| 04/02/2013 06h31min
A veiculação de um vídeo mostrando a ação de agentes dentro do presídio regional de Joinville estabelece uma estranha coincidência nos atentados em Santa Catarina: mais uma vez, os ataques ocorrem logo após a denúncia de maus-tratos dentro do sistema penitenciário.
Em novembro do ano passado, as queixas contra o tratamento dispensado a presos em São Pedro de Alcântara chegaram a ser usadas até para explicar a execução da agente penitenciária Deise Alves, em 26 de outubro de 2012, morta por engano no lugar do marido, o então diretor da penitenciária, Carlos Alves. Logo depois, uma revista nas celas do mesmo presídio vazou na internet, mostrando um suposto abuso de força por parte dos servidores públicos. Agora, um vídeo divulgado com exclusividade pelo jornal A Notícia, do Grupo RBS, mostrou agentes disparando balas de borracha, bombas de efeito moral e gás de pimenta contra presos nus ou vestindo apenas cuecas. A gravação teria ocorrido no dia 18 de janeiro – 14 dias antes de os atentados chegarem pela primeira vez à cidade de Joinville, que passou incólume pelos ataques de novembro.
O Departamento de Administração Prisional (Deap) prometeu apuração rigorosa. Há um único acontecimento fora do script na comparação com 2012: o anúncio do afastamento dos envolvidos no episódio de Joinville. A medida atinge também o responsável pelo pente-fino realizado no presídio. O nome não foi revelado, mas o diretor do Deap, Leandro Lima, afirmou que ele aparece nas imagens divulgadas pela Justiça. Nas agressões ocorridas no pátio um da unidade prisional estavam 14 agentes penitenciários. A corregedora da Secretaria de Justiça, delegada Carolini Vicente Campos, explicou que nem todos os funcionários cometeram excessos. A investigação vai identificar os responsáveis, afastá-los por 60 dias e instaurar um procedimento administrativo. O diretor do Deap acredita que 10 agentes penitenciários devem ser atingidos pela medida. O grupo também deve responder a um inquérito policial e futura ação penal.
Eles podem pertencer a qualquer unidade prisional de SC. São homens que fazem um treinamento especial para trabalhar em intervenções táticas. No momento em que uma operação é montada, são convocados. Pelos excessos, também serão chamados para prestar depoimento. Mas o histórico demonstra que não há garantia de punição. O rito a ser seguido é o mesmo anunciado em novembro do ano passado, quando até o ouvidor nacional da Secretaria de Direitos Humanos esteve em Santa Catarina. Também é repetição das medidas adotadas em 2009, quando imagens de presos sendo espancados e tendo as cabeças enfiadas em privadas foram tornadas públicas. Nem mesmo este caso – que completará quatro anos – tem punição conhecida aos responsáveis.
BO se contrapõe às cenas da cadeia
Na versão oficial registrada na Polícia Civil sobre os episódios de 18 de janeiro no Presídio Regional de Joinville, foram os agentes penitenciários que correram risco de sofrer lesões. O Boletim de Ocorrência foi registrado no mesmo dia – antes mesmo da revista acabar – e aponta que os presos ofereceram resistência. Um detento teria tentado agarrar as pernas de um agente penitenciário e houve xingamentos e ameaças. Mas o relato é desconstruído nas imagens gravadas pela câmera do pátio. Elas mostram outra realidade, descrita pelo juiz João Marcos Buch da seguinte forma: “se percebe claramente agentes do Deap na área de banho de sol do Pavilhão 4, disparando à queima roupa armas ao que parece calibre 12 com munição não letal, bombas de efeito moral, gás de pimenta e também dando ‘voadoras’ calçadas com botas e coturnos, tudo diretamente contra detentos nus”.
O diretor do Departamento de Administração Prisional, Leandro Lima, disse que não teve acesso ao Boletim de Ocorrência. Ele não concorda que as agressões possam ter causado a segunda onda de ataques a Santa Catarina. No entanto, admite que o acontecimento precisa ser considerado.
Investigação ainda não foi concluída
Criteriosa investigação. Este foi o termo usado pela segurança pública para apurar dezenas de denúncias de agressões na Penitenciária de São Pedro de Alcântara nas semanas anteriores à primeira onda de atentados, em novembro do ano passado. No calor dos acontecimentos, foram realizados 69 exames de corpo delito em detentos, houve reuniões do Ministério Público e pronunciamentos duros da Corregedoria do Tribunal de Justiça.A Com o retorno à normalidade, o caso foi esquecido. Nem a investigação terminou.
A perícia das imagens é a peça que falta para fechar o quebra-cabeça, declara Rodolfo Serafim Cabral, delegado responsável pelo inquérito. Ele conta que dos 69 exames de corpo delito, em 70% foram constatadas lesões de média e leve intensidade, causadas por tiros nas pernas, joelhos e costas. A única exceção foi um preso com o pé quebrado.
Nos depoimentos, pelo menos 20 agentes e o então diretor da penitenciária, Carlos Alves, alegaram que usaram a força para conter um princípio de motim. Eles mostraram trechos de manuais usados em cursos de intervenção tática para sustentar tais versões. O delegado garante que está perto de encerrar o caso. Espera só o laudo com imagens da unidade prisional para tirar as conclusões e definir se indicia os suspeitos.
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