Ensino Superior | 16/07/2013 10h44min
Na semana passada, o governo federal anunciou que alunos que ingressarem nos cursos de Medicina a partir de 2015 terão de cumprir dois anos de estágio obrigatório na saúde pública. A medida que amplia o período de formação de seis para oito anos gerou polêmica entre profissionais e estudantes de Medicina e provocou questionamentos entre vestibulandos.
As dúvidas mais frequentes nos corredores de cursinhos pré-universitários dizem respeito ao novo currículo e às responsabilidades que os estudantes terão de assumir nos dois últimos anos da graduação.
Nesta edição, o Vestibular traz respostas para algumas das perguntas dessa turma de estudantes e apresenta exemplos de países que têm modelos de formação semelhantes ao proposto pelo governo. A mudança está prevista no programa Mais Médicos e deverá ser avaliada e regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação nos próximos seis meses.
Especialistas e diretores de faculdades acreditam que o novo modelo de formação não deve alterar o currículo nos anos iniciais do curso de Medicina, período que abrange o conhecimento teórico que a profissão exige. A vice-diretora do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Isabela de Carlos Back Giuliano, afirma que ainda é cedo para avaliar o impacto da medida nos cursos e frisa que as instituições de ensino ainda não foram consultadas ou incluídas na discussão.
— Seria muito interessante que os estudantes se dedicassem nesses dois anos a trabalhar em regiões onde há carência de médicos, mas tudo depende das condições em que essa medida será implantada — comenta a professora, que integra a Comissão de Acompanhamento e Monitoramento do Processo de Expansão dos cursos de Medicina nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do MEC.
O governo afirma que a proposta tem por objetivo ampliar a experiência prática na formação e driblar a especialização precoce — no formato atual, a partir do quarto ano o aluno já foca na sua área de interesse. De tal forma, o estágio no SUS não extinguirá o internato, realizado no quinto e no sexto anos, período no qual o estudante atua em diversas áreas da rede de saúde.
A diferença é que, durante o ciclo do treinamento em serviço, o estudante de Medicina terá de assumir gradativamente a responsabilidade de profissional, exercendo de fato procedimentos médicos em Unidades Básicas de Saúde e urgência e emergência.
De acordo com o Ministério da Saúde, para o estágio obrigatório, haverá a contratação de preceptores totalmente custeados pelo governo e estes dois últimos anos do curso poderão ser aproveitados como uma das etapas da residência ou pós-graduação, caso o profissional opte por uma opção de especialização do ramo da atenção básica.
As mudanças
O aluno irá contar com supervisão?
Sim. Além de ser supervisionado por um médico com pós-graduação, o aluno deverá ser acompanhado por um tutor acadêmico (um docente médico), indicado pela universidade, que deverá planejar e orientar as atividades do aluno e do supervisor. No entanto, de acordo com a portaria, como o aluno receberá uma autorização provisória para o exercício da medicina, ele terá de responder caso cometa uma infração ética ou erro no atendimento.
O aluno será remunerado por esse estágio?
Sim. O aluno receberá uma bolsa-formação. Além disso, municípios poderão oferecer auxílios-moradia e alimentação, e o Ministério da Saúde poderá conceder ajuda de custo para despesas de instalação e deslocamento conforme faixas estabelecidas na portaria. Os estudantes de instituições particulares não pagarão mensalidade no período de estágio. O supervisor e o tutor acadêmico também terão bolsa. O custeio vem de orçamento dos ministérios da Saúde e da Educação.
Para onde vão os estudantes?
A portaria estabelece como regiões prioritárias áreas de difícil acesso ou que tenham populações em situação de vulnerabilidade. No último sábado, porém, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que os alunos farão o estágio na mesma cidade em que cursam a faculdade e que o objetivo é melhorar a formação dos médicos.
O que muda no currículo?
Após os seis anos do curso, o aluno deverá cumprir dois anos de estágio obrigatório na rede pública de saúde. Há a possibilidade de reduzir a formação básica para cinco anos, mas isso dependerá da avaliação do Conselho Nacional de Educação. O aluno recebe o diploma depois de aprovado no estágio.
Como é cursar medicina em outros países
De acordo com o Ministério da Saúde, o modelo da nova grade curricular é inspirado em países como Inglaterra e Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo.
Para entender como é a formação de um médico em países que adotam modelos parecidos com o proposto pelo governo, o Vestibular convidou três médicos com alguma experiência em cursos de Medicina em outros países.
Peru
Duração do curso: sete anos
Currículo: após seis anos de aulas do curso regular de Medicina, o aluno ingressa em um ano de estágio, que pode ocorrer tanto na rede pública quanto na particular. Somente após essa experiência prática, o aluno receberá o diploma de médico. Assim que formado, o profissional pode prestar um ano de serviço ao Estado e acumular pontos para provas de qualificação para residência.
