Em meio à recente onda de mobilização popular e de protestos pelo país, discutir política e administração pública está "com tudo". Quatro anos antes dos protestos que tiveram início há cerca de duas semanas, o jovem Saulo Francisco Paganela já se engajava na política. Na época com apenas 16 anos, ele participou da campanha da então candidata à presidência da República Marina Silva.

Hoje ele é voluntário, em Florianópolis da Rede Sustentabilidade (REDE), partido fundado pela ex-ministra e ex-senadora Marina Silva em fevereiro deste ano. Como forma de transformar esse interesse e gosto em profissão, Saulo escolheu fazer graduação em Administração Pública.

Para tirar as últimas dúvidas que restavam a respeito dessa escolha, encontrou-se com Diego da Rocha Piazza, 27, formado no curso da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) em 2010 e hoje funcionário da SC Parcerias S/A, entidade responsável por desenvolver e gerenciar projetos estratégicos do governo a partir de parcerias público-privadas.

Como foi o bate-papo

Com o crescimento da procura pela formação em Administração Pública, como fica o mercado?
A demanda por profissionais é grande. Além da maior procura do governo por gente formada na área, o curso de Administração Pública forma para atuação dentro e fora do governo. Mais e mais empresas privadas estão desenvolvendo projetos de responsabilidade social, por exemplo, o que pode abrir portas para formados em Administração Pública. Também existem consultores de empresas que prestam serviços para o governo.

Pode-se ainda trabalhar em Organizações Não Governamentais (ONGs), ou fazer concursos. Alguns colegas de faculdade hoje são assessores do governador, outros trabalham a nível federal.

Como posso ingressar na Política?
Gostar de política, como você mencionou que gosta, já é um grande passo. A maioria das pessoas foge da política, para ir atrás dela é preciso coragem. Uma opção é, por exemplo, abrir uma empresa de consultoria a políticos. É importante ressaltar que cada esfera do governo é um universo próprio. Tudo vai depender muito de você "se encontrar" também.

No que a internet pode ajudar e no que ela pode atrapalhar a política?
Vejo que existem mais pontos positivos do que negativos. A internet traz o Estado para as mão do cidadão — literalmente, considerando o aumento do acesso à rede a partir de aparelhos celular. A mobilização das pessoas a partir da comunicação na internet, em redes sociais, tem se tornado cada vez mais comum e marcante. Mas apesar da ferramenta, a política ainda depende do próprio cidadão.

Ter facilidade em Matemática pode ajudar no curso e na profissão?
Sim. O curso não é essencialmente matemático, claro, mas você vai encontrar algumas disciplinas ligadas à área de exatas, como finanças públicas, estatística e cálculo. Existe espaço para administradores públicos em diversos institutos de pesquisa, por exemplo, onde o conhecimento em matemática é necessário.

Que dicas você daria para aproveitar e se dar bem no decorrer do curso?
O mais importante é: não fique apenas na sala de aula. Aproveite os laboratórios, projetos e o clima da universidade. Também não espere se formar para, só depois, começar a fazer alguma coisa. Se arrisque e se insira no mercado de trabalho desde o início do curso. Existem muitos estágios na área pública em Florianópolis, e que pagam bem. A universidade é o aluno quem faz!

Assista ao depoimento de Diego da Rocha Piazza



Quem é Diego da Rocha Piazza

Natural de Meleiro, interior de Santa Catarina, Diego da Rocha Piazza já nutria de berço um interesse por política e pelo setor público — o pai foi presidente de partido e a mãe, vereadora. Quando ingressou no curso de Administração Pública, se interessou por gestão de eventos no Diretório Acadêmico, e depois trabalhou como bolsista professor José Francisco Salm Júnior, que enxerga como um grande mentor. Durante essa experiência, aprendeu a elaborar metodologia para sites e plataformas online, e assim surgiu o interesse pela área de governo eletrônico, com a qual trabalha até hoje.

Em 2009 Diego trabalhou na Secretaria de Estado da Administração, e lá ajudou a criar o Portal do Servidor Público. Hoje trabalha como gestor de Tecnologia da Informação na SC Parcerias.

Saulo Saulo Francisco Paganelo

O vestibulando nasceu em Ilópolis, interior do Rio Grande do Sul, e veio para Florianópolis em 2010, quando prestou vestibular para Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Não foi aprovado, e acabou mudando de ideia a respeito do curso. Apesar de ser muito interessado em política e História, também gostava muito de Química no ensino médio, e por isso resolveu se arriscar e fazer graduação na área. Começou o curso de Química na UFSC no segundo semestre de 2012, e logo percebeu que não se encaixava. Para ele, a Administração Pública une muitos de seus interesses.

