A Educação Precisa de Respostas | 17/06/2013 09h47min
É no nono andar do prédio do Ministério da Educação (MEC) que o ministro Aloizio Mercadante despacha, mas ultimamente tem sido visto com frequência no Palácio do Planalto, em reuniões com a presidente Dilma Rousseff. É figura constante também nas viagens presidenciais. Sua projeção junto ao staff de Dilma é recente. No começo do governo, Mercadante ocupava o ministério da Ciência e Tecnologia, mas à frente da pasta colocou em pé o programa Ciência sem Fronteiras, hoje uma das joias do governo. É Mercadante quem vem costurando os apoios à reeleição de Dilma, sendo responsável direto pelo retorno do PR e do PTB ao governo.
Embora seja a articulação política que o seduza, Mercante mantém um estilo professoral quando o assunto é educação. Municiado de dados — brinca que a presidente gosta de números com nove casas depois da vírgula —, mantém ao lado de seu gabinete um totem com um programa com todas as informações do ministério. A situação de uma creche no Interior do país está ao alcance de um clique no mouse.
Apesar da desenvoltura, é a discrição que tem feito o ministro galgar degraus no coração da presidente. Hoje, comenta-se, que é o único com coragem de discordar de Dilma, mas jamais em público. É essa lealdade que o projeta como o futuro ministro da Casa Civil na próxima reforma. Mas, até lá, toca o ministério com a ajuda do gaúcho José Henrique Paim, o secretário-executivo, a quem não cansa de elogiar.
Antes de embarcar com Dilma para um périplo por Portugal e Uruguai, recebeu Zero Hora para uma conversa que durou uma hora. Era um dia tenso de mais uma das coletivas sobre dados do Enem. A fórmula para acalmar o ministro, contudo, a secretária do MEC já descobriu — todos os dias, no final da tarde, ela serve chá de maracujá com gergelim.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Zero Hora — O governo pretendia concluir um plano para o Ensino Médio ainda no início de junho. Qual é a perspectiva de lançá-lo?
Aloizio Mercadante — Estamos trabalhando fortemente com secretários estaduais e municipais para concluir no máximo em julho. O Ensino Médio é a maior dificuldade que temos na educação brasileira. É onde o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra certa estagnação. Temos cerca de 8,5 milhões no Ensino Médio. E nos últimos 15 anos trouxemos cerca de 5 milhões de estudantes a mais. A inclusão é fantástica, mas há ainda 3,5 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão com a idade/série defasada, não estão no Ensino Médio como deveriam estar. Então o pacto que estamos fazendo com os secretários é: não deixar nenhum jovem para trás. Temos que buscar quem está fora da escola.
DEFASAGEM NO ENSINO MÉDIO: Em 2011, foram reprovados 13,1% dos alunos de Ensino Médio no Brasil, e outros 9,5% abandonaram a escola. O 1º ano do EM registrou a maior proporção de reprovações, com 18%.
ZH — Qual é o gatilho para que o jovem não deixe a escola?
Mercadante — Em 2000, 54,9% dos jovens estavam atrasados. Hoje, 31,1%. Evoluímos bastante, e continuamos com uma curva descendente. O abandono também está ligado à relação idade/série. Ele está estudando, aí começa a constituir família, a competir no mercado de trabalho, acaba abandonando a escola. Então, uma das opções que estamos oferecendo aos Estados é o telecurso. É um modelo consagrado que ajuda a atingir esse público.
ZH — Como está o programa de inclusão digital nas escolas?
Mercadante — Precisamos oferecer ferramentas para fortalecer as redes estaduais, onde estão 88% dos alunos do Ensino Médio. Por exemplo, 600 mil professores de Ensino Médio estão recebendo tablets com material didático em PDF, aulas em vídeo, mais de 2 mil objetos pedagógicos, como mapas, tabela periódica, corpo humano... Incluem as aulas traduzidas do professor Khan (O professor Salman Khan, que se tornou popular entre estudantes e educadores após divulgar na internet seu método). Teremos também projetores digitais em todas as salas de aula. É um ambiente de internet em sala de aula com conteúdo digital embarcado.
