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Educação Básica  | 12/07/2013 05h08min

"ENEM" francês é criticado por alunos e autoridades

Teste nacional, que é o único elemento considerado na concessão de diplomas do ensino médio na França, teria ficado fácil demais

Scott Sayare

Quem acredita nos velhos estereótipos sobre os franceses e sua ética profissional sossegada deveria observar o frenesi de estudo que toma conta dos adolescentes desse país em junho.

Às centenas de milhares, eles se reúnem em bibliotecas, inundam os organismos com estimulantes e passam semanas estudando desesperadamente pelo baccalauréat, mais conhecido como "bac", o exaustivo exame final que maltrata os nervos dos estudantes franceses desde os tempos de Napoleão.

O teste nacional com duração de uma semana é o único elemento considerado na concessão de diplomas do ensino médio, também conhecidos como "bacs"; abaixo da nota de aprovação, as portas da universidade se fecham e as perspectivas de emprego costumam ser sombrias. A prova ocupa o centro de todos os currículos do ensino médio, em Paris e nos territórios ultramarinos da França, tanto em instituições públicas quanto privadas, e muitos o consideram um rito de passagem básico, e até mesmo um elemento da identidade francesa.

Como tanta coisa na França, é uma emanação do governo de Paris, que determina a data dos testes e aprova cada uma das perguntas. Segundo as palavras de um relatório de 2008 do Senado, é "a própria pedra fundamental de nosso sistema educacional" e um "monumento nacional".

Ainda assim, com toda essa reverência, nostalgia ou nervosismo que ainda inspira, sua utilidade se torna menos e menos clara, segundo autoridades, estudantes, pais, professores e empregadores franceses – praticamente todo o mundo.

— Cada ano mais ridícula, a comédia do bac voltou — Luc Ferry, filósofo que como ministro da educação já supervisionou a prova, escreveu em junho no jornal "Le Figaro".

A França gostava de ver seu sistema educativo como um modelo para o mundo, mas estudos mostram que o desempenho acadêmico por aqui não é nada excepcional, vem declinando e, nos últimos anos, as autoridades começaram a lamentar. Cada vez mais, o bac é visto como o carro-chefe de um sistema fracassado, um símbolo não da excelência francesa, mas do que está errado na educação.

Muitos reclamam de que o teste se concentra pouco em lógica ou criatividade em muito em decoreba e no esoterismo que encantam a aristocracia cultural parisiense. Para críticos, ele ficou fácil demais, com índice de aprovação na casa dos 90 por cento no ano passado; alguns argumentam que ele só serve como uma forma pouco eficiente de podar os alunos menos preparados.

Entretanto, os estudantes franceses permanecem ligados ao bac.

Há poucos dias, diante do Lycée Condorcet, Justine Ripoll, 18 anos, disse que a prova que faria tinha pouco sentido prático, mas a defendeu mesmo assim.

— É mais um rito de passagem do que exame. É por isso que seria uma pena se livrar dele. Todo o mundo passou por ele. Todos são traumatizados por ele — disse Ripoll.

O governo de centro-esquerda prometeu "renovar" o sistema escolar nacional, mas seu foco é no ensino fundamental e inexistem planos imediatos para mudanças no bac.

Mesmo assim, o teste precisa "evoluir", afirmou Vincent Peillon, atual ministro da educação.

— Todos estão refletindo sobre ele, com toda a razão — comentou Peillon.

A primeira edição da prova, ministrada em latim em 1808, produziu 31 "bacheliers". Neste ano, 664.709 candidatos estavam matriculados em uma das 91 versões do bac: três opções "gerais" (concentradas em ciências, economia ou literatura), oito bacs para alunos do ensino técnico e 80 bacs "profissionais" para alunos do ensino profissionalizante.

Até 1945, os diplomas do colegial eram domínio de uma elite intelectual, ocupados por somente três por cento de todos os adolescentes. Mais de 70 por cento dos jovens tiram o bac hoje em dia.

