Vestibular | 04/09/2012 11h36min
A estante na sala da casa de Sergius Gonzaga e as pilhas de livros no chão diante dela não representam nem a metade dos volumes que ele tanto aprecia. No escritório, as quatro paredes acomodam livros de cima a baixo, com espaços vazios apenas onde ficam as duas janelas do cômodo.
Professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escritor e atual secretário municipal de Cultura de Porto Alegre, ele não contabiliza seu acervo.
— Tem mais (livros) espalhados pela casa, não faço ideia de quantos são. Sigo emprestando, mesmo sabendo que a maioria das pessoas nunca devolve — comenta.
Talvez os empréstimos estejam relacionados com a vontade de cativar novos leitores. Entre eles, estão os vestibulandos. Por cerca de 30 anos, os cursinhos pré-vestibulares foram parte do dia a dia de Sergius. Ao comentar o período dedicado a preparar os futuros universitários, ele não cansa. Conta detalhes, lembra de alunos pelo nome e recorda palestras com artistas e escritores que movimentaram os estudantes entre os anos 70 e 80. Sobre o que é necessário para ensinar, o autor do Curso de Literatura Brasileira (Editora Leitura XXI), livro que já acompanhou dezenas de estudantes, não hesita: os professores têm de continuar lendo para dar uma aula interessante.
Seu gosto pelas letras fica mais evidente quando puxa uma obra qualquer da estante para posar para a foto desta página. Ao folhear, encontra anotações e exclama:
— Achei um livro ótimo que nem lembrava da existência, devo estar começando a esquecer. Será que já esqueci tudo que li?
O decorrer do tempo e as atividades profissionais reduziram um pouco o ritmo de leitura do professor. Às vezes, ele confessa, sucumbe ao Facebook. Mesmo assim, no topo da sua lista particular, hoje estão obras do mexicano Carlos Fuentes, do argentino Cortázar e do colombiano Gabriel García Márquez.
A lista da UFRGS
Para Sergius, a lista de obras indicadas para os vestibulares tem potencial de cativar os vestibulandos para a leitura:
— Na minha opinião, o principal alvo das leituras deveria ser despertar interesse em quem não é um leitor usual. Isso deveria nortear a escolha das obras.
Assim, o grande número de livros considerados complexos na lista da UFRGS o incomoda. A maioria dos títulos deveria ser, segundo ele, acessível também para quem não lê. Uma seleção de crônicas entre as obrigatórias o agradaria.
Independentemente dos títulos escolhidos, a partir de hoje, o professor escreve sobre as obras que cairão na prova de Literatura do próximo vestibular da UFRGS. Confira ao lado.
Contos Gauchescos
Livro de 1912, do escritor Simões Lopes Neto
A importância da obra
Espécie de obra fundadora da literatura sul-rio-grandense, sua importância resulta de pelo menos três fatores:
> A utilização inovadora da linguagem regional, pois quem narra os contos é um "guasca" — o velho Blau Nunes — que expressa (para um ouvinte sofisticado) sua fala carregada de espanholismos, arcaísmos e termos específicos da região da campanha, o que confere à mesma naturalidade e rico sabor.
> A fixação realista dos costumes e da vida cotidiana do pampa.
> O sentido universal dos contos, pois a revelação do drama humano torna-se mais importante do que a descrição do ambiente rural e dos hábitos gauchescos.
O que observar
Os contos mais significativos da obra são os de "sangue e paixão", em que o sentido dramático nasce da explosão de sentimentos incontroláveis (amor, orgulho, ciúme, ódio, vingança), e que deixam atrás de si um rastro de horror, impiedade e desatinada cegueira. Releia os contos: O Negro Bonifácio, Jogo do Osso, No Manantial, Os Cabelos da China, O Contrabandista, O Boi Velho e Duelo de Farrapos. São os melhores do livro.
Importantes também são os contos de costumes e valores gaúchos, nos quais a memória recompõe nostalgicamente os tempos antigos (Correr Eguada), ou evoca situações em que avultam os princípios morais definidores da existência do gaúcho (Trezentas Onças e O Anjo da Vitória).
Há também uma tendência humorística em certos relatos, mas não é tão significativa como as anteriores. Ela pode ser exemplificada pelo conto Melancia-Coco Verde, em que a história bem-humorada de um namoro impossível tem desfecho divertidamente romântico. Em nenhum momento, a repressão paterna e a sangueira de uma guerra fronteiriça — pilares da narrativa — são mostradas na extensão de sua brutalidade.
Dica do professor Sergius
Repare na complexa construção da imagem do gaúcho, realizada pelo auto. Ora o tipo regional é apresentado como um ser virtuoso, bravo honesto e de vibrante lealdade, ora como um indivíduo saudoso de uma época dourada em que as diferenças sociais eram pequenas.
Contudo, as histórias vividas ou observadas por Blau Nunes muitas vezes negam os valores gauchescos tradicionais, revelando um universo de violência e destruição, diante do qual o leitor sente apenas desconforto e mal-estar. Estabelece-se assim uma visão crítica da realidade.
Releia — sob esta ótica — O Anjo da Vitória e perceba a fascinante ambiguidade (elogio guerreiro versus crítica da violência) que emerge no relato. Esta ambiguidade é um dos valores supremos da literatura de Simões Lopes Neto.
ZERO HORA
Professor do curso de Letras da UFRGS, Sergius acredita que as leituras obrigatórias devem cativar os estudantes para os livros
Foto:
Ronaldo Bernardi
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