Educação Básica | 20/07/2013 04h11min
No grande teatro a céu aberto que é Roma, os personagens falam com as mãos tanto quanto com a boca. Enquanto conversam alegremente em seus celulares, ou enquanto fumam cigarros, ou mesmo enquanto reduzem a marcha de seus minúsculos carros no trânsito da hora do rush, eles gesticulam com uma coordenação invejavelmente elegante.
Desde o clássico com os dedos fechados junto ao dedão que significam "O que você quer de mim?" ou "Eu não nasci ontem" até uma mão fechada levemente em círculo, indicando "Que seja" ou "Isso nunca vai acontecer", há uma eloquência no gesticular italiano. Em uma cultura que preza a oratória, nada esvazia uma retórica inflada mais rapidamente.
Alguns gestos são simples: o lado da mão contra a barriga significa fome; o dedo indicador pressionado sobre a bochecha significa que algo tem gosto bom; e dar um tapinha no pulso é um sinal universal para "apresse-se". Porém, outros são bem mais complexos. Eles dão uma inflexão – de fatalismo, resignação e falta de palavras – que faz parte da vida italiana tanto quanto respirar.
Duas mãos abertas podem fazer uma pergunta de verdade: "O que está acontecendo?". Entretanto, mãos em posição de reza se tornam um tipo de súplica, uma pergunta retórica: "O que você espera que eu faça em relação a isso?". Pergunte quando o ônibus deve chegar, e a resposta universal é dar de ombros, com um "ehh" que soa mais como um motor funcionando e duas mãos levantadas que dizem: "Só quando Deus quiser".
Para os italianos, gesticular é natural.
— Você quer dizer que os americanos não gesticulam? Eles falam assim? — perguntou Pasquale Guarrancino, um taxista romano, com os braços imóveis e esticados ao longo do corpo. Ele estava sentado em seu táxi conversando com um amigo que estava do lado de fora, cada um movendo as mãos em uma elaborada coreografia. Questionado sobre seu gesto favorito, respondeu que ele seria impublicável.
Na Itália, as crianças e os adolescentes gesticulam. Os idosos gesticulam. Alguns italianos brincam dizendo que isso pode começar mesmo antes do nascimento.
— No ultrassom, acho que o bebê está dizendo: 'Doutor, o que você quer de mim? — disse Laura Offeddu, romana de gestos elaborados, conforme juntava os dedos e movia a mão para baixo e para cima.
Em uma tarde recentemente, dois homens de meia idade com elegantes ternos escuros se aprofundavam em uma conversa do lado de fora da sorveteria Giolitti no centro de Roma, gesticulando mesmo enquanto seguravam casquinhas de "gelato". Um deles, que se identificou apenas como Alessandro, observou que os jovens usavam um gesto que sua geração não usava: aspas para representar ironia.
Às vezes, gesticular pode causar problemas. Ano passado, a suprema corte da Itália decidiu que um homem que, inadvertidamente, atingiu uma mulher de 80 anos enquanto gesticulava em uma praça, na região sul de Puglia, era responsável por danos civis. "A rua pública não é uma sala de estar", decidiram os juízes, dizendo que "O hábito de acompanhar uma conversa com gestos, embora certamente lícito, torna-se ilícito" em alguns contextos.
Em 2008, Umberto Bossi, o alegre fundador do partido conservador Northern League, levantou seu dedo do meio durante a execução do hino nacional. O Ministério Público de Veneza determinou que o gesto, embora obsceno e motivo de uma indignação generalizada, não foi um crime.
Há tempos, gestos têm sido parte do espetáculo político da Itália. O ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi é um gesticulador notável. Quando ele cumprimentou o presidente Barack Obama e a esposa, Michelle, em uma reunião com os líderes do G20, em setembro de 2009, ele esticou ambas as mãos, com as palmas para cima voltadas para si, e então, juntou os dedos conforme olhava Michelle de cima a baixo – um gesto que pode ser interpretado como um "uh-lá-lá".
Em contrapartida, Giulio Andreotti – um Democrata Cristão, sete vezes primeiro-ministro e, de longe, o político mais poderoso da era pós-guerra italiana – era famoso por manter ambas as mãos cruzadas frente ao corpo. O gesto sutil e paciente funcionava como um impeditivo, indicando o tremendo poder que ele poderia ter, caso quisesse.
Isabella Poggi, professora de psicologia na Universidade Tre de Roma e especialista em gestos, já identificou cerca de 250 gestos que os italianos usam em conversas diárias.
— Há gestos expressando uma ameaça ou um desejo, desespero, vergonha ou orgulho — disse ela. A única coisa que os diferencia da linguagem de sinais é que eles são usados individualmente e não têm sintaxe completa, completou Poggi.
Muito além de folclore pitoresco, os gestos têm uma rica história. Uma teoria diz que os italianos desenvolveram os gestos como uma forma alternativa de comunicação durante os séculos nos quais viveram sob ocupação estrangeira – da Áustria, França e Espanha, dos séculos XIV ao XIX – como forma de comunicação, sem que os invasores entendessem.
Outra teoria, defendida por Adam Kendon, editor-chefe do jornal Gesture, é que em cidades superpovoadas como Nápoles, gesticular tornou-se uma forma de competir, de marcar seu território em uma arena lotada.
— Para chamar atenção, as pessoas faziam gestos e usavam o corpo inteiro — Poggi disse, explicando a teoria.
Andrea De Jorio, padre e arqueólogo do século XIX, descobriu similaridades entre os gestos usados pelas figuras pintadas em vasos gregos antigos, encontrados na região de Nápoles, e os gestos usados por seus contemporâneos napolitanos.
Durante os séculos, a linguagem evoluiu, mas os gestos permaneceram.
— Gestos mudam menos do que palavras — disse Poggi.
Filósofos há muito têm se preocupado com os gestos. Em "The New Science" ("A Nova Ciência"), o filósofo italiano do século XVIII, Giambattista Vico, que já ensinou retórica na Universidade de Nápoles, argumentou que os gestos podem ter sido a primeira forma de linguagem.
Segundo relatos, o filósofo Ludwig Wittgenstein reformulou – ou ao menos refinou – sua teoria de que a linguagem foi usada para estabelecer a verdade e informar, depois que o economista italiano Piero Sraffa respondeu à teoria dele com um simples gesto: dedos esfregando o queixo, indicando "Eu não dou a mínima", o clássico repúdio às autoridades.
Tal gesto não transmite uma informação, mas a nega.
— É uma rebelião contra o poder, uma forma de readquirir a dignidade própria — disse Poggi.
THE NEW TORK TIMES SERVICE
Gestos fazem parte do espetáculo político italiano. Na foto, o parlamentar Nicola Cosentino em uma entrevista coletiva em Nápoles, em janeiro deste ano
Foto:
Gianni Cipriano
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NYTNS
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