"Das muitas mazelas que nos incomodam diria que a contradição é a pior por ser, em especial, velada e silenciosa. Em se tratando de leitura, ler que a escola atrapalha mais que contribui para a formação de leitores é cruel. Segundo pesquisa da ONU, muitos brasileiros foram do analfabetismo à televisão sem passar pela biblioteca. Ou seja, a família e a escola têm formado cidadãos que só lêem quando obrigados.

É fato que há muito as estantes da maioria das salas passaram a ter eletroeletrônicos ao invés de livros. Leitura pra que se a gente quer mesmo é comida e bebida. E como sempre, os órgãos de pesquisa procuram culpados. Culpa dos pais que não lêem; culpa dos professores de português que só exigem a leitura de clássicos; culpa do vestibular que também só cobra os livros do passado. A verdade é que brasileiro, em geral, não gosta de ler nem mesmo bula de remédio (nem eu). Não vale também dizer que livro é caro.

Mentira. Alunos lêem sim, o que está na moda: best sellers. E o que é pior? Assistir à novela das 9 ou ler Cinquenta Tons de Cinza? Além de mentira, hipocrisia. Não encaramos o problema como ele deveria ser encarado. Os filhos não lêem porque seus pais também não lêem; os estudantes não lêem porque seus professores também não lêem. E como os políticos, em sua maioria, também não lêem, pra que investir em educação?

Assim a leitura passou a visar apenas ao lucro. Aprendemos a ler para dormir, estudar e decorar, até para melhorar o apetite sexual. Só não aprendemos a ler para apreciar as palavras; só não aprendemos a ler para desconstruir conceitos e preconceitos; só não aprendemos a ler para conhecer a fundo uma determinada época e um determinado autor. Enfim, nossos alunos e filhos continuam aprendendo a ler para fazer ficha de leitura."