Em resultado, a feitura, administração e atribuição de nota ao exame agora mobilizam uma burocracia pesada. Cerca de 170 mil professores foram convocados neste ano para supervisionar os testes, que incluem um total de 3.990 perguntas originais criadas ao longo de vários meses por comissões estatais mantidas com a mais severa confidencialidade.

(Obviamente, o sigilo não consegue impedir certas formas de cola. Segundo a polícia, uma mulher de 52 anos disfarçada como a filha de 19 anos foi flagrada fazendo a parte de inglês da prova, em junho.)

Duas semanas de avaliação são conduzidas por professores e supervisionadas por grupos de instrutores e professores universitários. O custo de produzir, administrar e avaliar a prova chegou a US$ 80 milhões no ano passado, de acordo com as cifras oficiais.

Esse número não inclui os salários pagos aos educadores durante o período de testes e avaliação. Segundo estudo de um grande sindicato de professores, SNPDEN, o "custo verdadeiro" dos bacs geral e técnico somam US$ 2 bilhões.

Dada a facilidade relativa de passar na prova, a principal função do bac agora parece ser identificar e punir os alunos mais fracos, no entender do sindicato dos professores. Ainda segundo o sindicato, na verdade, o Estado paga quase US$ 2 bilhões para impedir cerca de 60 mil estudantes de entrar no ensino superior, muito mais do que US$ 30 mil por aluno fracassado.

— Os resultados talvez fossem mais bem aplicados ajudando os estudantes a terem sucesso — afirmou o sindicato em comunicado oficial, em junho.

Para outros críticos, estudantes demais conquistam o bac hoje em dia. Em vez de ele elevar 80 por cento dos alunos ao nível do teste, "nós colocamos o baccalauréat no nível de 80 por cento dos alunos", escreveu neste ano Jacques Julliard, colunista da revista digital Marianne.

Na verdade, o teste não tem muita eficácia com filtro para o ensino superior. Nas universidades públicas francesas, menos da metade dos calouros, todos eles bacheliers, passa para o segundo ano.

De acordo com muitos críticos, a prova não avalia as capacidades mais relevantes dos alunos.

— Na França, nós avaliamos essencialmente o conhecimento bruto, não as habilidades. Só que assim é o sistema francês como um todo — disse Emmanuel Davidenkoff, editor da revista de educação "L'Étudiant".

Por exemplo, o ex-presidente Nicolas Sarkozy ficou famoso ao lamentar que "A princesa de Clèves", romance do século XVII, fosse incluído por um "sádico ou um imbecil" em um concurso para postos de nível básico do Estado.

A mudança é lenta. Nos últimos anos, os legisladores sugeriram incluir as notas em sala de aula nos critérios para diplomas, disse Davidenkoff, mas desistiram da proposta após os protestos estudantis.

Muitos argumentam que contabilizar as notas em sala de aula seria uma traição ao ideal igualitário francês, pois os padrões de nota variam entre escolas e professores.

— Todo mundo é mais ou menos igual diante do bac — disse Corentin Durand, 17 anos, representante na Union Nationale Lycéenne, o maior sindicato francês do ensino médio.

Marion Legal, 17, mostrava menos entusiasmo.

— Eu não entendo essa coisa — disse Legal, diante do Lycée Condorcet em uma recente manhã nublada. Segundo ela, um "diploma de referência" é uma medida útil para conseguir emprego, mas o bac provavelmente não é o ideal. Legal se preparava para começar o teste de filosofia de quatro horas de duração.

Uma das perguntas era "o que devemos ao Estado". Presumivelmente, respostas criticando o bac não foram bem recebidas.

THE NEW TORK TIMES SERVICE
Ed Alcock / NYTNS

Mais de 70 por cento dos jovens franceses tiram o bac hoje em dia
Foto:  Ed Alcock  /  NYTNS


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