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Entrevista  | 26/04/2013 14h11min

Entrevista com Madhav Chavan, presidente de uma das maiores ONGs voltadas à educação da Índia

Pratham, entidade fundada por Chavan, trabalha em parceria com voluntários para qualificar educação precária do segundo país mais populoso do mundo

Diogo Figueiredo  |  diogo.figueiredo@gruporbs.com.br

Há quase 20 anos, Madhav Chavan tomou uma decisão que mudou a sua vida — e a de milhões de indianos. Depois de uma temporada nos Estados Unidos na década de 80, onde concluiu seu doutorado e pós-doutorado em química, o pesquisador voltou a Mumbai, sua cidade natal. Em 1994, foi um dos fundadores da Pratham, organização não governamental que atua na alfabetização e no ensino de matemática de cerca de três milhões de indianos por ano.

No ano passado, o trabalho à frente da entidade lhe rendeu o prêmio Wise, uma das mais importantes premiações em educação de todo o mundo. Confira a seguir o que Chavan tem a dizer sobre a educação de seu país e sobre os principais desafios do ensino contemporâneo.

Como um doutor em Química resolveu alfabetizar e ensinar matemática a crianças indianas?

Madhav Chavan — Bem, isso começou há cerca de 24 anos. Eu era professor de Química e fui convidado por um membro do partido democrata indiano, devido ao meu background político. Ele estava impressionado com o fato de que muitas pessoas eram incapazes de ler. E esse foi um ponto de mudança na minha vida. Eu decidi que deveria me envolver com o problema da alfabetização. A outra questão era que o governo do primeiro ministro Rajiv Gandhi estava lançando missões para modernizar a economia e a sociedade indiana, e uma delas era a Missão Nacional de Alfabetização. O objetivo dessa missão era que o governo ensinasse as pessoas a ler e escrever. A missão era para a alfabetização de adultos, e por volta de 1991 a economia entrou em crise, e por causa disso o projeto não funcionou conforme deveria. Depois surgiram propostas das Nações Unidas, envolvendo a sociedade e o mercado, como meio para resolver problemas educativos, pensar soluções e o uso de recursos. Foi assim que eu entrei na Pratham. Nessa época eu saí do laboratório de química e fui para um laboratório social, com pessoas.

Qual o impacto que o senhor sentiu ao se deparar com a educação americana?

Chavan — É muito diferente, tanto na maneira de ensinar quanto na de aprender. A maior diferença não era apenas uma questão de ter mais recursos, mas também na maneira de ver os problemas e de resolver questões atuais. Enquanto na Índia se trabalhavam problemas de 30 ou 40 anos, nos Estados Unidos nós trabalhávamos o que estava acontecendo no momento. Essa era uma grande diferença.

A realidade da Índia hoje é diferente. Atualmente, quase 96% das crianças indianas estão em sala de aula.

Chavan — Na verdade elas estão matriculadas. Em muitos estados 40% ou até mesmo 50% não vão até a escola. Esse é um grande problema. Nós devemos analisar sob essa perspectiva. O governo providenciou escolas em quase todas localidades, mas frequentar essas escolas é uma questão básica, assim como a qualidade da aprendizagem.

Quais são as causas dessa desistência?

Chavan — Em muitos casos elas não vão à escola porque a consideram improdutiva, chata. Algumas vezes o professor pode até não estar lá, pode estar ensinando algo que as crianças não entendem. Há muitas causas. Mas há uma diferença entre não ir à escola e evadir, que é simplesmente deixar de frequentá-la. Há muitas razões para isso, mas a principal é que a escola não é produtiva. Os próprios pais conseguem perceber que a criança não está aprendendo e preferem que ela desenvolva habilidades que podem servir para um futuro emprego, por exemplo. Nossa experiência é que quando a escola é eficiente as crianças querem estar nela. Elas são curiosas e gostam de aprender. O sistema de ensino não funciona se não for produtivo. Há crianças que irão para a escola, seja ela boa ou ruim. Mas há aquelas cujos pais não se importam, então elas acabam desistindo.

Então é necessário trabalhar tanto com as crianças como com os pais?

Chavan — Os pais já sabem que educação é importante. A questão é que eles não sabem como dar um ensino de qualidade para seus filhos. Eles percebem se a escola funciona de fato, mas não sabem o que fazer a respeito. A frustração de não ter uma boa educação acaba gerando uma apatia nos pais.

Quão longe o ensino indiano está da educação de primeiro mundo?

Chavan — Um século. Existe uma elite na Índia, principalmente no setor de softwares e até mesmo em tecnologia espacial. Mas isso não basta. Nós estamos muito longe.

A Índia é conhecida por exportar ‘cérebros’ para o mundo todo...