ZH — Certa vez, o senhor disse que tínhamos quadros negros do século 18, professores do século 20 e estudantes do século 21. Segue assim?
Mercadante — Os alunos são digitais e a geração de docentes, em geral, é analógica. A gente está começando pelo professor porque nada acontece em sala de aula sem o professor. À medida que o professor liderar o processo de inclusão digital, os resultados vão ser melhores. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, já entregamos 2.608 projetores digitais e 22.591 tablets.
Em vídeo, confira um trecho da entrevista com o ministro:
ZH — O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa trabalha com uma meta de ensinar a ler e escrever até os oito anos. Não é muito tempo?
Mercadante — É de até oito anos. Porque nós vivemos em um país muito heterogêneo. Se você pegar os dados de Paraná e Santa Catarina, em que 5% das crianças não sabem ler até os oito anos de idade, e dizer que esses Estados vão reduzir para sete, seis anos de idade, é bastante razoável. Só que você tem de comparar isso com Estados como Alagoas, em que 35% das crianças não conseguem aprender a ler e escrever até os oito anos na escola. Maranhão, 34%, Pará, 32%. A média é 15%, mas a diferença é muito grande entre o Sul e o Norte. Se nós conseguirmos que todas as crianças aprendam a ler e a escrever no Brasil até os oito anos, teremos feito uma revolução. O Pacto envolve uma bolsa de estudos para os 360 mil professores alfabetizadores, tem 15 mil monitores. Temos 38 universidades trabalhando neste programa e todo material pedagógico docente e para as crianças integrado para as três primeiras séries. É o programa em que nos baseamos para o Ensino Médio.
ZH — O que está sendo feito para valorizar os professores?
Mercadante — Nosso primeiro foco será dentro do próprio Ensino Médio. Há uma grande defasagem de professores de matemática, química e física. Vamos fazer o programa Quero Ser Cientista, Quero Ser Professor. Neste ano, serão 75 mil bolsas para iniciação docente. Dessas, 10 mil são para física, química, biologia e matemática. Nessas áreas de exatas, estamos com menos de 3% das matrículas no Ensino Superior. Esse público é o foco no Ensino Médio. Temos 2 mil alunos medalha de ouro em matemática. Só que eles receberiam uma bolsa apenas ao ingressar na universidade. Agora vamos dar bolsa já no Ensino Médio. O segundo foco é o redesenho curricular.
FALTA DE PROFESSORES: Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 48% dos acadêmicos de Matemática e 52% dos estudantes de Física da instituição não desejavam ou tinham dúvidas sobre seguir a carreira de professor.
ZH — Diminui o número de disciplinas?
Mercadante — Temos que sair desse currículo enciclopédico no Ensino Médio. São de 13 a 19 disciplinas em quatro horas e meia de aula. A nossa proposta é articular as disciplinas em torno das quatro áreas do Enem: matemática, linguagem, ciências exatas e ciências humanas. Se o aluno está interessado no Enem, vamos usá-lo para dialogar com o currículo. Isso e aumentar a jornada escolar em, no mínimo, cinco horas. Nunca teremos educação de qualidade se não tivermos tempo integral.
ZH — Os Estados conseguirão pagar os professores com essa carga horária?
Mercadante — A ideia é complementarmos o recurso para o ensino em tempo integral. No RS, já temos em 1.021 escolas estaduais e 857 do município. Sobre o piso, é uma exigência indispensável para que se possa melhorar a educação. O MEC reconhece que é um esforço pesado para os Estados e municípios, porque os reajustes vêm crescendo além das receitas. O caminho é enviar ao Congresso uma proposta de mudança no cálculo do piso, e votarmos neste ano. Ainda não temos estrutura para o ensino integral no Brasil. Para dar qualidade, carreira e salários dignos para professores, precisamos de mais recursos. E eu só vejo um caminho: os royalties do petróleo.
PISO: Alguns Estados, incluindo o RS, discordam do indexador usado para calcular o reajuste anual do piso, que hoje está em R$ 1.567
ZH — É possível mensurar o impacto dos royalties na educação?
