Educação Básica | 14/12/2012 18h43min
Pequim – Para crianças chinesas e seus devotados pais, a educação sempre foi vista como um elemento fundamental para avançar em uma sociedade cada vez mais competitiva. Porém, assim como dinheiro e poder facilitam a realização de negócios e a promoção de funcionários públicos, a corrida acadêmica na China privilegia cada vez mais os ricos e influentes, que pagam enormes somas e usam seus contatos para dar aos filhos vantagens na briga pelas vagas no ensino público do país.
Segundo pais e educadores, quase tudo tem um preço: da matrícula a vagas nas melhores salas, passando por posições de liderança em grupos de jovens comunistas. Até mesmo lugares na primeira fila e o posto de monitor de classe estão à venda.
Zhao Hua, migrante da província de Hebei e proprietária de uma pequena empresa de eletrônicos, afirmou ter sido forçada a depositar 4.800 dólares em uma conta bancária para matricular a filha no ensino fundamental em Pequim. No banco, foi surpreendida ao encontrar autoridades do comitê de educação do distrito armadas com uma lista que incluía nomes de estudantes e o valor que cada família teve de pagar pela vaga. Os funcionários a obrigaram a assinar um documento afirmando que a taxa era uma "doação" voluntária.
— É claro que sabia que aquilo é ilegal — afirmou, — mas quem não paga, não consegue vaga.
A prática do suborno se tornou tão comum que Xi Jinping dedicou o primeiro discurso como novo líder do partido comunista para alertar os políticos chineses de que a corrupção pode levar ao colapso do partido e do próprio Estado caso continue impune. Os chineses estão cada vez mais acostumados a certo grau de corrupção nos negócios e na política.
Entretanto, a falta de integridade dos educadores e administradores escolares é especialmente desanimadora, afirmou Li Mao, consultor de educação em Pequim.
— É muito pior quando isso acontece com professores, porque nossas expectativas são muito mais altas em relação a eles — afirmou.
Obviamente, famílias abastadas nos Estados Unidos e em muitos outros países procuram maneiras de privilegiar seus filhos, incluindo a contratação de tutores e cursos de preparação para provas de admissão, recorrendo frequentemente a escolas privadas que aceitem estudantes ricos, apesar de seu baixo rendimento escolar.
Contudo, críticos afirmam que o sistema público de educação na China – considerado o ápice da meritocracia comunista – está sendo assolado por corrupção e nepotismo. Essa corrupção aumentou o abismo entre ricos e pobres, fazendo com que as famílias chinesas vejam a esperança de um futuro melhor sendo vendida a quem pode pagar mais.
— A corrupção é generalizada em todas as partes da sociedade chinesa e a educação não é exceção — afirmou Li.
A extorsão começa antes do primeiro dia de aula e a competição por vagas nas melhores escolas transformou-se em um negócio lucrativo para autoridades escolares e outros funcionários públicos.
Todo ano, o Jardim de Infância da China Limpa, afiliado à prestigiada Universidade de Tsinghua, em Pequim, recebe pedidos de pais que veem a matrícula como a melhor forma de garantir a entrada dos filhos nas melhores universidades do país. Oficialmente, a escola está aberta apenas para os filhos dos professores da universidade. Porém, com cerca de 150.000 iuanes, ou 24.000 dólares, algum professor da Tsinghua pode ser convencido a "apadrinhar" um candidato, de acordo com um funcionário que falou sob condição de anonimato.
Pais com contatos menos diretos são obrigados a pagar subornos a uma série de pessoas até que os filhos sejam aceitos no jardim de infância. — Quanto mais distantes estiverem das pessoas ligadas à escola, mais dinheiro precisarão gastar — afirmou o funcionário. — A brincadeira acaba custando muito caro.
Contudo, autoridades negaram que seja possível pagar para entrar na escola.
