Marcelo Gonzatto  |  marcelo.gonzatto@zerohora.com.br

Muitas das dúvidas que povoam a infância, historicamente dirigidas pelas crianças a pais e educadores, estão sendo redirecionadas para uma nova fonte de ensinamentos: o Google.

A ferramenta de pesquisa na internet se consolida como recurso preferencial de meninos e meninas para estudar e matar a curiosidade sobre temas do cotidiano, convertendo o sistema de busca em uma espécie de conselheiro pessoal.

Uma pesquisa da entidade britânica Birmingham Science City deu indício concreto desse fenômeno ao revelar que 54% das crianças e dos adolescentes consultados prefere recorrer ao Google, em vez dos pais, como fonte de informação. A família recebeu 26% das preferências. Os professores, 3%.

— Não surpreende que, com as respostas ao toque de um botão, os mais novos façam perguntas ao Google antes de pais, amigos ou professores. Mas isso não é necessariamente ruim. Mostra como as crianças estão familiarizadas com a tecnologia digital — avaliou o diretor do órgão britânico, Pam Waddell, durante o lançamento do estudo realizado com 500 meninos e meninas de seis a 15 anos.

A atração exercida pelo novo oráculo doméstico já surpreende famílias gaúchas. Na casa dos comerciantes Ricardo Bassani, 40 anos, e Alessandra, 37, a notícia de que o filho Luigi utilizava o buscador para entender o mundo chegou com um susto. Quando ouviram o menino de sete anos utilizar a expressão "gay" pela primeira vez, em contexto pouco apropriado, perguntaram ao aluno do 2º ano do Fundamental onde havia aprendido aquilo.

— Olhei no Google — explicou o garoto.

Bassani e Alessandra nem sequer sabiam que o menino já realizava suas próprias pesquisas no computador. Desde então, assumiram a postura que especialistas consideram adequada para receber o "tio Google" em casa: orientam o filho sobre como utilizar a ferramenta e procuram se colocar à disposição para orientá-lo no que for necessário. Periodicamente, procuram saber quais assuntos despertam sua curiosidade, mas não vedaram o acesso ao conselheiro virtual.

— Nos surpreendemos porque acreditávamos que o Luigi ainda era muito novo para fazer suas próprias consultas. É incrível como o Google entrou na vida da gente — admira-se Bassani.

Desde então, o mecanismo se tornou peça-chave nos trabalhos escolares e para tirar dúvidas variadas. Antes de uma viagem da família, o menino voltou ao faz-tudo digital para achar imagens da Praia do Rosa e conhecer com antecedência o destino das férias. E mais:

— Uso também para achar jogos de computador, procurar notícias sobre o Inter, várias coisas — conta Luigi.

A doutora em Educação Suyan Castro Ferreira emprega o Google como recurso didático há cinco anos no Colégio Rosário, da Capital, para crianças de até 11 anos. Também se surpreende com a crescente familiaridade dos pequenos com o instrumento:

— Quando comecei, mal sabiam usar. Hoje, já chegam sabendo tudo.

Em vídeo, veja como fazer uma pesquisa assertiva no Google:



Fenômeno exige adaptação de pais e de educadores

O avanço das buscas virtuais exige um novo papel de pais e de educadores, na avaliação de especialistas. Como a internet garante maior autonomia às crianças, familiares e educadores precisam assumir um perfil mais centrado na orientação e contextualização do que no antigo costume de oferecer e exigir respostas prontas.

O desafio, conforme a doutora em Educação Suyan Castro Ferreira, é estimular uma postura crítica sobre a internet - já que a rede também armazena informações falsas - e orientar as crianças a não se contentarem com uma única resposta.

— É importante ensiná-las a pesquisar em mais de uma página e fazer comparações — exemplifica Suyan.

Para a coordenadora científica do Laboratório de Estudos Cognitivos da UFRGS, Léa Fagundes, os alunos pós-Google deveriam formular suas próprias questões, buscar respostas variadas e analisá-las, em vez de dar soluções padronizadas a questões formuladas unilateralmente pelo educador:

— Isso é muito diferente de obedecer às perguntas formuladas pelo professor sem escolha própria.

É um erro comum, conforme Léa, o professor determinar exatamente qual pesquisa o aluno deve fazer e até ditar os termos da busca, em vez de dar chance para a criança explorar. Também é importante estimular que ela investigue profundamente os temas de seu interesse, navegando de uma página para outra. Essa é a rotina na casa da aluna do colégio Anchieta Luiza Prosdocimi Roberto, nove anos.

— Ela começa pesquisando sobre um tema e vai abrangendo cada vez mais coisas. Isso é muito interessante — analisa a mãe de Luiza, Fernanda, 43 anos.

Luiza conta que, além de digitar no computador temas de trabalhos escolares, faz consultas sobre qualquer assunto que desperte a sua atenção.
— Se eu vejo uma palavra no jornal que me chama a atenção, já boto no Google — conta uma das novas sobrinhas do "tio Google".

QUAL A NOTA DO PROFESSOR GOOGLE?

ZH inseriu cinco perguntas no Google e selecionou o primeiro link apresentado em cada busca. A parte principal de cada resposta foi submetida a especialistas, que avaliaram a correção do "Tio Google". Veja como se saiu:

1. O que é trigonometria?

Trigonometria (do grego trigonon "triângulo" + metron "medida") é um ramo da matemática que estuda as relações entre os comprimentos de 2 lados de um triângulo retângulo (triângulo onde um dos ângulos mede 90 graus), para diferentes valores de um dos seus ângulos agudos. (...)

Fonte: Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Trigonometria)

Avaliação do especialista: errado.

