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Ensino Médio  | 15/12/2012 10h02min

Ao descobrir uma facilidade com o inglês, Rodrigo abriu portas para o conhecimento

Depois de vencer ceticismo de professores da Educação Básica, Rodrigo Brasil se formou em Letras e hoje faz pós-graduação em Estudos de Tradução

Mariana Müller  |  mariana.muller@zerohora.com.br

Professor de matemática, Mendes costumava dar aulas particulares em casa. Algumas vezes, com o filho Rodrigo, de pouco mais de dois anos, sentado no colo. Foi no aconchego paterno que se revelaram os primeiros sintomas. O menino passou mal, teve uma convulsão. Era o primeiro sinal do diagnóstico, que viria só anos depois, de uma síndrome de nome complicado: autismo do subtipo Asperger.

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Rodrigo Bertschinger Brasil, agora com 25 anos, nasceu rodeado por professores. A avó, Maria da Glória Brasil, dava aulas de biologia, o pai, Eumendes Brasil, conhecido como Mendes, é professor de matemática, e a mãe, Rejane Beatriz Bertschinger Brasil, também.

Acostumado a observar seus alunos com atenção, Mendes estranhava detalhes no desenvolvimento do filho. O ato de engatinhar e os primeiros passos vieram depois de outras crianças da mesma idade. O bê-a-bá também demorou a sair.

Diante de uma imensidão de prognósticos confusos de especialistas, a avó Maria da Glória agiu por conta própria. Resolveu testar a atenção do menino do jeito que podia. Começou mostrando rótulos de bolacha e de café na cozinha. Lia as palavras para ele e, depois, separava as sílabas. Aos cinco anos, o teste deu resultado: Rodrigo começou a ler.

— Teu filho está lendo — contou a avó.

— Não brinca comigo — espantou-se a mãe.

Maria da Glória colocou um livro de biologia nas mãos do menino. Da voz fina de criança, foi possível ouvir informações sobre a estrutura dos protozoários.

Dificuldades motoras ainda o impossibilitavam de segurar com firmeza o lápis para escrever. O diagnóstico era nebuloso e havia apenas a recomendação de estimulá-lo o máximo possível.

Entre idas e vindas, a família chegou a ouvir que deveria matricular Rodrigo em uma escola especial. Acostumados à sala de aula, Mendes e Rejane foram contra. Começaram ali a enfrentar uma odisseia para que o filho tivesse o direito de estudar.

No primeiro colégio, tradicional, o engajamento das professoras para que o menino se sentisse parte das turmas e para que os conteúdos fossem adaptados ao ritmo dele foram responsáveis por duas grandes conquistas. É dessa época que vieram a maior parte dos amigos. Em uma avaliação de inglês na 5ª série, uma surpresa:

- Eu nem sabia que levava jeito para a coisa. Mas aí fiz o teste e fiquei entre os mais avançados — conta Rodrigo, que hoje faz pós-graduação em Estudos de Tradução na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Os anos seguintes comprovaram que o baixo rendimento nas demais disciplinas era compensado pela facilidade na língua inglesa. O Asperger, subtipo do autismo de Rodrigo, preserva a inteligência e, muitas vezes, faz com que a pessoa tenha uma enorme habilidade em alguma área do conhecimento.

Nesses casos, a dificuldade maior não é cognitiva, mas nas relações sociais. Como muitos guris, a paixão de Rodrigo por videogames e cinema o ajudou a aperfeiçoar os conhecimentos e ganhar vocabulário. Então o Ensino Fundamental acabou, e era preciso buscar outra escola em inglês.

Rejane fez um pente fino nas instituições da Capital. Uma era longe demais, a outra não aceitaria o menino e uma terceira exigia um teste de nivelamento. Em uma delas, chegou a ouvir que ali ele seria o melhor. Rejane queria ver o filho feliz, não almejava uma posição entre os melhores. Então desistiu da instituição.

