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Monstrinhos RBS  | 20/07/2013 16h12min

"Eu não vou mais", diz estudante da 6ª série sobre aulas em colégio da Capital

Apesar de notas baixas, menino de 13 anos tem chance de retomar atividades e não perder o ano

Larissa Roso  |  larissa.roso@zerohora.com.br

O caderno de poucas páginas preenchidas reflete a breve vivência escolar e o interesse decrescente do estudante de 13 anos. Em matemática, a disciplina preferida, Vinícius (o nome foi trocado para preservar a identidade do entrevistado) anotou os exercícios iniciais com capricho: enunciados a caneta, respostas a lápis, a avaliação da professora em vermelho assinalando resultados corretos. Duas páginas depois, a sequência de cálculos sequer foi concluída. Outras duas à frente, um conjunto de equações e nenhuma tentativa do menino para resolvê-las. Na última folha, o esforço da educadora em reconectá-lo ao andamento da turma: com setas explicativas, em um modelo esquemático, ela faz a primeira conta. Vinícius não vai adiante.

Leia mais:
> A análise de Ângela Ravazzolo, editora de Educação do Grupo RBS

Ele afirma ter cursado a 6ª série do Ensino Fundamental, em uma escola estadual de Porto Alegre, até junho. As datas referentes ao conteúdo copiado do quadro-negro, entretanto, não ultrapassam abril. Começava, ali, o processo de desligamento. De acordo com a secretaria, o garoto teve muitas faltas em março, e as ausências se intensificaram no mês seguinte. Em maio, deixou de comparecer às aulas. No primeiro trimestre, alcançou um índice total de frequência de apenas 40%. Segundo a coordenadora pedagógica, estará configurado o abandono, e a consequente perda da vaga, se ele não aparecer durante todo o segundo trimestre, que se encerra em setembro.

— Eu não vou mais — sentencia o estudante, em casa, ao lado da mãe.

O garoto passará a engrossar a multidão de 226 mil crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos fora da escola no Rio Grande do Sul, dado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011. Em todo o Brasil, são 3,6 milhões. Vinícius tem uma reprovação no currículo, em 2011, e, a partir de agora, esbarrará em outras dificuldades que influenciarão a continuidade de seus estudos, como o descompasso em relação aos colegas e a ameaça de se tornar repetente pela segunda vez. Alimenta com múltiplas razões, reais e inventadas, a mágoa com a instituição: professores faltantes, feriados demais, uma reprimenda quando demorava a terminar a prova de ciências, a suspensão das atividades por um mês inteiro depois de um furto ocorrido na escola.

Professores esclarecem as alegações — o furto de merenda a que ele se refere, por exemplo, ocorrido em março, avariou o forro e provocou a interrupção das aulas por três dias, e não 30. O motivo determinante para o afastamento, ele reproduz a todo instante: o cansaço pela caminhada diária, um quilômetro na ida e outro na volta, e o medo de atravessar a via movimentada com a irmã de 10 anos pela mão. Exige que o ônibus disponibilizado pelo governo estadual o busque em casa. A coordenadora explica que ele está perto demais, e o serviço é destinado àqueles que moram mais longe.

— Ano passado eu gostava do colégio. Nunca briguei — relata, garantindo que é um dos melhores do grupo, apesar de seu nome na capa do caderno exibir dois erros de grafia. — Mas não vou mais.

Menino agora ajuda a família na coleta

Vinícius divide com quatro pessoas uma morada frágil de quatro peças, repleta de frestas. Não há geladeira. O pai é ajudante de mecânico, e a mãe, catadora de lixo reciclável que teve seis filhos, reclama da escola e acaba reforçando muitos dos lamentos do adolescente. Eleva a voz ao elencar temores e ressentimentos: aguarda um chamado da direção para conversar sobre o garoto, critica o desinteresse dos educadores, destaca que a situação de infrequência da família vizinha, com cinco irmãos matriculados no mesmo local, é muito mais grave. Um falatório inflama ainda mais o desabafo: circula o boato de que abusadores estariam raptando e estuprando crianças na região.

— Isso me preocupa muito. Nessa fase, tem que cuidar. Para mim, ele está mais seguro em casa. Mas não adianta eu querer ele em casa e ele estar perdendo escola — comenta a recicladora. — Fico preocupada, é um ano perdido. A criança precisa de colégio. Toda a vida estudou ali e agora isso... — resigna-se, confessando que tentará convencê-lo a voltar para que o orçamento doméstico não sofra a perda do benefício do Bolsa Família.

Na última terça-feira, docentes da escola se reuniram para debater estratégias para estimular a permanência. Entre outros nomes de desistentes, surgiu o de Vinícius, considerado quieto, afável e capaz de cumprir tarefas.

— Ele frequentava dois dias e faltava quatro. Ficava perdido — lamenta a professora de matemática.

A titular de ciências, que o teria entristecido ao recolher a folha do teste incompleto quando o sinal alertou para o final do período, pensa por um momento antes da negativa:

— Não lembro nem quem é. Sabe quantos alunos a gente tem aqui dentro?

Representantes da direção e do setor de orientação educacional não souberam informar se a situação de Vinícius já teria sido reportada ao Conselho Tutelar por meio de uma Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai) — a funcionária encarregada está em licença por motivos de saúde. Depois de uma pesquisa solicitada pela reportagem, o conselheiro tutelar Rodrigo Farias dos Reis declarou não haver qualquer menção ao caso nos arquivos da Microrregião 1. Quando receber a ficha, a entidade poderá notificar a mãe e determinar o retorno imediato do menino ao colégio.

