Ensino Superior | 10/12/2012 19h46min
— Declaro extinta a medida socioeducativa. E tu não sabes com que prazer o faço. Vai com Deus.
Proferida com emoção maternal, a decisão da juíza Vera Deboni, da Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, autorizou Luísa*, 18 anos, a deixar o Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino (Casef) e ensaiar os primeiros passos para um dia, quem sabe, estar na cadeira mais alta de uma sala de audiências.
Aprovada para cursar Direito em uma universidade particular do Interior, a jovem saiu do Fórum, na última quinta-feira, apanhou seus pertences na sede da Casef, na Vila Cruzeiro, despediu-se das amigas e embarcou com os pais em um ônibus que os levaria de volta a sua cidade de origem.
Longe do colégio e da família quando foi condenada por tráfico de drogas, segundo ela mesma, por influência de um ex-namorado, Luísa recuperou na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) o gosto pelos estudos durante os nove meses de internação. Voltou à escola, terminou o Ensino Médio e participou com dedicação das aulas do pré-vestibular oferecido pelo Programa de Oportunidades e Direitos (POD) do governo do Estado.
Nesta segunda-feira, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Fase comemorou as conquistas do programa, que é dividido em subprojetos para atender crianças e adolescentes em situação de risco social. Uma das ramificações, o POD Socioeducativo, que tem adesão opcional e oferece bolsas e cursos profissionalizantes aos egressos da Fase, atingiu índice de reincidência de 9,5% em 2012. Dos 221 egressos inseridos no programa de janeiro a outubro, apenas 21 voltaram a cometer atos infracionais.
De acordo com a diretora de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Tâmara Soares, a taxa de egressos reincidentes fora do programa foi de 47%. Comparados os índices, o POD Socioeducativo representa uma redução de quase 80% na reincidência.
— O adolescente ganha a sua liberdade, mas não fica abandonado. A gente entende que um verdadeiro processo de ressocialização é aquele que oferece benefícios em termos de inclusão social, que auxilia e dá oportunidades para garantir que ele não retorne à criminalidade — diz Tâmara.
O objetivo da atual administração é transformar o programa em política de governo.
Fase comemora 100% dos internos
empregados ou em formação profissional
Com a implantação de outra iniciativa, o POD Legal, a Fase obteve uma nova meta histórica: atualmente, todos os internos estão empregados com carteira assinada ou realizam formação profissional. Criado a partir de um convênio com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, o programa incentiva empresas a contratarem os jovens infratores por meio da Lei da Aprendizagem.
Estatais, como Banrisul, CEEE e Corsan são as primeiras empresas a aderirem, oferecendo 390 postos de emprego. Começando o programa no seio do governo, rompe-se o estigma de que o adolescente que cometeu um delito está condenado a uma vida de criminalidade. Dessa maneira, a iniciativa privada também abraçou o programa e pelo menos três empresas de grande porte já formalizaram a parceria.
Luísa também fez cursos profissionalizantes na passagem pelo Casef. A diretora do Centro, Luciana Carvalho, conta que a jovem usufruiu de todas as propostas que a equipe fez a ela e formou-se em um curso de informática e outro de lanches rápidos, além de participar de atividades de esporte e lazer e de passeios culturais.
Na audiência que a libertaria, a "bixo" foi questionada pela juíza sobre o motivo da opção pelo curso de Direito. E ela nem hesitou na formulação da resposta:
— Para seguir o seu exemplo.
Emocionada, a magistrada conta que casos como o de Luísa são inusitados, mas que, a partir de esforço técnico, tem-se conseguido cada vez mais que os jovens sejam desligados da Fase com empregos ou estágios em andamento.
Depois de três meses sem ver a filha, os pais da garota apareceram na audiência. Orgulhosos da conquista, contaram que ela sempre teve facilidade com os estudos e nunca reprovou na escola. A meta do casal, agora, é conseguir uma bolsa de estudos para a garota.
— A gente sabia que resgataria ela completamente. Queremos que ela avance, siga em frente e seja alguém na vida — diz o pai da futura universitária.
* A identidade da jovem foi preservada de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Foto: Mauro Vieira
Conheça os projetos do Programa de Oportunidades e Direitos:
POD Pré-vestibular — O programa oportuniza pré-vestibular gratuito a estudantes de escolas públicas e a internos da Fase. O curso Universidade Já é coordenado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), de Santa Catarina, que desenvolve o projeto junto à Universidade Federal de Santa Catarina.
POD Socioeducativo — O programa é voltado à ressocialização dos adolescentes egressos da Fase, que aprendem uma profissão, recebem um auxílio de meio salário mínimo e acompanhamento psicológico e de assistência social. É aplicado na Capital, em Caxias do Sul, em Novo Hamburgo, em Santa Maria e em Passo Fundo.
POD Legal — Consiste em contratar com carteira assinada jovens na condição de aprendizes, por meio da Lei da Aprendizagem. Eles participam de um processo de formação profissional e estágio em empresas, onde recebem meio salário mínimo. O projeto será implementado nos municípios de Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul, Passo Fundo, Santa Vitória do Palmar e Vacaria.
Os números do POD Socioeducativo
Jovens atendidos entre janeiro e outubro:
Porto Alegre — 155
Santa Maria — 49
Passo Fundo — 17
Total — 221
Reincidência entre janeiro e outubro:
Porto Alegre — 20 (11 na Fase e 9 no Presídio Central)
Santa Maria — 1
Passo Fundo — 0
Total — 21 (9,5%)
Aprovada para cursar Direito, jovem teve medida socioeducativa extinta na semana passada
Foto:
Mauro Vieira
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