Educação Infantil | 14/12/2012 19h04min
Estocolmo – Em uma pré-escola de cor ocre em uma rua na cidade velha de Estocolmo, as professoras evitam pronomes como "ele" e "ela", e preferem chamar seus 115 alunos simplesmente de "colegas". Referências masculinas e femininas são um tabu, geralmente substituídas pelo pronome "hen", uma palavra artificial sem gênero que a maioria dos suecos evita, mas que é popular em alguns círculos gays ou feministas.
Na pequena biblioteca, com suas almofadas espalhadas onde as crianças sentam para ouvir estórias, há alguns contos de fadas clássicos, como "Cinderela" ou "Branca de Neve", com seus estereótipos masculinos e femininos bem enfatizados, mas há muitas estórias que abordam pais solteiros, crianças adotadas ou casais homossexuais.
As meninas não são incentivadas a brincar de comidinha, e blocos de Lego não são considerados brincadeiras para meninos. E quando os garotos se machucam, as professoras são direcionadas a dar-lhes exatamente o mesmo conforto que dariam às garotas. Todos podem brincar com bonecas, e enquanto a maioria é anatomicamente correta, algumas também são negras.
A Suécia talvez seja tão conhecida por sua mentalidade igualitária como por suas almôndegas e pelos móveis Ikea. Mas essa pré-escola financiada pelos impostos dos contribuintes, conhecida como Nicolaigarden devido ao santo cuja capela já esteve no prédio de 300 anos de idade que a abriga, é talvez um dos exemplos mais interessantes de esforços do país para neutralizar as barreiras entre os gêneros e, teoricamente, consolidar oportunidades para homens e mulheres.
O que ensinam às crianças, afirmou a funcionária de uma galeria de arte Malin Egleson, enquanto apanhava sua filha Hanna, de 15 meses, na escola, "mostra que as meninas podem chorar, mas os meninos também".
— Foi por isso que a escolhemos — contou. — É muito importante começar quando ainda se é bem novo.
O modelo teve tanto sucesso que, dois anos atrás, três de suas professoras abriram uma filial, que tem hoje quase 40 crianças. Essa escola, chamada Egalia para sugerir igualdade, está localizada em uma casa projetada nos anos 60 no bairro Sodermalm da cidade.
O comprometimento que se tornou uma paixão para as professoras, começou com um empurrãozinho dos legisladores suecos, que em 1998 aprovaram uma lei exigindo que as escolas, incluindo as creches, garantissem oportunidades iguais para ambos os sexos.
Impulsionadas pela lei, as professoras da Nicolaigarden tomaram a iniciativa incomum de filmarem umas às outras, capturando o comportamento delas enquanto brincavam, comiam e faziam companhia para as crianças – dos bebês às crianças de 6 anos.
— Pudemos ver muitas diferenças, por exemplo, no cuidado com os garotos e com as garotas — contou Lotta Rajalin, que dirige esse centro e também outros três, que ela visita de bicicleta.
— Se um garoto estivesse chorando por ter se machucado, ele recebia consolo, mas por um tempo muito menor, enquanto as meninas eram abraçadas e acalmadas por muito mais tempo — mostrou.
— Com os garotos era mais: 'vamos lá, nem foi nada!'.
As filmagens, segundo ela, também mostraram funcionários da equipe conversando mais com as garotas do que com os garotos, o que poderia explicar as habilidades linguísticas superiores das garotas posteriormente. Se os garotos fossem violentos, era aceitável, Rajalin disse; uma garota que tentasse escalar uma árvore em uma excursão no interior seria repreendida.
O resultado, depois de muita discussão, foi um programa de sete pontos para alterar tais comportamentos.
— Nós evitamos usar palavras como meninos e meninas, não por que sejam ruins, mais por que elas representam estereótipos — explicou Rajalin, de 53 anos.
— Nós apenas usamos o nome da criança – Peter, Sally, – ou 'vamos lá, colegas!'.
Alguns homens foram contratados na equipe só de mulheres. Com a Egalia, Nicolaigarden buscou e conseguiu obter um certificado de uma organização para gays e bissexuais, que diz que seus funcionários são sensíveis a seus problemas.
As críticas não demoraram a aparecer. — Há muitas cartas, e-mails, blogs — contou Rajalin. — Mas não há muitos argumentos, é basicamente raiva.
Uma crítica persistente tem sido Tanja Bergkvist, uma matemática da Universidade de Uppsala, cujo blog frequentemente ataca a "loucura dos sexos" da Suécia. Em um artigo para o jornal Svenska Dagbladet, ela questionava se as crianças não estariam sofrendo "lavagem cerebral por seus próprios pais já aos 3 meses de vida". Nos passeios, ela zombou, "o que eles fazem quando uma garota está pegando flores e um garoto colecionando pedras?".
Tais críticas, explicou Carl-Johan Norrman, de 36 anos, que trabalha na Nicolaigarden há 18 meses, "começam a partir de concepções erradas como a de que queremos transformar garotinhos em garotinhas. É um jogo de fofocas que acaba virando uma bola de neve".
Apesar de tais especulações, outras pessoas veem os esforços como algo peculiarmente nórdico e admirável.
— Acho que é bem 'sueco', é bacana — disse a londrina Camilla Flodin, de 29 anos, que mora em Estocolmo há dois anos e meio. A irmã de seu namorado fica irritada, segundo ela, se a filha ganha um presente que seja feminino demais.
Peter Rudberg, de 36 anos, um anestesista cujo filho de 3 anos, Hjalmar, é aluno do jardim de infância, chamou a abordagem neutra dos gêneros de "uma benção", embora, como muitos suecos, ele acredite que o país tenha superado esse problema.
— Na Suécia moderna, a igualdade entre os sexos não é um problema — explicou.
No entanto, ele fez um alerta contra os extremos, como "garotos estão proibidos de jogar jogos de garotos". Na imensa prefeitura de tijolos de Estocolmo, o governo de coalizão moderado-conservador apoia totalmente a política de sexos.
— O importante é que as crianças, independentemente do sexo, tenham as mesmas oportunidades; é uma questão de liberdade — afirmou Lotta Edholm, a vice-prefeita responsável pelas escolas.
Por outro lado, ela ponderou, os pais sempre terão maior impacto no desenvolvimento dos filhos do que as creches ou escolas.
— Elas passam poucas horas por dia na pré-escola — observou Edholm, que tem um filho de 16 anos.
— Na maior parte do tempo, as crianças estão em casa com os pais, e os valores que eles transmitem a elas tendem a ser os valores que elas adotam.
Com a época de Natal chegando, os suecos se preparam para o Festival de Santa Lucia, no dia 13 de dezembro, quando as crianças fazem procissões acompanhando Santa Lucia, tradicionalmente interpretada por uma adolescente com mantos brancos e uma coroa de velas acesas.
Mas será que um garoto poderia se passar por Lucia? Na verdade, Edholm disse, nos últimos anos, em uma cidade fora de Estocolmo, um adolescente até tentou, mas foi rejeitado. Ao que parece, segundo ela, mulheres na Suécia moderna podem interpretar papéis masculinos mais facilmente do que vice versa.
— O interessante é que não há problemas para garotas se passarem pelo Papai Noel — ressaltou.
— Mas para os garotos, há um problema em interpretar Lucia.
THE NEW YORK TIMES NEWS SERVICE
Na foto, alunos brincam de roda na pré-escola Nicolaigarden, em Estolcomo
Foto:
Casper Hedberg
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NYTNS
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