Professor | 22/11/2013 05h34min
No prédio cercado por grades de ferro e cadeados, uma pequena sala, entre tantas dispostas ao redor do pátio, adquire um significado especial: durante todo o dia, é o lugar onde as portas estão sempre abertas. Ali funciona, há 13 anos, a Biblioteca Dona Margarida, onde adolescentes infratores aproveitam as horas para ler e escrever. Acostumada a trabalhar com adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a pedagoga Solange Carvalho de Souza, finalista do Prêmio RBS de Educação na categoria Projeto Comunitário, criou o espaço para os internos que cumprem medida socioeducativa no Centro de Internação Provisória Carlos Santos, em Porto Alegre.
No local, eles recebem reforço escolar, escrevem cartas para familiares, leem e são estimulados a elaborar textos. A criação poética é uma forma de reavaliarem suas próprias atitudes. Todos os meses, recebem a visita de profissionais dispostos a um bate-papo.
— Pode ser professor, médico, advogado, para falar de qualquer coisa. Que fale de vida, de incentivo, de sair desse lugar e nunca mais voltar, de ter família, de deitar a cabeça no travesseiro e não se preocupar se o carro da polícia está passando, porque a sirene não é para ti — diz Solange.
Ela recorre ao poeta caribenho Derek Walcott, Nobel de Literatura em 1992, para falar sobre a importância de ler poesia em momentos difíceis. Para ela, ler também liberta.
Os trabalhos são anualmente expostos na Feira do Livro de Porto Alegre. Internos já foram premiados e tiveram poemas publicados em coletâneas. Um deles saiu do Centro mas deixou ali sua marca: "Aqui dentro até os sonhos são lentos", diz um de seus versos estampando os murais que decoram a sala.
— Gosto de escrever poesia, leio e escrevo, invento e misturo uma poesia com a outra — conta um adolescente de 17 anos que participa do programa no Centro.
Solange mantém o acervo com o apoio de parceiros: a Câmara Rio-Grandense do Livro e o Instituto Estadual do Livro levam escritores e ilustradores para visitas, e o Banco de Livros da Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais ajuda com doação de mobiliário e livros. O registro de presença dá uma dimensão do projeto: entre abril e junho deste ano, foram 600 visitas ao espaço.
LITERATURA PARA REFLETIR E MELHORAR
"Me doía muito ver o oficial de Justiça trazer a intimação para o adolescente e ele não saber assinar. Antes de eu assumir esse trabalho, tinha uma colega, professora de Letras, com essa preocupação de fazer os adolescentes se ocuparem com algo sadio. Ela os incentivava muito a ler e a escrever. Pegava uma sacola, uma caixa de livros, levava para a ala e entregava para eles. Admirava muito essa atitude, então pensei em usar esse método e ampliá-lo. Não é o adolescente ir até o livro, é o livro ir até o adolescente. De que forma eu podia fazer isso? E a primeira coisa que me passou pela cabeça foi instituir um espaço, um lugar de aconchego e de prazer. Aqui a gente vê talentos que ninguém vê. O diferencial é a porta aberta, entra quem quer.
Entre tantas responsabilidades deste centro, trabalhar o ócio negativo dos adolescentes é um dos principais objetivos. Encaminhá-los às atividades que possam levá-los a refletir sobre suas condutas e decisões, tanto na ótica do aprender como no preparo profissional, inteirando um sentido terapêutico e reflexivo de suas atitudes, indispensáveis a qualquer pessoa restrita da liberdade.
Acredito muito nas parcerias, porque a gente tem que trabalhar numa rede. O adolescente tem que estar envolvido. Cada um tem que buscar de onde vem sua salvação, procurar o seu caminho, se ocupar com coisas boas. E a literatura faz pensar, refletir, se expressar. É nisso que eu insisto. Tem que ficar bem, aqui, e sair melhor do que ele entrou."
MODO DE FAZER
Projeto: A Mediação dE Leitura no Centro Adolescer
— Ofereça a oportunidade de o adolescente frequentar uma biblioteca: incentive, mas deixe que ele o faça de forma espontânea.
— Organize rodas de leitura, leia e releia mudando a entonação de voz de acordo com a passagem do texto.
— Convide escritores e profissionais de diferentes áreas para contarem suas experiências e interagirem com os adolescentes.
— Ofereça reforço escolar e inclua, entre as atividades, a elaboração de cartas para amigos e familiares.
— Incentive a criação de textos e utilize frases e versos produzidos pelos adolescentes como objeto de decoração do espaço.
— Organize exposições dos trabalhos literários dentro da instituição e também em locais externos.
— Estabeleça parcerias com entidades governamentais e particulares para manter uma rede de apoio ao projeto.
Observação: o Centro Adolescer, referido no título do projeto, é um nome fictício, utilizado pela autora para atender ao regulamento do Prêmio RBS de Educação.
ZERO HORA
Na biblioteca, Solange estimula o contato com os livros, além de promover reforço escolar e escrita de cartas
Foto:
Tadeu Vilani
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