Com tempo livre demais em manhãs e tardes sem ocupação, Vinícius ajuda a família na coleta de papel, plástico e alumínio, tocando a carroça pelas ruas. Apesar do desempenho bem abaixo do mínimo exigido para aprovação no primeiro trimestre (a média é 15 em 30 pontos possíveis), com nota 3 em geografia, matemática e inglês e 4 em português, resta uma chance. A supervisora assegura que o ano letivo ainda não está perdido.

— Ele tem condições de recuperar, desde que venha à aula.

Andrea Bergamaschi, mestre em Política Social e Desenvolvimento, gerente de projetos do Todos pela Educação
"A evasão fica muito mais clara nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. A escola tem que ser muito boa e interessante. Uma escola que atraia o aluno, que tenha relevância. Ele tem que estar aprendendo e percebendo o caminho para quebrar o ciclo da pobreza e da desigualdade. A educação é o combustível do desenvolvimento. É o que efetivamente possibilita se desenvolver para uma vida plena na sociedade, na família, no trabalho. Quando o aluno está deixando de ser criança e entrando na adolescência, o mundo exterior é cheio de atrações. Mesmo quem tem uma situação favorável em casa tem problemas porque a adaptação é muito difícil. Quanto mais tempo fora da escola, mais dificuldade ele vai ter. O aluno atrasado sofre preconceito, acaba perdendo o interesse e evade. É uma situação muito cruel."

Angela Helena Marin, doutora em Psicologia, professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Unisinos
"Muitas vezes, a escola confere ao aluno a necessidade de adaptação ao seu funcionamento, pois acredita que seja responsabilidade dele e de sua família cumprir com as demandas. Aqueles que não se adaptam acabam sendo caracterizados como tendo problemas emocionais, decorrentes de uma organização psíquica imatura, que gera ansiedade, dificuldade de atenção, dependência, agressividade. Tal postura centraliza no aluno as causas dos prejuízos. Nem sempre se percebe que isso pode reforçar os prejuízos e fazer com que o aluno não queira mais frequentar a escola, o que pode levar a abuso de drogas, problemas de conduta e evasão. Mesmo em indivíduos com quadros de desestruturação psíquica, alguns aspectos cognitivos se mantêm preservados, mas, se não forem estimulados, poderão não se desenvolver. Aprender é mais do que assimilar conteúdos."

Toda criança na escola

O Bicho-Papão será o porta-voz desta nova fase da campanha A Educação Precisa de Respostas. O monstro e seu filhote vão apresentar o tema Toda Criança na Escola, que é também uma das cinco metas do movimento Todos Pela Educação. Está previsto na Constituição que todas as crianças e os jovens de quatro a 17 anos devem estar na escola até 2016. Estudos mostram que quem faz uma boa pré-escola tem 38% a mais de chances de concluir o Ensino Médio. Nesta fase da campanha, serão abordados temas como a importância de frequentar a escola e os efeitos positivos que a educação tem sobre o desenvolvimento do país.

Adolescentes com 16 anos que concluíram o Ensino Fundamental

1º São Paulo — 80,6%
2º Mato Grosso — 79,4%
3º Distrito Federal — 76,3%
4º Roraima — 71,7%
5º Paraná — 71,1%
6º Goiás — 70,3%
7º Santa Catarina — 70,2%
8º Minas Gerais — 69,5%
9º Espírito Santo — 69,5%
10º Amapá — 68,5%
11º Rio Grande do Sul — 64,8%
Brasil — 62,7%
Fonte: Diretoria de Estatísticas Educacionais do Inep, com base em dados da Pnad de 2011

Crianças de 12 anos que concluíram as séries iniciais

1º Santa Catarina — 92,2%
2° Paraná — 86,8%
3º São Paulo — 86,8%
4º Mato Grosso — 86,5%
5º Mato Grosso do Sul — 85,1%
6º Rio Grande do Sul — 83,8%
7º Goiás — 81,8%
8º Tocantins — 81,7%
9º Ceará — 81,5%
10º Roraima — 80,6%
Brasil 76,2%
Fonte: Diretoria de Estatísticas Educacionais do Inep, com base em dados da Pnad de 2011

Alunos que frequentam a escola

Brasil
0 a 3 anos — 20,8%
4 e 5 anos — 77,4%
6 a 14 anos — 98,2%
15 a 17 anos — 83,7%
18 a 24 anos — 28,9%
mais de 25 anos — 4,5%

Rio Grande do Sul
0 a 3 anos — 26%
4 e 5 anos — 62,2%
6 a 14 anos — 97,9%
15 a 17 anos — 83,6%
18 a 24 anos — 28,1%
mais de 25 anos — 3,9%

Região Metropolitana (31 municípios, incluindo Porto Alegre)
0 a 3 anos — 24,6%
4 e 5 anos — 55,1%
6 a 14 anos — 96,8%
15 a 17 anos — 83,4%
18 a 24 anos — 31,6%
mais de 25 anos — 4,8%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011

ZERO HORA
Adriana Franciosi / Agencia RBS

As poucas páginas do caderno preenchidas mostram interesse descrente do aluno
Foto:  Adriana Franciosi  /  Agencia RBS


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