A Educação Precisa de Respostas | 14/08/2013 05h01min
Crislaine Martins, 21 anos, é a primeira a chegar aos ensaios.
É tarefa dela buscar a chave da sala de aula, alinhar os músicos em fila e entregar-lhes os instrumentos que há mais de duas décadas trazem melodia à Escola Municipal La Hire Guerra, no bairro Sans Souci, em Eldorado do Sul.
Há 13 anos na banda marcial, a jovem conquistou conhecimento e respeito suficientes para assumir a função de regente-mor. Por isso, nas apresentações, ela vai à frente. De bastão em mão, a maestrina dita o tempo, a velocidade e a ordem aos 40 músicos, com idades entre 13 e 43 anos. Eles a seguem com graça e disciplina.
Ao chegar à escola ontem à tarde, no entanto, já não havia mais porta para abrir, nem instrumentos para distribuir. A sala de aula que abrigava cerca de 60 objetos da banda – entre eles baquetas, cornetas, pratos e liras – não resistiu às chamas de um incêndio criminoso, supostamente provocado por adolescentes na madrugada de segunda-feira.
Ainda assim, Crislaine estava lá. Mesmo que tudo fosse silêncio, havia motivos para a jovem colorir o ambiente com o bastão de fitas azuis e amarelas que trouxera de casa: sua função passara a ser de maestrina da esperança. Tomou para si a missão de fazer com que cada integrante da banda acredite que, na data para a qual tanto ensaiam, o dia 7 de setembro, todos estarão na rua com novos instrumentos.
– Vamos conseguir. Somos unidos, amigos de muito tempo – dizia.
Solidariedade e doações de instrumentos animam alunos
Embora chovesse dentro e fora da escola, não se viu sequer um pingo de abalo entre os músicos. Com as mãos nas cinzas, a garota reunia as teclas do que um dia fora uma lira, seu instrumento preferido. Depois de buscar uma haste de metal, ousou tocar, até encontrou o tom certo.
– Essa nota aqui é a sol, Diego – indicou, sorridente, ao colega.
Se depender do número de ligações solidárias que a escola vem recebendo, a expressão deve permanecer constante na feição da jovem. A coordenadora da banda, Adriana Maciel, logo chegou com o alento. Pelas suas contas, sete pessoas já haviam telefonado, oferecendo instrumentos musicais.
– Vamos fazer do limão a limonada. A nossa banda vai para a rua, meus amores – emendou a diretora da escola, Fabiana Rodrigues.
– Vai ter que ir – sentenciou a regente.
Foto: Carlos Macedo
“Sans Souci é uma família”, diz costureira
A polícia pretende ouvir hoje os quatro adolescentes suspeitos de envolvimento no ataque à escola, além dos seus pais. Um novo depoimento da diretora da instituição também deverá ser tomado.
– Estamos levantando todos os dados. Pelo que temos até agora, pretendo solicitar a internação dos quatro – diz o delegado Alencar Carraro.
A prefeitura mantém, de maneira emergencial, vigilância durante 24 horas na escola. As aulas serão retomadas nos próximos dias, em turnos reduzidos, na parte não atingida do prédio e no salão paroquial da comunidade.
Até o fim da semana, a orquestra desafinada de marteladas que põem ao chão o que sobrou do telhado será substituída pelo som do recomeço. As 10 salas atingidas devem ser reconstruídas nos próximos 45 dias, garante o prefeito Sérgio Munhoz.
Enquanto isso, a comunidade tenta ajudar a banda que não quer se calar. A costureira voluntária Almeri Ramos Leal, 70 anos, trabalha com ainda mais vigor para aprontar os uniformes para o desfile cívico. Por sorte, ela atrasou-se na entrega. Na hora do fogo, as peças ainda estavam à beira de sua máquina, à espera de um último arremate.
Moradora do bairro há 40 anos, ela resume o espírito da comunidade. Seus três filhos se formaram na instituição – um deles tocava tarol. Agora, espera pela volta da banda, símbolo da reconstrução da escola:
– Vou chorar, porque sou muito chorona. A nossa Sans Souci (comunidade) é uma família – comenta.
Confira o vídeo:
Uma das dez salas de aula queimadas abrigava instrumentos como liras, cornetas e pratos
Foto:
Carlos Macedo
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