dos anos 1960) e passamos por vários pontos turísticos importantes. Me apaixonei pela faculdade de lá e pela cidade. O curso da Udelar é muito conceituado na América Latina, e os espaços de trabalho e estudo oferecidos pela faculdade são ótimos.
Falar é uma coisa, estudar é outra
Juliana pensou em viajar para a Europa, mas preferiu estudar em Montevidéu após conhecer a cidade
O idioma se assemelha ao português, mas mesmo quem já conhecia o espanhol antes de um intercâmbio na América do Sul pode ter alguns desafios a superar. Juliana garante que já se comunicava bem na língua antes de ir para o Uruguai, mas estudar em espanhol pode ser mais desgastante.
— Tive dificuldade apenas em uma cadeira que apresentava uma linguagem técnica mais específica. Os termos em espanhol eram muito diferentes dos usados em português, o que me deixou um pouco lenta e confusa no princípio. De resto, foi ótimo, em geral as pessoas se espantavam quando eu dizia que era brasileira. Pelo meu sotaque, pensavam que eu era de outro país com o espanhol como língua mãe ou da fronteira com o Brasil.
César reforça que é mais complexo viver o cotidiano em um idioma diferente, especialmente quando estudar é uma necessidade.
— A comunicação dentro da sala de aula com os colegas e os professores é diferente, as expressões idiomáticas são muitas, e só se aprende vivenciando. E a linguagem técnica é um problema maior ainda, pois envolve tradição acadêmica. Então, muitas vezes, acaba-se usando alguma expressão que parece uma tradução óbvia, mas ninguém te entende ou te olham esquisito. Porém, isso são coisas que, se os professores de lá te permitem falar e escrever, são boas que aconteçam, porque esse ajuste linguístico só se aprende usando o idioma. Isso também previne de, por exemplo, mandar um artigo com termos incorretos para uma banca em um congresso internacional.
Na Argentina, Bruno também passou por alguns perrengues.
— Já sabia bastante de espanhol, pois havia feito cursos e lia livros desde que ingressei na UFRGS. No entanto, tive que aprender a falar o espanhol rio-platense, principalmente a conjugar o "vos", substituto do "tu" falado na Espanha. A principal dificuldade era nos seminários, quando os colegas de aula falavam muito rápido, baixo ou com sotaques e gírias específicas do interior da província.
Gaúcho com e sem acento
Proximidades históricas e geográficas entre o Rio Grande do Sul, o Uruguai e a Argentina favorecem a criação de hábitos semelhantes entre gaúchos com e sem acento.
— São regiões que constituem uma área de formação sócio-histórica parecida, nas quais predominavam a pecuária extensiva, a presença da figura do gaúcho e que estiveram envolvidas nos inúmeros conflitos platinos que marcaram as décadas posteriores às independências de Espanha e Portugal. Atualmente, o hábito de tomar mate e fazer "asado" (churrasco) são os principais costumes em comum entre as populações destas regiões — ressalta Bruno, que estudou em Santa Fé, na Argentina. Juliana, que esteve no Uruguai, acrescenta o futebol e a colonização italiana às semelhanças entre os vizinhos:
— Uma vez um uruguaio que me disse que eu era só uma uruguaia nascida mais para o norte quando soube que eu era gaúcha. Há, porém, uma presença mais marcante da herança espanhola lá do que aqui.
Na opinião de César, existe uma dose grande de mito nessas proximidades.
— Inegavelmente a questão da "identidade pampa" do gaúcho é muito forte. Mas acho que nós temos uma percepção muito maior do que eles sobre isso, ao menos em Montevidéu. Ele lembra que, nos primeiros dias de aula, todos tomavam mate, inclusive o professor, mas não lhe passavam a cuia.
— Eram 15 pessoas e oito cuias! Mesmo assim, me pulavam na roda. Aguentei nos dois primeiros dias. Ainda não tinha quebrado o gelo, e não pedia mate para ninguém. No terceiro dia de aula, levei meu mate. Casualmente, sempre tomei mate a "la uruguaya", e todos me olharam meio espantados, até que um disse "ué, dando uma de uruguaio? Geralmente brasileiro não toma mate porque acha amargo". A resposta foi curta e grossa: "Pois é que eu sou gaúcho também". Depois disso, os finais de semana quase sempre ganharam um assado de tira.
Mateando com os professores
César aproveitou a experiência no Uruguai para visitar o estádio Centenário
Segundo César, a relação com os professores uruguaios era bastante parecida com a que se tem com os brasileiros, embora os de lá parecessem mais abertos com os alunos. Com os estudantes, a integração demorou um pouco, mas depois sentia-se como se fossem colegas desde sempre.
— Tive poucos colegas de aula estrangeiros, mas fiz contato com mais ou menos 50 intercambistas das mais diferentes nacionalidades, como argentinos, mexicanos, norte-americanos, chilenos, franceses. No curso que fiz na Antropologia, tinha um colega brasileiro e dois argentinos.
Intercambista na UNL, na Argentina, Bruno também relata boas vivências no relacionamento com os professores.
— Eu tive uma relação muito próxima com eles porque escolhi disciplinas mais de fim de curso, nas quais o contato entre professores e alunos tende a ser mais amigável. Não foram poucas as aulas em que dividi o mate com colegas de aula e professores.
Busca por uma terceira língua
De acordo com Samir Zaveri, porta-voz do Salão do Estudante — feira de intercâmbio que percorre diversas capitais do Brasil —, a procura por viagens de estudo em países sulamericanos se deve a dois fatores principais: o preço e a consolidação de um idioma "concorrente" ao inglês:
— Muitas pessoas buscam cursos de língua para aprender espanhol. Boa parte já teve uma experiência com o inglês em países como Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, e quer algo novo. Além disso, se economiza na passagem aérea e, no Mercosul, os brasileiros não precisam de visto.
Segundo Zaveri, a Argentina é o destino preferido dos brasileiros. Depois, vêm o Chile e o Uruguai. Porém, um país que vem se destacando é a Colômbia.
— Há boas faculdades lá, com bons cursos. E o espanhol colombiano é considerado como "sem sotaque", o que facilitaria a aprendizagem.
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