A resolução de um enigma envolvendo o comportamento da água valeu a uma pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) um dos mais importantes prêmios científicos internacionais.

A diretora do Instituto de Física da instituição gaúcha, Marcia Barbosa, é uma das cinco vencedoras da premiação L'Óreal-Unesco para mulheres cientistas. Ela viajará a Paris em março do ano que vem para receber a distinção e US$ 100 mil.

A carioca radicada no Rio Grande do Sul desde os quatro anos, quando sua família se mudou devido a uma transferência do pai, militar, se dedicou na última década a investigar o comportamento da água. Um aspecto peculiar chamava a atenção da pesquisadora: quando está fria e sob maior pressão, ela escoa mais rapidamente. Se pensarmos que nessa condição as moléculas de oxigênio e hidrogênio estão mais comprimidas, deveria ocorrer exatamente o contrário.

No corredor de um shopping, por exemplo, quanto mais gente circula entre as lojas, mais devagar caminham devido à superlotação. Em relação à água, quanto mais espremidas estão suas moléculas em temperatura levemente abaixo de 0ºC, mais facilmente ela corre.

— Por meio de simulações em computador, nós conseguimos mostrar uma espécie de dança dos elétrons que ocorre sob esta condição, e que permite esse truque da água — comenta a pesquisadora (leia explicação no quadro ao lado).

Graças a essa propriedade, por exemplo, a seiva das plantas, rica em água, continua circulando normalmente mesmo sob frio intenso. Entender como isso ocorre pode levar, mediante novas pesquisas, ao desenvolvimento de remédios mais eficientes para combater doenças que tem relação com proteínas do corpo humano — já que elas reagem com a água presente no organismo.

— É uma honra muito grande receber esse prêmio, mas que não é só meu, é de todo o Instituto de Física da UFRGS — afirma a cientista.

O instituto gaúcho é um dos principais centros de excelência do país nessa área, e está envolvido em outros projetos de ponta como uma iniciativa internacional que procura mapear parte do céu com uma supercâmera digital em busca de informações sobre a chamada energia escura (que seria responsável pela expansão do universo em velocidade crescente).

Marcia costuma dar palestras sobre Física em livrarias da Capital, e faz campanha pela maior participação das mulheres na área de pesquisa científica. Graduada na área pela UFRGS, também fez mestrado e doutorado na instituição gaúcha, antes de rumar para um pós-doutorado de dois anos nos EUA.

Este ano, foi eleita para o conselho da Sociedade Americana de Física, instituição que reúne alguns dos mais importantes cientistas do mundo.

— Espero que o prêmio também ajude a atrair mais atenção para a pesquisa científica feita no Rio Grande do Sul, que é de alta qualidade mas nem sempre recebe a atenção merecida — afirma.

A PESQUISA

Conheça, em resumo, o trabalho que garantiu à pesquisadora da UFRGS a distinção internacional:

A água tem uma propriedade curiosa, diferente de outros líquidos: sob temperaturas levemente negativas, quando se aumenta a pressão e comprimem mais as moléculas, deixando água mais densa, ela escoa mais rapidamente.

É como se, quanto mais carros houvesse em uma estrada, mais rapidamente eles andassem. O que ocorre, porém, é que quando se aumenta o número de carros em um mesmo espaço, eles avançam mais lentamente. O mesmo princípio se aplica a outros materiais, inclusive outros tipos de líquido, exceto a água.

Não se sabia exatamente por que a água se comporta desta maneira. A pesquisadora da UFRGS descobriu, com base em simulações de computadores, uma explicação para o fenômeno:

1. Quando as moléculas de água são comprimidas, trocam elétrons entre si. Quando a densidade aumenta, cresce também o número de moléculas que trocam esses elétrons entre si.

2. Essa troca de elétrons une mais fortemente as moléculas umas às outras

3. Mais unidas, as moléculas "puxam" umas às outras como se estivessem agarradas. É como se um grande número de pessoas em um corredor estreito dessem os braços e fossem puxadas pelas pessoas que estão mais à frente, andando mais rapidamente.

4. Por isso, contrariando o senso comum, a água mais densa escorre de maneira mais rápida

O PRÊMIO

O prêmio L'Óreal-Unesco foi criado há 15 anos e, nesse período, já destacou o trabalho científico desenvolvido por mulheres em todas as regiões do planeta. Cada vencedora recebe US$ 100 mil em uma cerimônia realizada em Paris. A distinção será entregue no dia 28 de março.

O INSTITUTO DE FÍSICA DA UFRGS

O prêmio internacional é um reconhecimento, também, ao trabalho de excelência desenvolvido no instituto gaúcho.

Número de alunos

500 na graduação

100 na pós-graduação

Conceito

Nota máxima (7) da Capes na pós-graduação

Outros grupos de excelência

Grupo de microeletrônica, dedicado à elaboração de microchips

Grupo de astronomia, considerado um dos melhores do país

Grupo de implantação de íons (agrupamento de átomos) para estudo de materiais

Projetos

O instituto está trabalhando para abrir uma incubadora que permitiria o lançamento de empresas, colocando em prática a ciência básica desenvolvida na universidade.