Depois de muita procura, o casal encontrou um colégio. Já na primeira reunião, o pai estremeceu ao ouvir o discurso do professor de física, engajado em aprovar o maior número de alunos no vestibular.

— Ele falava como o Rambo: quem não estiver pronto, tá fora — lembra Mendes.

Para os novos padrões, Rodrigo não estava pronto. Acabou reprovado no 1º ano do Ensino Médio. Veio mais uma escola, desta vez inclusiva, e o adolescente terminou a Educação Básica.

O desafio de Mendes e Rejane recomeçou. Agora, em busca de uma universidade que lapidasse as habilidades de Rodrigo em inglês. O garoto chegou a prestar o vestibular da UFRGS, alcançou uma média satisfatória, mas não foi chamado. Então os pais chegaram ao Centro Universitário Metodista do IPA depois de ouvir falar que a instituição estava aberta à inclusão.

O primeiro semestre na licenciatura em Letras foi desafiador — para Rodrigo, para seus pais e para a faculdade. O foco na formação de professores e o desejo do garoto de ser tradutor tornaram-se um impasse. Depois de inúmeras reuniões, com a ajuda de uma psicopedagoga contratada pelos pais, chegaram a um modelo viável. Anos depois, o menino que recebeu indicações para ingressar em uma escola especial vestia toga e sorria na foto da formatura.

Rodrigo gosta de traduzir porque entende que, assim, ajuda quem não domina o inglês. Gosta de ser útil para os outros:

— Eu quero ser um tradutor, acho que é algo que eu consigo fazer bem. É um plano para o futuro, acho que vai dar certo. Como diz meu pai, e sem correr o risco de plagiá-lo: o importante não é tentar tirar a nota máxima, é só fazer o melhor para conseguir passar de forma satisfatória.

Ele tem aulas semanais na PUCRS e tem vencido cada módulo da pós-graduação. Na rotina, ainda há sessões na fonoaudióloga, na terapeuta ocupacional e aulas de taekwondo. O tempo que sobra é dividido entre videogames, cinema, internet e livros. Mas, cinema, apenas com pipoca:

— Para mim, Deus criou as pipocas para serem comidas com o filme.

A preferência é por filmes de ação e de luta. Mas faz questão de alertar que é uma pessoa pacífica. Nos videogames, gosta dos jogos que invertem a lógica e não têm "game over". Nesses, o que seria o fim da disputa é o momento em que os poderes aumentam. Fora das telas, Rodrigo tem, mesmo sem perceber, invertido a lógica imposta a muitos autistas.

Além da mãe e da avó materna, divide o apartamento com a gata malhada Brigite que, segundo ele, parece um cachorro reencarnado, de tão dengosa. Nos finais de semana, encontra o pai e o irmão, Gabriel, nove anos.

Hoje, ainda que separados, os pais dividem a mesma preocupação: o futuro do filho. Rejane comemorou a aprovação de uma lei, no Senado, que equipara os autistas a pessoas com deficiência e cria uma política nacional que inclui o direito à saúde. Agora, torce para que a presidente Dilma assine a nova legislação.

Os planos da família para 2013 são muitos. No próximo ano, Rodrigo deve participar de um projeto piloto de inclusão ao mercado de trabalho. Também pensando no futuro, uma vez por semana, funciona como uma espécie de monitor no cursinho preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e vestibular do qual o pai é diretor.

Ele acompanha as aulas de língua estrangeira e fica à disposição dos alunos em caso de dúvida. Acha que esclarecer os questionamentos alheios ajuda a vencer o nervosismo e a sair-se melhor nas provas. É quase hereditário. Como os pais e a avó, Rodrigo gosta muito de aprender, mas também de ensinar.

Jean Schwarz / Agencia RBS

Paixão por videogames e cinema ajudou Rodrigo a aperfeiçoar os conhecimentos e ganhar vocabulário em inglês
Foto:  Jean Schwarz  /  Agencia RBS


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