Educação Básica | 09/08/2013 05h37min
Todos os anos no mês de julho, essa cidade finlandesa modesta de 59.000 habitantes transforma diversas quadras no centro da cidade em um grande salão de dança. Palcos são erguidos, tendas levantadas e milhares de finlandeses - ao lado de espanhóis, alemães e até mesmo alguns japoneses e gente da América do Norte e do Sul - se juntam para dançar durante quatro dias ao som do ritmo envolvente do tango.
Do tango - Finlândia, a Buenos Aires do norte - O que os finlandeses, esses loiros frios tornados melancólicos e morosos pelos longos invernos sem luz (ao menos é assim que dita o clichê), entendem do apaixonado tesouro nacional da Argentina?
Seja como for, as pessoas vêm e, nos últimos anos, o número de visitantes chegou aos 100.000, começando a dançar no início da tarde, ao som das estrelas finlandesas do tango, durante aulas e concursos, virando, pulando e se dobrando ao ritmo do "tum-tum-tum" do tango, até as primeiras horas da manhã.
O tango, em sua forma argentina, é meditabundo e nostálgico, ao passo que a variante finlandesa é mais animada, misturando a paixão e a melancolia que, segundo algumas pessoas, definem tão bem a alma da Finlândia.
— Ele é tão poderoso, com muitas emoções e sentimentos — afirmou Eija Eerola, uma mulher de 40 e poucos anos que trabalha em um escritório, limpando o suor das sobrancelhas depois de um passeio pela pista de dança de uma grande tenda branca. Dezenas de casais - mulheres de shorts, com calças de pular brejo ou saias, além de homens com bonés, chapéus fedora ou de caubói - dançavam ao som suave do acordeom e do violino.
Dançarina apaixonada que vai à pista "algumas vezes por semana" quando está em Helsinki, Eerola visitava o festival pela primeira vez em sete anos e dormia em um trailer. O que atrai os finlandeses ao tango?
— É um pouco de melancolia. É assim que somos — afirmou.
Para Monica Wilson, que cresceu em uma família finlandesa de Thunder Bay, Ontário, dançar o tango e ser finlandês são duas coisas tão naturais uma ao lado da outra quanto presunto e ovos - ou, para ser mais exato, arenques em conserva e batatas novas.
Wilson, de 40 anos, é professora e veio ao festival com o irmão e um primo, durante uma viagem de volta à terra natal. Ela fez algumas aulas de tango com o primo e tentou fazer alguns passos na tenda em forma de L, com metade do tamanho de um campo de futebol americano, conhecida como o Pavilhão. No Canadá, segundo ela, dançam o "two-step", mas na Finlândia dançam o tango.
No Canadá, seus pais nascidos na Finlândia costumavam "dançar o tango na cozinha", contou com uma risada.
O festival foi criado há 30 anos para atiçar as chamas do que parecia ser uma tradição moribunda. O tango havia sido trazido para a Finlândia há um século pelo bailarino finlandês Toivo Niskanen, que aprendeu os passos clássicos em São Petersburgo, capital russa na época. No entanto, ele se apaixonou pelo ritmo durante uma visita a Paris.
O tango floresceu na Finlândia ao ponto de praticamente se tornar a dança nacional. Até hoje, existem cerca de 2.000 clubes de tango em todo o país, que conta com 5,5 milhões de habitantes, e o festival de Seinajoki é um dos maiores do mundo. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, com a chegada do rock and roll, a influência do tango começou a diminuir. Nos anos 1980, os Beatles e os Rolling Stones ameaçavam tomar conta do "Esconderijo do Hernando", o principal programa de tango do país.
— O tango não era mais popular, embora não o tivessem esquecido — afirmou Juha Teuri, de 31 anos, porta-voz do festival, em uma escola local que servia de sede do evento.
— Naquele momento, sabíamos que algo tinha que ser feito e foi então que começaram os concursos de tango, que cresceram rapidamente — acrescentou a respeito das origens do festival, em meados dos anos 1980.
O festival não é apenas um encontro de tango no verão. Um site dedicado à dança latina, o festivalsero.com, lista 20 eventos do tipo apenas em julho, incluindo o Puerto del Tango, em Tallinn, Estônia; o Tango Magic em Seattle; e o International Queer Tango Festival, um dos encontros de tango gay cada vez mais populares, em Berlim.
Porém, o festival de Seinajoki se destaca, não apenas pelo tamanho, mas pela justaposição da introspecção escandinava com a paixão latina.
— Para nós isso foi uma grata surpresa — afirmou Anabel Saldaña, uma das maiores professoras e dançarinas de tango da Argentina, convidada para vir de Buenos Aires com o parceiro, Jorge Mendoza, para se apresentar e dar aulas no festival. O dueto do casal no palco principal do festival, em frente a um público de milhares de pessoas e em meio a tochas incandescentes, fumaça e luzes, foi um grande sucesso.
O tango finlandês é diferente do Argentino, afirmou Saldaña.
— Mas nós achamos que a sensação era a mesma, embora as palavras e os conceitos por trás da experiência não fossem— complementou.
Mendoza, que assim como Saldaña estudou o tango finlandês antes de chegar, concordou.
— Não estamos dizendo que temos o tango de verdade. Mas mostramos a eles um outro jeito de dançar, que também pode ser legal e divertido — afirmou.
— Aqui as pessoas pegaram o tango e se apropriaram dele — acrescentou.
A diferença entre o tango argentino e o finlandês se tornou evidente em uma das muitas aulas dadas por dançarinos argentinos para os visitantes do festival no ginásio da escola. Enquanto oito casais finlandeses ouviam com atenção, Saldaña explicava que o tango "é como um quebra-cabeça".
— Se você conhece as peças pode montá-lo de maneiras diferentes — afirmou.
Então, ela e Mendoza, com as mãos nos ombros do parceiro, deslizaram pelo chão, mostrando como o quebra-cabeça poderia ser montado. Diversos casais entraram na dança; mas outros se pareciam mais com móveis ambulantes do que com alguém que dança um tango argentino. Leena Kaura, designer de tecidos aposentada, estava no céu.
— Ele tem esse ar flamenco — afirmou sobre a variedade argentina.
Os organizadores temem que o festival esteja se tornando cada vez mais uma diversão para pessoas de meia idade. Para atrair um público mais jovem, roqueiros famosos - ao menos na Finlândia - preenchem o espaço entre um tango e outro. Em uma tarde ensolarada, Antti Tuisku, uma espécie de Adam Lambert finlandês, cantava um de seus sucessos para uma multidão de fãs que balançavam os braços enquanto dançarinos mais velhos continuavam a bailar o tango no Pavilhão.
Jovens argentinos, que também haviam se distanciado do tango, retornaram em grande número nos últimos anos, de acordo com Saldaña.
— Quando eu era jovem, o tango era coisa de vó. Agora é mais popular do que nunca, entre jovens e velhos — afirmou.
De volta ao Pavilhão, Aarno e Sirpa Ervasti não sentiam falta da multidão enquanto dançavam pela pista, com os corpos colados. Eles vieram às últimas dez edições do festival.
— Dançamos o tango há 43 anos — afirmou Ervasti, de 66 anos. Tanto ela, quanto o marido, Aarno, de 70 anos, são professores aposentados.
— O silêncio e a melancolia é o que recebemos da Rússia. Acho que é nosso lado eslavo — afirmou.
— É amor. Esse é nosso jeito de fazer amor — disse.
THE NEW TORK TIMES SERVICE
Cerca de 100 mil pessoas passam pelo festival de tango de Seinajoki, um dos maiores do mundo
Foto:
Touko Hujanen
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NYTNS
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