A Educação Precisa de Respostas | 08/01/2013 15h10min
Ao longo dos últimos anos, o economista gaúcho Gustavo Ioschpe tem se debruçado sobre as dificuldades da educação brasileira em artigos, programas de TV e debates. Parte desse trabalho está reunida agora em livro, em uma compilação de textos publicados na revista Veja. As 250 páginas de O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer? compõem um volume importante de estatísticas, análises e propostas para qualificar o trabalhodesenvolvido nas escolas do país.
Mestre em economia internacional e desenvolvimento econômico pela Universidade de Yale, nos EUA, e pesquisador da economia da educação, Ioschpe argumenta que as famílias precisam estar conscientes da realidade do ensino brasileiro para que as mudanças em direção à qualidade se transformem em prática. Confira abaixo trechos da entrevista concedida.
Cultura – Em um dos textos do livro, está colocado que 80% da diferença de aprendizado entre alunos de escolas públicas e privadas está relacionado ao nível sociocultural dos pais. Como as famílias devem entender esse número?
Gustavo Ioschpe – Devem entender como um alerta duplo. Primeiro, de que o seu papel é fundamental para o sucesso educacional dos filhos. Alunos que vêm de casas onde o saber é valorizado, onde há livros e acesso a bens culturais, que são estimulados pelos pais, têm desempenho acadêmico melhor. Não basta aos pais, portanto, achar que sua tarefa termina no momento em que coloca o filho em uma escola, mesmo que seja uma boa escola. E, segundo, que a ansiedade que vitima muitos pais sobre a decisão da escola em que vão matricular o filho é muitas vezes desnecessária. A base familiar é mais importante do que a escola, infelizmente, na determinação do aprendizado dos filhos. Digo“infelizmente” porque isso significa que os alunos de famílias de alto nível sociocultural têm uma enorme vantagem em relação aos alunos desfavorecidos, e seria necessária uma escola pública excepcional para contrabalançar essa diferença de berço, e o que vemos no Brasil é justamente o oposto: os alunos com os melhores backgrounds vão para as melhores escolas, e as escolas que atendem os mais pobres são as mais abandonadas. Por isso é que a desigualdade educacional, no Brasil, é a variável mais importante para explicar a desigualdade de renda no país, respondendo sozinha por entre 40% e 50% das diferenças de renda.
Cultura – O sistema chinês é colocado como um modelo a ser seguido. Não seria muito complicado adaptar ao Brasil esse modelo oriental?
Ioschpe – Discordo que coloque o sistema chinês como modelo a ser seguido. Escrevo explicitamente que nenhum modelo educacional pode ser copiado, e enfatizo, em vários capítulos, que o sucesso de um sistema educacional depende de sua interligação com um projeto de nação, com suas características econômicas, sociais e históricas. Mas há uma série de medidas pontuais que vi em Xangai as quais acho que poderiam ser implementadas com ganho no Brasil, desde que implementadas com sensatez: primeiramente em pequena escala e, caso comprovada empiricamente sua eficácia, estendida para o restante do país.
Cultura – Um dos problemas apresentados no livro é o fato de os pais acreditarem que os filhos estão em ótimas escolas quando sequer conhecem os índices de qualidade disponíveis,como o Ideb. Falta uma cultura nacional que valorize a educação?
Ioschpe – Suponho que sim, mas, como economista, não gosto muito de falar em variáveis ao mesmo tempo etéreas e aparentemente difíceis de alterar como “cultura nacional”. Acho que precisamos tornar a discussão mais factual e objetiva: o fato é que os pais percebem a escola dos filhos como sendo muito melhor do que ela realmente é. No mesmo ano em que o MEC fez uma pesquisa com os pais de alunos das escolas públicas brasileiras em que eles deram uma nota média de 8,6 ao ensino da escola do seu filho, o Ideb – também, como o estudo do MEC, medido em escala de 0 a 10 – não chegou a 4. A minha leitura é que, enquanto não fecharmos esse gap, dificilmente teremos a sociedade engajada em mudar a qualidade da educação. Por que alguém gastaria seu tempo para melhorar algo que, na sua visão, já tem 86% de aproveitamento? Não faz sentido. Por isso, precisamos encontrar a maneira de chegar a esses pais com a informação correta e esperar que a consciência da real dimensão do problema os impila à ação. Estou apostando minhas fichas no projeto Ideb na Escola: colocar os resultados do Ideb de cada escola em placa na sua porta de entrada. A ideia já foi adotada pelos Estados de Minas Gerais, Goiás e em grandes cidades como Rio de Janeiro, Belém, Vitória e São José dos Campos. O RS é um dos poucos Estados onde a ideia ainda não prosperou.Espero que isso mude em breve, que o Cpers pare de ditar a política educacional do Estado.
Cultura – Recentemente, foi divulgado um estudo que mostra que professores no Brasil estão entre os mais mal pagos do mundo. O senhor defende que aumentar o salário dos professores não resolve os problemas da educação, mas é difícil ignorar o impacto dessa desvalorização financeira em sala de aula.
Ioschpe – Essa é uma interpretação bastante enviesada dos dados, feita por quem tem interesse em aumentar seu salário ou orçamento. Só se chega a essa conclusão analisando os valores brutos (em dólares) do salário de diferentes países de níveis totalmente diferentes de desenvolvimento, o que é ridículo. É preciso fazer essa comparação em relação à renda média da população. Quando havia esses dados disponíveis (o órgão do MEC que encaminha esses dados a organismos internacionais misteriosamente deixou de os enviar há alguns anos), eles mostravam que o professor de Ensino Fundamental brasileiro ganhava 1,5 vezes a renda per capita média. E uma média dos países da OCDE, desenvolvidos, ganhavam 1,3 vezes. O professor brasileiro não ganha mal porque ele é professor, ele ganha mal porque ele é brasileiro. Em segundo lugar, há literalmente centenas de pesquisas que medem a correlação entre salário de professor e aprendizado de aluno. E o que a maioria esmagadora dessas pesquisas, não só no Brasil como em vários países do mundo,encontra é: nada.Essa relação não existe. O Brasil precisa parar com essa obsessão monotemática por salários, dinheiro. A maioria das variáveis que a pesquisa aponta serem importantes para o ensino – formação do professor e diretor, dever de casa, avaliação, bom material didático, uso eficaz do tempo de sala de aula – custa zero ou pouco em termos de dólares ou reais. Custa muito em termos de esforço, tempo, determinação, afinco. Essa pauta é impopular, mas é a que importa.
POR ÂNGELA RAVAZZOLO - Zero Hora
O especialista gaúcho Gustavo Ioschpe reuniu em livro textos publicados na revista Veja
Foto:
Adriana Franciosi
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