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Educação Básica  | 15/10/2012 08h56min

Lá vem a Tia da Moto!

Ação de professora reduziu evasão na rede municipal em Santa Maria

Tatiana Py Dutra  |  tatiana.dutra@diariosm.com.br

O "sacerdócio" do magistério é exercido sob chuvas de pó de giz e através de muralhas de provas para corrigir. E em Santa Maria, uma professora ganhou notoriedade por defender a educação nas ruas, sobre duas rodas _ Luci Zelada Duartes, 53 anos, ou, se preferir, a Tia da Moto.

Desde 1997, ela trabalha no combate à evasão escolar visitando famílias de estudantes infrequentes e "caçando" gazeteiros nas ruas. De lá para cá, já enfrentou pais e alunos revoltados, foi ameaçada e atingida por tiros, sofreu derrota nas urnas e, há três meses, teve retirada uma das mamas, em função de um câncer, que combate com quimioterapia e bom humor.

_ De tudo, o que eu lamento mais é o resultado das eleições _ confessa Luci, com um sorriso, contando que ficou como segunda suplente do PDT para a Câmara de Vereadores.

O trabalho da Tia da Moto começou em 1997, quando a então professora de Educação Física do Caic Luizinho de Grandi foi convidada trabalhar na Secretaria Municipal de Educação. Acreditando que trabalharia em um setor relacionado a sua área de atuação, ela aceitou. Mas o titular da pasta, professor Pedro Aguirre, tinha outros planos. A ideia era implantar um projeto de redução do abandono, que, naquela época, estava em torno de 6%.

_ Aí eu perguntei: "Tá, mas como vamos fazer isso?". E ele disse: "Aproveita que tu adoras andar de moto e vai visitar essa gente". Foi assim que começou _ lembra a professora.

O Programa de Controle da Evasão Escolar recebia relatórios das escolas da rede municipal, com dados de alunos evadidos ou infrequentes. Em seguida, Luci ia às casas para saber qual era a justificativa para que faltassem aula. No fim do encontro, não havia desculpa que não fosse derrubada por uma saída apresentada por Luci.

_ Muitos pais justificavam que a criança precisava cuidar de irmãos menores, então a gente falava com a Secretaria de Assistência Social para conseguir creche. Se a desculpa era dificuldade de aprendizado, a gente montava uma estratégia para reforço _ conta Luci, acrescentando que o sistema funcionava porque os pais se comprometiam em mandar os filhos à escola.

Diretora da Escola Pinheiro Machado, Lavi Martins, lembra de uma história que exemplifica a persistência da Tia da Moto: ela se prontificou a acordar um aluno todos os dias.

_ A mãe do menino disse que o acordava antes de ir para o trabalho, mas ele voltava a dormir. Ela disse que iria na casa dele, todas as manhãs. E ela realmente fez isso.

O trabalho foi hercúleo, mas eficaz. Em seis anos, o índice de evasão, que era 4% caiu para 0,75% (hoje é 0,54%). Em 1998, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) premiou a iniciativa.

_ Ganhamos uma moto. Até então, eu fazia o trabalho com a minha mesmo _ lembra Luci, rindo.

Monstro do abandono tem companhia
Luci se afastou da secretaria entre 2003 e 2008. No retorno, o fantasma que assombrava as escolas não estava mais sozinho: a indisciplina também virou um problema. O que levou a ampliação do antigo projeto, que hoje se chama Programa de Controle de Fluxo, Evasão e Disciplina Escolar.

O programa de atendimento valoriza o trabalho do orientador educacional para o diagnóstico, a mediação e a viabilização de soluções para o aluno e suas famílias. Ainda prevê passos que a escola deve tomar em situações de conflito, que inclui a "transferência dirigida" para situações-limite.

_ Dessa forma, o aluno indisciplinado é punido sem ser agredido. Ele perde aquela plateia de colegas conhecidos, mas chega numa escola nova sem rótulos. Nenhum professor o conhece e nem tem antipatia contra ele. Em 90% dos casos, dá resultado _ afirma.

Do nada, dois tiros
O apelido de Tia da Moto veio de alunos gazeteiros insatisfeitos com sua a persistência da professora em levá-los de volta à classe. Mas não foi só aos alunos que ela desagradou. Lindando com estudantes em situação de risco, ela desafiou traficantes, cafetões e outros exploradores da infância. Sofreu um atentado, em maio de 2003, em função disso.

No dia 15 daquele mês, ela trafegava pela Faixa Nova de Camobi, quando uma motocicleta a ultrapassou em alta velocidade, atirando. A pasta que carregava às costas se deslocou para o lado, pelo impacto da bala. Sem perceber do que se tratava, ela desceu do veículo para ver o que ocorria. Foi quando percebeu o atirador parado, 10 metros a sua frente. Ele atirou, e fugiu.

_ O problema é que sou pouco medrosa. Fazia dias que eu estava sendo ameaçada. Mas a pessoa que fazia ameaças não dizia por qual motivo queria me matar _ comenta.

A professora não viu o rosto do atirador, que vestia capacete, mas acredita que ele fosse o agenciador de duas irmãs de 13 anos, recém-chegadas à cidade, e inseridas num esquema de prostituição

_ Elas ganhavam o dinheiro do programa, mas precisavam levar os clientes para um determinado motel e para uma determinada casa noturna. O agenciador achava que eu ia denunciá-los a polícia, mas, primeiro, queria salvá-las. Teve um dia que liguei cinco vezes para o Conselho Tutelar para tirar aquelas meninas da rua e entregar para a mãe _ lembra Luci, justificando sua suspeita.

Apesar das tensões, a Tia da Moto conta que as histórias da maioria de seus protegidos acabaram bem. E esse é o melhor pagamento com que se pode contar, segundo Luci:

_ O tempo te dá o prêmio. Eu tenho contato com pelo menos 10 meninos e meninas que hoje são pais e mães de família, bem sucedidos em suas profissões, que tirei da rua. São cidadãos e, para um professor, é isso o que conta.

DIÁRIO DE SANTA MARIA
Fernanda Ramos / especial

Afastada do trabalho há três meses em função da campanha eleitoral e do tratamento de um câncer, a professora não desgruda de sua moto
Foto:  Fernanda Ramos  /  especial


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