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Ensino Médio  | 15/12/2012 10h01min

Incentivada por professora, ex-diarista voltou aos estudos e hoje é acadêmica de Serviço Social

Aos 35 anos, Andreza retomou os estudos em busca da conclusão do Ensino Médio

Mariana Müller  |  mariana.muller@zerohora.com.br

Depois de tanto insistir, a professora desistiu de esperar. Entrou no carro meio enguiçado, dirigiu em meio à chuva até o trabalho de Andreza e a obrigou a seguir com ela para a escola.

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Aquele era o último dia de inscrições do curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Colégio Fundação Bradesco em Gravataí.

Encantada com a vivacidade da diarista, a professora Denise Cardoso Pereira tomou para si a missão de encorajá-la a voltar a estudar. Andreza relutava. A carona até o colégio a fez vencer o medo, preencher a inscrição e reencontrar o desejo de aprender.

— Ela foi a pessoa que me deu aquele empurrãozinho que faltava — conta a ex-diarista, ao relembrar da carona.

Nascida em Porto Alegre, Andreza de Andrade Siqueira Oliveira, 35 anos, é a única filha de uma mãe orgulhosa. Dona Maria Izoltina Siqueira, 66 anos, não poupa elogios à herdeira, que voltou aos bancos escolares depois de quase duas décadas. Enquanto presta atenção no marido, Arceli, que tem uma doença genética, dona Maria intercala os elogios às preocupações sobre a correria do dia a dia da filha.

Quando criança, a ex-diarista já gostava de estudar e demonstrava a perspicácia que encantou Denise, profissional de vendas também professora na Fundação Bradesco. Na 5ª série do Ensino Fundamental, venceu um concurso de redações que lhe garantiu uma bolsa de estudos em um colégio particular de Cachoeirinha. Mas a bolsa não incluía o material didático. Para garantir o ano letivo, a mãe pediu que a demitissem no trabalho de doméstica e investiu o dinheiro da rescisão nos livros.

A experiência em uma escola privada foi interessante. Mas também triste. Andreza não podia frequentar as aulas extracurriculares como o teatro, pois não estavam incluídas na sua bolsa. Assim, também apenas espreitava os computadores do lado de fora da sala de informática, igualmente excluída do auxílio recebido. Dos colegas, lembra dos comentários bobos sobre o abismo social que os separava.

Acabou voltando para uma escola pública, onde terminou o Ensino Fundamental, aos 16 anos. Em fevereiro do ano seguinte, se casou. A mãe, preocupada com o que poderia significar o abandono dos estudos, avisou:

— Te ajeita enquanto a mãe e o pai estão vivos.

Quatro meses depois do casamento, Andreza engravidou e confirmou o temor de dona Maria: era uma coisa ou outra. E ela abdicou dos livros. O dia a dia na família apertou e, em seguida, teve de começar a trabalhar como diarista para ajudar o marido. Antônio Marcos Soares de Oliveira, 38 anos, trabalha em uma fábrica. Largou os estudos na 5ª série.

Até conhecer Denise, o anjo da guarda, retomar o desejo de aprender parecia uma utopia para Andreza. Mas já nas primeiras aulas de química e biologia no EJA, o desempenho começou a ser elogiado pelas professoras que a estimularam a fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com uma boa nota na mão, acabou também o Ensino Médio e foi instigada, mais uma vez, a seguir adiante. Candidatou-se a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (ProUni). Na escolha do curso de Serviço Social, pesou a experiência com caridade na Assembleia de Deus, igreja que frequenta há quase 10 anos. O resultado positivo surpreendeu:

— Estava fazendo faxina e lembrei que saía o resultado da seleção. Abri o computador e estava lá: "parabéns, você foi selecionado pelo ProUni". Então foi aquela sensação de que, depois de uma vida sonhando, eu tinha conseguido.

Nos primeiros semestres, a universitária faxinava de manhã e à tarde e, à noite, seguia para o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Sentia no corpo o cheiro de produto de limpeza e, envergonhada, temia afastar os colegas. Relembrava as experiências no Ensino Fundamental como bolsista em escola particular, quando não podia frequentar as aulas de informática. Desta vez, tinha seu próprio notebook, comprado com esforço pelo marido para marcar a conquista da bolsa integral no ProUni. Com os colegas, a relação também se mostrou outra, começaram a surgir amizades.

— O ensino está mudando, houve uma grande revolução na educação. Tenho muitos colegas com uma história parecida com a minha.

O local onde vive, no interior de Gravataí, Região Metropolitana de Porto Alegre, também tem se modificado com as conquistas de Andreza. O marido voltou a estudar, quer cursar Engenharia e conta com o apoio da mulher para alcançar uma boa nota no Enem. A filha mais velha, Náthali, 17 anos, busca uma vaga em Administração, e a mais nova, Ana Carolina, 12 anos, quer seguir o caminho da mãe no Serviço Social. Até os vizinhos recorrem a Andreza quando o assunto é estudar:

— Já ajudei mais de 10 vizinhos e amigos a se inscreverem no Enem.

Aos poucos, as faxinas foram ficando escassas. Não por o trabalho ter rareado, mas por terem surgido outras oportunidades. A universitária começou a estagiar no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), ligado à Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), da prefeitura de Porto Alegre. Tem uma rotina atribulada que, na maioria dos dias, vai das 6h à meia-noite. São cinco viagens de ônibus, uma de trem - nunca desperdiçadas, sempre usadas para as leituras da graduação — um trecho a pé e outro de carro. Para concluir os trabalhos, às vezes é preciso virar a noite.

Preocupada com os outros, Andreza gosta de ajudar pessoas que não têm os direitos respeitados. E não para de fazer planos, já que, nas palavras dela, ficou muito tempo estagnada. Quer especialização e mestrado. Denise, a professora que a incentivou, comemora as conquistas da pupila e, também, do que está à sua volta:

— Fico muito feliz com as conquistas dela, mas mais feliz que o Serviço Social tenha ganhado uma Andreza.

Andreza tem muito para dar: o coração, a fé e o olhar.

Jean Schwarz / Agencia RBS

Depois de concluir a graduação, Andreza Oliveira quer seguir os estudos e cursar pós-graduação e mestrado
Foto:  Jean Schwarz  /  Agencia RBS


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