Júlia Antunes Lorenço  |  julia.antunes@diario.com.br

Santa Filomena é uma comunidade rural e como tal tem sua estrada de chão e tratores arando a terra. Mas duas coisas destoam: o casarão Kretzer, uma construção rebuscada de 1920, e sons de violino, piano, e violoncelo. Eles vêm de aulas de música sempre às segundas-feiras, quartas e sábados, quando crianças e adolescentes da região ensaiam.

As aulas fazem parte do Projeto Escola Educando com Música, criado há sete anos, que atende 36 estudantes entre 7 e 17 anos de colégios públicos da cidade. O trabalho foi idealizado pelo médico Marcelo Collaço Paulo. Ele, que é dono do casarão Kretzer, reformou o lugar e cedeu uma construção anexa à casa para as aulas. Elas são gratuitas e os instrumentos doados ao projeto.

Os professores fazem parte da Orquestra Camerata de Florianópolis. São setes musicistas: quatro ensinam violino, um violoncelo e outro teoria. A aula é individual e dura 45 minutos.

Aos sábados é o ensaio em conjunto. Mesmo sendo final de semana, os alunos comparecem. A concentração e o silêncio das aulas também chamam atenção. A professora pede as notas que deseja, diz que o som que não está legal e explica o que tem que melhorar, tudo isso diante de crianças e adolescentes focados e atentos.

Quase todos alunos são filhos de produtores rurais. Muitos não tinham nem energia elétrica em casa, quando o projeto começou e as professoras gravavam fitas cassetes para eles. Os estudantes aprendem música clássica erudita. Antes, precisam saber como segurar o instrumento e a se posicionar.

 

Música ajuda no desenvolvimento da criança

Juliana Schmidt é uma das musicistas que ensinam. Ela conta que as aulas colocam os alunos em contato com um mundo desconhecido. Além disso, alguns pretendem seguir carreira na música. 

— Muitos nunca tinham ouvido música clássica. Agora eles vão a Florianópolis assistir a apresentações e até mesmo se apresentar — diz Juliana.

Os estudantes se preparam para uma apresentação dia 22 de novembro, no Teatro Alvaro de Carvalho (TAC).

A psicopedagoga Priscila Leonel observa que a música ajuda no desenvolvimento cognitivo e motor da criança, também na memorização e na associação. Não existe idade certa para colocar a crianças em contato com as artes. Priscila observa que as mães podem despertar os filhos ainda quando estão na barriga.

Médico vê na música maneira de ajudar na formação dos jovens

Primeiro foi a casa. Quando viram o casarão Kretzer pela primeira vez, o médico oncologista Marcelo Collaço Paulo e sua mulher ficaram apaixonados. A propriedade era do artista Rodrigo de Haro, amigo do casal.

Depois, a música. Há alguns anos, Collaço recebeu um amigo médico alemão em casa, que demonstrou ser um pianista nato: 

— Ficamos impressionados como ele tocava tão bem. Ele disse que desde pequeno tinha aulas de música. Na Alemanha, uma criança pode escolher que instrumento tocar.

O oncologista logo pensou no papel importante que a música teve na formação do colega, o qual considera um profissional de excelência. Essa ideia ficou na cabeça de Collaço. Além disso, quando esteve em Montevideo, no Uruguai, assistiu a uma apresentação de uma orquestra sinfônica infantil.

— Que coisa bonita aquelas crianças tocando. Uma coisa tão boa que a música levava para elas. Aquilo ficou gravado.

O casarão Kretzer fica em frente a uma escola rural, a Augusto Schnitzer. Depois de comprar a casa, viu ali uma oportunidade de iniciar um projeto com música, com caráter didático, colocando as aulas dentro do currículo escolar.

O médico conversou com o prefeito de São Pedro de Alcântara. A prefeitura entrou com a merenda e o transporte. A empresa de tecnologia Dígitro, com os recursos para pagar os professores da Camerata. Até hoje o patrocínio vem da companhia.

O oncologista vai bastante ao lugar. Assiste aos ensaios nos sábados. Para ele, a música envolveu os alunos de maneira muito importante. 

— Os próprios professores falaram que as crianças mudaram. O maestro da Camerata disse que muitos ali serão músicos profissionais. Além disso, a música leva disciplina, organização — diz.

DIÁRIO CATARINENSE