A definição sugere que o objeto de estudo da trigonometria são os triângulos retângulos. A definição mais aceita, porém, estabelece que ela estuda triângulos em geral, especificamente considerando seus lados e os ângulos formados entre os lados, e isso independe do triângulo ser retângulo.

Gustavo Reis, professor de matemática

2. O que é um meteoro?

Meteoros são partículas de poeira ou rocha que ficam voando pelo espaço a alta velocidade. Quando entram na atmosfera da Terra se tornam incandescentes e pegam fogo, fazendo um imenso risco no céu. Parecem que são grandões mas, na maioria das vezes, não passam de grãozinhos de areia.

Fonte: ABC da Astronomia (www.truenet.com.br/raskin/meteoro.htm)

Avaliação do especialista: parcialmente correto.

O meteoro é o fenômeno luminoso produzido por um meteoroide quando ingressa na atmosfera da terra devido ao atrito com o ar. Um meteoroide é como deve ser chamado o pequeno corpo de rocha ou metal que viaja no espaço interplanetário a grandes velocidades.

Gilberto Klar Renner, da equipe de produção do Planetário da Capital.

3. Como se forma um ciclone?

Os ciclones são movimentações realizadas quando o ar quente presente no solo terrestre se eleva de maneira a formar precipitações e fortes ventos. De acordo com a força gerada pelo ar, um ciclone é classificado (...).

Fonte: Yahoo! Respostas (http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20090915134102AAaYxif)

Avaliação do especialista: errado.

Os ciclones se formam mediante o aquecimento da água da superfície do mar, entre outros fatores, enquanto a resposta se refere ao ar quente presente no "solo terrestre". Além disso, classifica os ciclones conforme a "força" dos ventos, enquanto o correto é "velocidade" dos ventos.

Yoshihiro Yamasaki, chefe do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da UFPel

4. O que é o relevo terrestre?

O relevo terrestre  pode ser definido como as formas da superfície  do planeta . O relevo se origina e se transforma sob a interferência de dois tipos de agentes: os agentes internos e externos. Endógenos: vulcanismo  e tectonismo. Exógenos: intemperismo  e a antropicidade (o fator humano). (...)

Fonte: Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Relevo_(geografia))

Avaliação do especialista: correto.

É um bom resumo do assunto, embora parta do pressuposto de que o leitor sabe o que é endógeno e exógeno. As informações prestadas, porém, estão corretas.

Marcelo Caetano, professor de Geografia do Unificado e Colégio Santa Inês

5. Quem foi a Princesa Isabel?

Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Gonzaga de Bragança, a Princesa Isabel, nasceu no palácio de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1846. Tornou-se a herdeira do trono brasileiro após a morte prematura do irmão mais velho. Filha de D.Pedro II, passou para a história do Brasil como a responsável pela assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888. (...)

Fonte: Suapesquisa (http://www.suapesquisa.com/pesquisa/princesa_isabel.htm)

Avaliação do especialista: parcialmente correto.

O nome da princesa está incompleto, falta um "Rafaela" entre o "Gabriela" e o "Gonzaga". Tornou-se herdeira após a morte de seus irmãos varões, não somente do irmão mais velho. Talvez o maior problema seja a ênfase personalista: parece que a escravidão acabou com um "canetaço", quando sabemos da importância das articulações políticas e do movimento abolicionista.

Fábio Kühn, professor de História da UFRGS

RESULTADO: NOTA 4


COMO ORIENTAR AS PESQUISAS VIRTUAIS

Veja algumas dicas para pais e educadores proporcionarem um uso mais pedagógico da ferramenta de busca:

* Deixe que a criança escolha suas próprias palavras para formular a pesquisa - evitando ditar o que ela deve escrever no campo de busca -, colocando-se à disposição para ajudar quando necessário e contextualizar as informações encontradas.

* Oriente a criança a procurar respostas em mais de um link. Um maior número de sites que apresenta a mesma informação reforça a validade da resposta.

* Estimule a comparação entre as diferentes respostas em busca de informações contraditórias, o que pode inclusive servir como tema para discussão sobre o assunto.

* Na busca de informações objetivas, dê preferência a sites teoricamente mais confiáveis, como os de instituições oficiais, de estabelecimentos de ensino ou de enciclopédias virtuais, por exemplo.

* Peça cuidado com sites que reúnem respostas formuladas por outros internautas. Elas costumam estar mais sujeitas a erros e devem ser comparadas com informações de outras fontes.

* Estimule a criança a realizar novas pesquisas a partir das informações encontradas durante uma primeira busca - permitindo que ela vá elaborando novas questões e se aprofundando em um ou mais assuntos.

A MAIOR PARTE DAS CRIANÇAS...

Resultados obtidos a partir de 1.984 entrevistas feitas com meninos e meninas de seis a nove anos:

...TÊM ACESSO A INTERNET
78% disseram contar com acesso à rede de computadores em casa.

...CONTA COM COMPUTADOR PRÓPRIO
37,6%, o maior percentual apurado, tem computador no próprio quarto. Outras 23% usam na sala de estar.

...USA O EQUIPAMENTO PARA ESTUDO
O maior percentual de entrevistados _ 38,8% _ utiliza a internet para estudar e realizar tarefas escolares.

...SE CONECTA EM CASA E NA ESCOLA
72% acessam a rede em casa, mas o segundo maior percentual é na escola, com 31%

...NAVEGA SOZINHA
58,6% das crianças disseram que, na maioria das vezes, estão sozinhas quando usam a internet. Outras 22,8% disseram que costumam navegar com a mãe, e 18,4% com o pai.

Fonte: estudo Gerações Interativas Brasil: Crianças e Adolescentes Diante das Telas

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