Experiência: o peruano Renato Matta, 31 anos, residente em Cirurgia da Mão no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, prestou um ano de atendimento médico a serviço do Estado. Do ponto de vista profissional, o médico acredita que a obrigatoriedade do estágio é válida, uma vez que a prática complementa o conhecimento do estudantes. No entanto, defende que os profissionais deslocados para o Interior devem estar formados, para que possam ser responsabilizados de forma justa caso cometam algum erro.
Colômbia
Duração do curso: seis anos
Currículo: após cinco anos de aulas do curso regular de Medicina, o aluno ingressa no internato, que dura um ano. Após esses período, o estudante recebe o diploma de médico, mas o registro profissional só será disponibilizado se ele prestar um ano de serviço ao Estado. Neste período, o profissional é encaminhado para áreas carentes de médicos — geralmente no interior do país — e recebe um salário que pode variar entre R$ 1,5 mil e R$ 4 mil.
Experiência: o colombiano Alan Rodriguez, 27 anos, residente em Cirurgia Plástica no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, acredita que a experiência de trabalhar em cidades pequenas a serviço do Estado é válida tanto para o profissional recém-formado, quanto para a população. Segundo ele, o período é proveitoso porque permite o envolvimento diário com pacientes. Para ele, é na prática que se aprende. A contribuição para a saúde pública do país também é encarada pelo colombiano como um dos pontos fortes do plano do governo. Ainda que o local não ofereça a estrutura necessária, Alan acredita que o médico sempre terá algo a fazer pelos pacientes. A única crítica em relação ao modelo proposto está em relação ao período do estágio, que deveria ser de apenas um ano.
Inglaterra
Duração do curso: cinco anos
Currículo: os cursos de medicina variam de cinco a seis anos. Após esse período, os estudantes inscrevem-se para um período de dois anos no Foundation Programme, implementado em 2005 para dar experiência geral aos recém-formados, antes de eles escolherem a área na qual pretendem obter a especialização.
Experiência: a gaúcha Marta Ribeiro Hentschke, 29 anos, passou um ano de seu doutorado na Inglaterra e teve contato com alunos da graduação de Medicina da universidade. Segundo ela, o modelo de formação aplicado na Inglaterra funciona bem, pois, ainda que os médicos saiam da universidade sem tanta prática, eles têm todo o suporte necessário e tutores que acompanham o seu trabalho durante os dois anos de treinamento obrigatório.
E você, qual é a sua opinião?
Essa é uma medida paliativa. Eu não me importaria em ter de ir para o Interior. O salário proposto é bom. Mas não é esse o problema em questão. O problema é chegar lá e ter de ficar de mãos atadas porque a estrutura para o atendimento de qualidade não é suficiente. Além disso, o estudante vai ter de postergar a residência. Se for mesmo a única solução, que pelo menos se dê a chance aos alunos de terminar seus estudos. Que se estipule um prazo de até tantos anos para que esses profissionais, então formados, tenham, obrigatoriamente de trabalhar pelo SUS. Juliana Beck, 21 anos
Esse plano funciona como uma cortina de fumaça, que mascara o problema da saúde no país dizendo que a situação chegou a tal ponto por causa da falta de médicos. Não é verdade. Além disso, acho muito difícil ter um número suficiente de supervisores fiscalizando o trabalho destes alunos. Thais Soares, 24 anos
Sou a favor da proposta do governo porque vai inserir o aluno no campo de trabalho. E do ponto de vista de um futuro estudante de Medicina, acredito que terei meu conhecimento fortalecido. É na prática que se aprende. Alisson Gomes dos Santos, 19 anos
Eu trabalharia no SUS, sem problema nenhum. Para mim, o sistema público oferece um grande aprendizado. E também acho que R$ 10 mil é um bom salário para o estágio. O grande problema que vejo na proposta é a sua obrigatoriedade. Não se pode forçar as pessoas a fazer o que não querem. William Simões, 18 anos
Acho péssimo esse plano. Eu, por exemplo, pretendo ser cirurgiã. Se tiver de ficar mais dois anos em um estágio obrigatório, estarei especializada somente depois de 16 anos de estudo, lá pelos 35 ou 36 anos de idade. Isso acaba atrapalhando outros planos de vida, como ter uma família ou fazer algum outro curso. Vitória Borba, 18 anos
Essa medida só vai tapar um buraco. De nada adianta colocar mais médicos no Interior se a estrutura não permite um atendimento de qualidade. Acredito que, se melhorassem as condições de trabalho nessas regiões mais pobres, a ida de médicos seria espontânea. Jonathan Sant´Ana, 18 anos
Nessas horas de polêmica é que se vê quem está na medicina por amor e quem está por dinheiro. Ainda que não se tenha estrutura suficiente no Interior, é preciso que se tenha médicos lá para cuidar dos que precisam. Só que isso ninguém quer fazer. Ana Júlia Dienstmann, 16 anos
Os vestibulandos Thais Soares, Luciane Zini, Alisson dos Santos, Mariana Gregório e Juliana Beck discutem nova proposta
Foto:
Anderson Fetter
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