Chavan — São números modestos, considerando que é um país com mais de um bilhão de pessoas. Eu gostaria que esses talentos pudessem estar na Índia, enquanto eles estão trabalhando em outros países. Há muito que ser feito.

Esses cérebros que deixam a Índia também contribuem financeiramente com a Pratham? Como é sensibilizar essas pessoas?

Chavan — Na década de 1990 os indianos que passaram a viver nos Estados Unidos ficaram conscientes de que eles poderiam retribuir muito ao seu país. Nós recebemos cerca de 6 milhões de dólares de pessoas dos Estados Unidos e Inglaterra. Se é o suficiente ou não é outra questão, mas eles estão contribuindo. Eu penso que a próxima geração, que já nasceu em um país estrangeiro, seguirá conectada à terra de seus pais.

Como é possível melhorar o desempenho dos professores?

Chavan — Existe um certo aspecto evolutivo em todas as sociedades. A razão de sermos um país em desenvolvimento é porque nossos recursos humanos não são bons. Não são apenas os professores, mas de maneira geral a população está mal preparada. A questão principal é sabermos o que fazer considerando o nosso estado de desenvolvimento. Infelizmente ainda estamos copiando o que os países desenvolvidos fizeram há 15 anos, mas esses países mudaram. Eu penso que a Índia deveria investir no ensino da escrita e da leitura, o que não acontece hoje. Ainda existe o velho hábito de decorar o conteúdo. Depois de ensinar o básico, é preciso definir objetivos a serem alcançados.

A Pratham trabalha com o governo. Como é essa relação?

Chavan — Os políticos não estão engajados e a melhoria da educação não é uma prioridade entre eles. O problema é que as pessoas, incluindo os políticos, não sabem o que é uma boa educação. Um dos problemas é que as pessoas das classes mais altas acabam matriculando seus filhos em escolas privadas, o que vem acontecendo cada vez mais. No fim, elas estão mais preocupadas com questões de classe do que com a educação como um todo. Isso é preocupante. Nós precisamos ter políticos mais engajados. E hoje eles podem até ter boas intenções, mas não estão engajados.

E o que seria uma boa educação?

Chavan — Bem, pensando na educação de hoje, as crianças deveriam estar aptas a aprender a aprender. Isso é uma boa educação. O conhecimento de hoje não está nos livros didáticos. As crianças de hoje estão lidando com a informação da internet, que circula por todo o mundo, e elas deveriam ter as ferramentas para poder ler, pensar e analisar, e não apenas memorizar alguns dados. Outra parte da boa educação é poder trabalhar com as próprias mãos. Muitas crianças não sabem fazer isso, o que é um problema grave.

As novas tecnologias, como smartphones e tablets, facilitam o trabalho da Pratham, ou ainda são uma realidade distante?

Chavan — Há muitos problemas, como o preço, que deve ser reduzido, mas ainda é uma preocupação central. Em áreas rurais a conectividade é um grande entrave. Smartphones podem ajudar muito, mas acredito que ainda não os estamos utilizando da maneira correta. Uma questão importante é que a maioria do conhecimento disponível não está em nenhum dos idiomas falados na Índia, então quem quiser aprender tem que antes saber inglês. Enquanto não resolvermos esse problema teremos uma limitação. O problema de hardware, nesse caso, é menor.

A Pratham é reconhecida por trabalhar com baixos orçamentos. Os países em crise têm o que aprender com esse tipo de limitação?

Chavan — Nós trabalhamos com baixo custo porque usamos trabalho voluntário, mas nós não somos um sistema de ensino convencional. Se fôssemos pagar salários para professores e funcionários, nossas despesas seriam muito maiores. Dito isso, nós devemos repensar a educação do futuro. Ela pode ter um menor custo, mas eu não acho que isso vá mudar substancialmente nos países desenvolvidos. Uma educação cara não é necessariamente uma boa educação, mas não posso afirmar que os países ricos têm algo a aprender conosco.

Quais a limitações do trabalho voluntário?

Chavan — A desvantagem é que as pessoas vêm e vão, e sempre têm que ser treinadas. A escassez do tempo também é um fator importante. A vantagem é que os voluntários entusiasmados podem fazer um trabalho muito melhor que o de professores desmotivados. As limitações são claras, mas não tão grandes quanto as pessoas imaginam.

Qual o principal desafio atual da educação?

Chavan — Globalmente a educação sofre grandes mudanças. Nós estamos em um sistema criado na época da revolução industrial. Hoje nós vivemos em uma época de trabalho não linear, e isso vai se refletir na educação. Na internet é possível aprender sem seguir os passos convencionais, e é preciso se adaptar a isso.

Divulgação / Divulgação

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Foto:  Divulgação  /  Divulgação


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