— Eu tinha 99% de certeza que iria prestar o curso. A conversa com o Diego completou o 1% que faltava.

Saulo pensa em aproveitar as dicas de Diego e já tentar se inserir no mercado no início do curso.

Por dentro da carreira

Opções de atuação
A professora do curso de Administração Pública da Udesc Patrícia Vendramini realizou, em 2012, uma pesquisa com mais de 80 egressos do curso e constatou que cerca de 50% deles está na área pública (nos níveis municipal, estadual e nacional). Logo que ingressam no curso, relata a professora, a maioria dos estudantes tem como objetivo atuar nessa área a partir de concursos públicos. Alguns egressos estão em ONGs, outros possuem empresas próprias de consultoria voltada para a área pública, outros estão em organizações da sociedade civil, associação de moradores, partidos políticos, ou investiram na carreira acadêmica voltada para a docência.

Mais gratificante
Para Diego, estar à disposição da sociedade e poder servir e ajudar é o que mais traz satisfação ao profissional da área. A professora Patrícia Vendramini tem opinião semelhante. Ela entende que ver o resultado na comunidade, quando as coisas melhoram ou a própria gestão pública melhora, esse profissional sente que está fazendo o seu papel.

Mais difícil
Diego enxerga o desperdício de bens públicos como um grande desafio. O setor público precisa gastar menos, e de maneira mais eficiente. A burocracia, o excesso de autoritarismo e a impessoalidade excessiva, que não flexibiliza as relações de trabalho, também são aspectos prejudiciais presentes na área da administração pública. Para a professora Patrícia Vendramini, o reconhecimento da administração pública como uma área independente da Administração empresarial também é um grande desafio.

Do que precisa gostar
Para a professora Patrícia Vendramini, é muito importante que o administrador público tenha uma boa comunicação e interaja com as pessoas. Gostar de gerenciar e de planejar o futuro, tudo sempre com base em princípios éticos fortes, é o que guia esse profissional. Ter o espírito voltado para a inovação também ajuda. Acima de tudo, o administrador público, como qualquer cidadão, precisa reconhecer o valor da democracia e o seu próprio papel na sua manutenção.

Disciplinas e tempo de duração
O curso de Administração Pública da Udesc tem duração de oito semestres e completa dez anos em 2004. Foi concebido com a ideia de que os serviços públicos são voltados para a comunidade. Diferente da Administração empresarial, que foca o desempenho e o lucro de uma entidade, o estudante de Administração pública estuda e trabalha para que os órgãos públicos tenham um melhor desempenho, para desenvolver políticas públicas que favoreçam a sociedade e para incentivar a cidadania.

Nas primeiras fases do curso, o foco são disciplinas são mais teóricas, como Filosofia e Fundamentos do Direito. A partir do terceiro período os alunos têm mais contato com a prática, a partir de disciplinas como Gestão de Sistemas de Informação e de projetos como o Agir na Cidade, que tem por objetivo promover o engajamento cidadão na esfera pública em iniciativas de combate à corrupção, melhoria da qualidade da gestão pública e monitoramento da qualidade de vida nas cidades, e de laboratórios como o LASP — Laboratório de Aprendizagem em Serviços Públicos.

O curso vai se tornando mais específico, com aulas de finanças e de orçamento público, relações intergovernamentais, políticas públicas e governo eletrônico.

Mercado de trabalho
Com a atual explosão de concursos públicos e a expectativa de milhares de vagas sendo abertas para níveis estratégicos, o profissional formado em Administração Pública sai na frente. De acordo com a professora Patrícia Vendramini, a área pública em si, incluindo as diferentes esferas do governo, tem demandado cada vez mais profissionais com formação na área. Empresas privadas também absorvem profissionais para o desenvolvimento de projetos sociais e em trainees para recém-formados.

Salário inicial
O Conselho Regional de Administração de Santa Catarina (CRA-SC) informa que não existe um piso salarial estabelecido por lei para o administrador. Para quem presta serviços de consultoria, existe uma resolução normativa que sugere o valor de R$ 57 para uma hora técnica de serviço e 40 horas técnicas semanais, o que resultaria em um salário de R$ 2.280. A professora Patrícia Vendramini comenta que os órgão têm a liberdade de determinar a remuneração de acordo com as demandas e exigências de cada cargo e com o edital do concurso. Os órgãos da Justiça são os que pagam salários mais altos. E o executivo municipal é o que, em geral e em média, oferece remunerações mais baixas.