Os custos podem aumentar na faculdade. A imprensa chinesa relatou recentemente que as atuais taxas cobradas por instituições ligadas à renomada Universidade de Renmin, em Pequim, ficam entre 80.000 e 130.000 dólares. Autoridades do governo também encontraram uma forma de tirar proveito do sistema. O jornal estatal 21st Century Business Herald anunciou que poderosas agências e empresas públicas frequentemente doam fundos para escolas de ponta, como parte de parcerias conhecidas como políticas de "desenvolvimento conjunto". Segundo críticos, em troca dos investimentos, filhos de funcionários recebem privilégios na hora da matrícula.
A mesma prática tem sido adotada por empresas privadas que oferecem "patrocínios corporativos" para escolas de ponta. Na China o ensino médio é obrigatório e gratuito, mas a realidade é quase sempre mais complicada. À medida que os filhos crescem, pais com menos conexões se veem obrigados a pagar constantemente para garantirem melhores oportunidades educacionais aos filhos. Em todo o país, esses pagamentos são chamados de taxas de "alternativa escolar", que abrem as portas das escolas localizadas fora do distrito ou da cidade onde a família está oficialmente registrada.
Essas taxas ilegais são especialmente onerosas para os milhões de famílias de trabalhadores migrantes que se mudaram para cidades distantes. Oficialmente, o Ministério da Educação e o Gabinete de Estado da China baniram cinco vezes a "alternativa escolar" e outras taxas irregulares desde 2005, mas as autoridades escolares e importantes departamentos do governo sempre encontram formas criativas de continuarem a cobrá-las.
Entre algumas das universidades mais prestigiadas, estudantes com notas baixas podem "comprar" alguns pontos para serem aceitos. De acordo com uma política tácita, mas de conhecimento público, um dos colégios de Pequim oferece pontos extras a cada 4.800 dólares doados pelos pais à escola. — Todos os meus colegas de classe sabem disso — afirmou Polly Wang, uma estudante de 15 anos que pediu para que o nome da escola não fosse divulgado.
Cercados por uma cultura onde o que importa é o dinheiro, professores sempre encontram formas de engordar seus salários irrisórios. A jornalista educacional Qin Liwen afirmou que alguns professores criaram escolas paralelas e encorajam a presença dos alunos deixando de ensinar partes fundamentais do currículo durante o horário normal.
— Porque fazer algo de graça, se todo mundo pode pagar? — afirmou Qin.
Com medo de que os filhos percam matérias importantes ou sejam vítimas da fúria dos professores, muitos pais sentem-se obrigados a pagar pelos cursos extras, segundo a jornalista.
A cultura da bajulação se transforma em uma cara competição no Dia da Apreciação do Professor, um feriado nacional comemorado no mês de setembro, quando estudantes de todas as idades levam presentes aos professores. Ficaram no passado os dias em que um buquê de flores e uma cesta de frutas seriam o suficiente. De acordo com as reportagens da imprensa chinesa, muitos professores esperam receber relógios de marca, chás caros, vales-presente e até mesmo viagens. Segundo pais, na Mongólia Interior alguns professores aceitam cartões de débito ligados a contas correntes que podem ser reabastecidas ao longo do ano.
Segundo o Diário de Xangai, o valor desses presentes aumentou em média 50 vezes ao longo da última década.
— É um círculo vicioso — afirmou Zhao, a proprietária da empresa de artigos eletrônicos e mãe de uma menina de 10 anos. — Se não dermos um bom presente, e outros pais o fizerem, ficamos com medo de que o professor dê menos atenção a nossa filha.
Alguns pais descobriram que a única forma de preservar a integridade é rejeitando o sistema de educação chinês. Aterrorizada com a cultura de subornos, Wang Ping, de 37 anos, dona de um bar em Pequim, decidiu enviar o filho para estudar fora do país. Em agosto, despediu-se do filho único, que matriculou no ensino médio em uma escola pública de Iowa.
— O sistema educacional chinês é injusto com as crianças desde o começo da vida — afirmou. — Não quero que meu filho tenha mais nada a ver com isso.
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