Mercadante — A exploração por 30, 35 anos apenas do Campo de Libra, que o governo colocou em licitação, terá um impacto de mais ou menos US$ 1 trilhão na economia brasileira. Qualquer que seja a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a partilha desse recurso, para frente tem muita coisa para ver. Pelo menos para os próximos 10 anos, vamos desenhar um objetivo estratégico de mudar a natureza do desenvolvimento brasileiro. Já somos a sexta economia do mundo, mas nunca seremos desenvolvidos se não resolvermos a educação. Segundo: o petróleo vai acabar. Precisamos criar um Brasil pós-petróleo. Nada mais lógico do que usar esse recurso para preparar o Brasil para a sociedade do conhecimento.
VERBAS PARA A EDUCAÇÃO: Projeto de lei enviado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff que destina 100% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social extraído da camada pré-sal para o financiamento da educação foi incorporado ao texto do Plano Nacional da Educação (PNE) — que prevê aplicação, até 2020, de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação.
ZH — Por que o senhor acha que algumas universidades ainda não usam o Enem? A UFRGS, por exemplo.
Mercadante — É uma universidade excelente. As grandes já aderiram. Nós estamos aguardando. Cada faculdade gasta R$ 5 milhões para fazer um vestibular próprio. Qual é a diferença entre vestibular e Enem? Isonomia. Quem tem dinheiro pode pagar cinco, 10 taxas, pegar avião e sair fazendo vestibular pelo Brasil. Outra diferença: hoje o aluno pega a nota dele (no Enem), senta no computador e vai ter 4 mil cursos no Brasil para escolher, pelo Sisu. Se ele não entrou numa federal, vai ter 1,2 milhão de bolsas do ProUni, 905 mil contratos do Fies. Fora o Ciência sem Fronteiras, que ele só vai ingressar se fizer o Enem. E tomamos uma decisão: nenhum estudante mais será enviado a Portugal. A segunda língua será parte do aprendizado.
ZH — Existe algum país em cujo modelo de educação o Brasil se espelha?
Mercadante — Há diversos países com educação de excelência. A Finlândia, por exemplo, é uma referência, mas é um país pequeno. A Coreia do Sul também é um país pequeno. As boas práticas a gente sabe onde estão e dialogamos com elas. Há vantagens de nós sermos um país de capitalismo tardio. Tudo aqui acontece mais tarde, mas acontece mais rápido, porque a gente aprende com os erros dos outros. Exemplo: aumentamos em 150% o número de vagas de Ensino Superior. Chegamos a 7 milhões. Mas sabe quantos querem entrar? Outros 7,18 milhões só de inscritos no Enem. Quantos ingressam? Apenas 1,1 milhão. São 6 milhões que não vão entrar.
ZH — E como promover a pesquisa?
Mercadante — O Ciência sem Fronteiras vai dar um salto com a parceria com grandes universidades. E como a crise na Zona do Euro é grande, há muitos talentos dispostos a vir para o Brasil. Nós temos de criar estruturas para receber esses pesquisadores, que hoje estão engessadas. Foram 20 anos de uma diáspora de cérebros. Seremos um ímã de atração.
ZH — Como fica o MEC se o senhor for candidato ao governo de São Paulo ou for para a Casa Civil, como se comenta?
Mercadante — Não existe nenhuma chance de eu ser candidato nessa eleição. O partido foi avisado. O presidente Lula foi avisado. Eu falei que faria o que fosse melhor para a presidenta Dilma e o melhor é eu continuar no governo. É o que ela acha e é o que eu farei. Acho que não tem nada mais honroso do que ser ministro da Educação de um país. É o maior desafio que nós temos, é o que eu estou fazendo. Agora, se eu vou ocupar alguma outra função no governo, não adianta perguntar para mim. Vocês perguntem para a presidenta Dilma que eu tenho certeza que ela vai contar (risos).
* carolina.bahia@gruporbs.com.br
** klecio.santos@gruporbs.com.br
Mercadante: "Os alunos são digitais e a geração de docentes, em geral, é analógica"
Foto:
Edilson Alves
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