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 | 20/08/2013 07h11min

Adolescente vítima de disparos de taser dentro da escola conta que não sentia mais o corpo depois dos choques

Ele disse ainda ter recebido três choques, todos nas costas, e ter sido acordado com tapas porque desmaiou

Gabriela Rovai  |  gabriela.rovai@diario.com.br

Filho de recicladores de lixo, faixa laranja em judô e morador do Morro da Caixa, em Florianópolis, o adolescente de 16 anos vítima de disparos de taser pela Polícia Militar, dentro da escola, nunca apanhou dos pais. Também nunca foi algemado. Nem poderia porque é proibido o uso de algemas em crianças e adolescentes, de acordo com o Ministério Público.

Por essa e outras razões, a mãe Trindade Prazeres Lemos Gomes não achou certo o tratamento da Polícia Militar com um de seus seis filhos.

— Eles não podem fazer isso. Como confiar neles se estão fazendo papel de bandido? — questiona a mãe.

Preocupada, ela achou que o jovem poderia até ter morrido por causa do choque, já que estava com a meia e o tênis molhados por causa da chuva quando chegou para estudar, às 8h desta segunda-feira.

Ele é aluno da Escola de Educação Básica Daysi Werner Salles, em Capoeiras, desde a 1ª série do Ensino Fundamental. Hoje cursa o 1o ano do Ensino Médio.

Trindade foi avisada da agressão pela filha de 14 anos, que estuda na 8a série da mesma escola. A menina chegou chorando em casa. A mãe foi correndo na escola e depois na delegacia, onde assinou um Boletim de Ocorrência Circunstanciado (BOC) e buscou o filho. Indignada, ela mostrou a camiseta dele suja de sangue.

— Ele está todo machucado. O rosto, costas, braços e pernas. Deram vários choques nele. Essa arma já matou pessoas trabalhadoras. Se meu filho fizesse alguma coisa errada, não estava indo bem na escola nem na Fucas, onde faz judô de segunda a sexta-feira — disse Trindade.


Lixeiras têm cadeados para evitar furtos. Foto: Gabriela Rovai / Agência RBS

Fucas é a Fundação Casan, organização que proporciona esporte e outras atividades para crianças carentes do bairro, no contraturno do colégio. Oportunidade que a escola do adolescente agredido não oferece, mesmo tendo 3,5 mil metros quadrados de área.

É que a unidade - com ares de abandono - alaga quando chove por problemas no telhado, conforme o diretor, o professor Juliano Reckers. E está com oito salas vazias por causa disso.

— Não conseguimos puxar um projeto para cá. Também não temos ginásio de esportes — contou o diretor.

Perguntado porque as lixeiras dentro da escola tem cadeado, ele respondeu que é para evitar furtos.

— Até a fiação elétrica já roubaram, assim como a caixa de luz. Chegamos aqui e não tinha luz na escola — contou o diretor Reckers.

Irmã de 14 anos viu irmão levar choque

As notas boas do adolescente foram confirmadas pelo diretor Juliano Reckers. Ele disse que o jovem vai bem nas matérias, principalmente português e matemática, mas que percebeu uma queda no rendimento de uns quatro meses para cá. A mãe confirmou.

Revoltada com a violência contra o filho, Trindade Gomes disse que vai levá-lo para fazer exame de corpo de delito e buscar seus direitos, até para evitar que outros alunos passem por isso, segundo ela.

A irmã de 14 anos não se conforma de não conseguir conversar com o irmão. Ela tentou, mas disse que uma funcionária da escola não deixou alegando que o jovem estava mais tranquilo.

— Eu tenho certeza que se deixassem eu falar, ele ficaria mais calmo e eu poderia trazer ele para casa — disse a menina.

Ela viu o irmão tomando choque, caído no chão. Teve que ir para o banheiro lavar o rosto para se acalmar.

— Nunca vi alguém ser tratado daquele jeito. Nem animal. Eles (policiais) não deveriam ter feito aquilo. Dava para conversar. Mas precisaram usar a força para fazer uma coisa simples, que era conversar — lamentou a estudante.

A menina disse que sentiu angústia por não poder fazer nada.

— Também senti constrangimento e tristeza porque nunca tinha visto uma pessoa sofrer tudo o que ele sofreu — disse a irmã.


Foto: Caio Marcelo / Agência RBS


O adolescente de 16 anos que levou diversos choques de taser dentro da sua escola conversou com a reportagem, cercado de crianças e da família, em frente à sua casa, no Morro do Caixa. Um pouco agitado, mostrou as marcas no corpo. Vestia camiseta do Flamengo, boné e óculos escuros. O físico de atleta ganhou nas aulas diárias de judô. Confira alguns trechos da entrevista:

Diário Catarinense_Como começou a confusão?

Adolescente_
Eu estava no pátio da escola escutando funk com as crianças. O diretor pensou que eu estava drogado. Não estava. Estava feliz, cantando.

DC_Você xingou o diretor?

Adolescente
_Xinguei porque ele me entregou para a polícia.

DC_Como foi a chegada da polícia?

Adolescente_
Eles queriam me tirar da sala. Eu empurrei a carteira para frente porque não queria sair dali com a polícia. Daí eles me agarraram. E me deram choque. Eu estava caído no chão e um deles me imobilizou e pressionou minha cabeça no chão. Só lembro de três choques (diretor fala em cinco ou seis). Tudo nas costas. Nem senti meu corpo mais. Me deram tapa para acordar porque acho que desmaiei. Cheguei a babar. Foi uma humilhação.

DC_Qual foi o pior momento?

Adolescente_
Foi quando falaram que íam me colocar dentro da gaiola (fundos da viatura). Achei que íam me matar. Foi um alívio chegar na delegacia. Fui o tempo todo deitado em cima da algema. Pedia por favor para tirarem porque quanto mais eu me mexia mais doía a algema.


 

DIÁRIO CATARINENSE
Caio Marcelo / Agencia RBS

Adolescente de 16 anos será levado pela família para fazer exame de corpo de delito
Foto:  Caio Marcelo  /  Agencia RBS


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