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Educação Básica  | 01/10/2012 06h04min

Projeto em Tapera promove participação dos pais na vida escolar

Iniciativa de município de 10 mil habitantes no norte do Estado é exemplo para ações de envolvimento familiar no ensino

Itamar Melo  |  itamar.melo@zerohora.com.br

Você sai à rua e depara, no vidro dos carros, com adesivos sobre a necessidade de participação dos pais na educação. Vai ao supermercado e encontra, dentro da sacola de compras, um folheto com dicas sobre como ajudar nos estudos da criança.

Aliás, você nem precisa sair de casa para receber esses estímulos. Ao longo do dia, inserções na programação da rádio lembram-no de supervisionar a lição de casa da criançada. E se o rádio está desligado, algum voluntário bate à sua porta para lembrá-lo da responsabilidade.

Essa ofensiva em prol do engajamento familiar movimenta Tapera, município de 10 mil habitantes no norte do Estado, desde 2010. E foi a própria comunidade quem abraçou e disseminou a causa.

O projeto Comece em Casa e Continue na Escola nasceu quando a professora aposentada Inês Bauermann, 64 anos, percebeu o quanto novos estímulos faziam seu neto se desenvolver. Ela concluiu que era fundamental envolver as famílias da comunidade para desde cedo dedicarem-se à educação das crianças. Foi atrás do prefeito, do presidente da Câmara, do promotor, do juiz de Direito e engajou a cidade.

Dois anos depois, o projeto tem o apoio de empresas locais e voluntários que dedicam seu tempo a visitar instituições de ensino e residências.

— É um processo lento, mas já estamos notando uma mudança de atitude. As famílias estão indo mais à escola, cuidando a frequência e organizando espaços para estudo em casa — afirma Inês.

Uma das voluntárias é a comerciante Ângela Nunes, 40 anos, que reserva um horário semanal para visitar escolas infantis locais.

— Conto histórias e levo livros para as crianças tomarem contato com eles, desde o berçário. Sempre apresento algum material diferente, como fantoches ou música — conta.

A secretária municipal de Educação, Sueli Linné, está entusiasmada com a iniciativa dos voluntários, integrada ao Projeto de Educação e Desenvolvimento da prefeitura:

— Educação não se faz só na escola. Ainda não temos o resultado que gostaríamos, mas estamos avançando com o apoio efetivo da comunidade.

Famílias pela educação

Como a comunidade de Tapera se mobiliza para melhorar o desempenho escolar das crianças:

Adesivos

> Cerca de 2 mil veículos circulam ostentando o adesivo do projeto, custeado por doações da comunidade.

Cartazes

> Nos estabelecimentos comerciais, tornou-se comum encontrar cartazes com os dizeres "Família e escola, uma parceria valiosa — Diga sim a essa ideia".

Mandamentos para os pais

> Cerca de mil ímãs de geladeira com um decálogo sobre como o pai pode colaborar para o desenvolvimento da criança foram distribuídos. Os mesmos lembretes, impressos em papel, foram levados ao comércio.

Inserções no rádio

> Uma emissora de rádio local abriu espaços na programação para veicular textos produzidos pelos voluntários que estimulam as famílias a valorizar a educação.

Visitas familiares

> Voluntários acompanham agentes de saúde municipais nas visitas às residências, quando passam mensagens aos pais como a importância de supervisionar a lição de casa e de reservar um espaço de estudo.

Histórias para as crianças

> Grupos de voluntários visitam as escolas infantis para levar livros e contar histórias para as crianças.

Grupos de chimarrão

> Na cidade, existem grupos de amigos que se reúnem toda a semana para tomar chimarrão, trocar ideias e fazer trabalhos manuais. Alguns deles se juntaram ao projeto e confeccionaram materiais pedagógicos.

Apoio à prefeitura

> Doações de empresas e cidadãos locais foram importantes para a montagem de atividades oferecidas no contraturno pela Secretaria de Educação local, incluindo esporte, arte e cultura. Instrumentos musicais foram obtidos assim, bem como recursos para pagar professores de música, dança e tênis.

Mãe quer para os filhos as chances que não teve

Luciana de Oliveira precisa que alguém consulte seu documento de identidade para responder que tem 32 anos. Sua realidade representa um dos desafios do projeto Comece em Casa e Continue na Escola: envolver na educação as mães sem escolaridade. Luciana mal sabe escrever o próprio nome, mas, desde que recebeu a visita das voluntárias, despertou para a necessidade de apoiar suas quatro crianças em idade escolar.

— Elas me ajudaram com bastante coisa que eu não sabia, como a importância dos livros. Fiquei com uma força para ajudar e cuidar deles. Eles não tinham muita vontade de ir à escola. Agora estou fazendo estudarem e não faltarem mais. O que eu quero para os meus filhos é o que eu não tive. Até eu já estou pensando em estudar — diz ela.

Luciana trabalha coletando papel com o marido. Nas sua andanças, achou uma mesa de computador e levou-a para casa. É o lugar onde as crianças, entre três e 11 anos, fazem os temas e as atividades escolares. Ela também está sempre à procura de livros descartados nas ruas. Leva-os para os filhos.

As crianças ainda enfrentam problemas na escola, mas os participantes do projeto estão animados com a atitude de Luciana.

— Apesar de todas as dificuldades que ela tem, a gente sente que está entusiasmada, tentando criar um ambiente de estudo, acreditando em um futuro melhor para os filhos — elogia Inês Bauermann.

Nascida para ensinar

Por Rosane de Oliveira

Em 1971, Inês Gobbi ensinava português no Ginásio Taperense. Na turma de 41 alunos da 1ª série A do antigo ginásio, quase todos na faixa dos 10 aos 12 anos. Com 10, só eu e Charles Bonato, um geniozinho de excelentes notas. Tínhamos medo e admiração pela professora que chegava dirigindo um Fusca azul, entrava na sala e ensinava com tanta clareza que era impossível não aprender.

Depois das férias de julho, a professora Inês voltou com uma novidade: teríamos de escrever um texto por dia. Na sexta-feira, cada um escolheria um dos seus para ler em voz alta. Como sabia que nossas vidas ordinárias de crianças do Interior não rendiam assunto para um diário, Inês nos deu a opção de escrever sobre qualquer assunto se não tivéssemos nenhuma aventura para relatar. Na primeira sexta-feira, dei graças a Deus por ser a 32ª na chamada por ordem alfabética e não estar entre os primeiros a ler para o grupo. Sem perceber, estávamos aprendendo a escrever e a ler com entonação.

Mudei de escola no ano seguinte, ela se casou e mudou de nome, foi secretária municipal da Educação e nos perdemos no tempo. Há alguns anos, contei a história do diário numa palestra em Tapera, e o prefeito se ofereceu para me levar à casa da professora. Encontrei uma mulher dilacerada pela perda do filho em um acidente de trânsito, mas com aquela energia do passado no olhar. Enquanto mostrava seu jardim japonês, falou com tanta paixão do ofício de ensinar que a aposentadoria me pareceu fora do lugar. Era inevitável seu envolvimento em um projeto como o Comece em Casa e Continue na Escola. A educação está na alma dessa mulher com quem aprendi que escrever é o mais fascinante dos exercícios.

ZERO HORA
Dieogo Zanatta / Especial

Ideia de Inês Bauermann (à esq.) busca o envolvimento das famílias na vida escolar dos filhos
Foto:  Dieogo Zanatta  /  Especial


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