MEC | 01/09/2012 16h26min
Nem só de mazelas e queixas vivem as salas de aula comandadas por educadores brasileiros. Uma seleta amostragem destes pioneiros, que trabalham em locais e culturas tão variados como o interior gaúcho, o Ceará e os Estados Unidos, demonstra que o próprio Brasil pode servir de inspiração para o restante do país superar dificuldades históricas.
— O enorme atraso do nosso ensino, que não faz jus à maioria dos demais indicadores do país, exige novas formas de promover a educação. Mais do que exigir isso somente dos professores, é fundamental que se mudem mentalidades dos gestores e da própria sociedade — afirma o consultor de projetos de tecnologia educacional Carlos Seabra.
Confira exemplos de quem já faz educação com mentalidade nova.
A receita de Igrejinha: todos avaliam todos
Em uma escola municipal de Igrejinha, no Vale do Paranhana, alunos costumavam se envolver em algazarras que por vezes resultavam em desentendimentos. A solução não veio da direção, de um orientador educacional ou de um professor. O diagnóstico do problema partiu do vigia da escola, graças a um sistema de avaliação que incluiu a cidade gaúcha em uma lista de boas práticas elaborada pelo Ministério da Educação.
A cidade de 31,6 mil habitantes implantou um modelo de monitoramento institucional em que todos avaliam todos, apontam falhas e revelam caminhos por onde o sistema pode progredir. Por meio de questionários entregues a pais, alunos, professores, funcionários de escola e gestores, a secretaria municipal consegue identificar problemas, buscar soluções e desatar nós que possam limitar o desenvolvimento dos alunos.
Em um desses questionários, um vigia apontou que a bagunça cotidiana era agravada pela demora dos professores em chegar às salas de aula. A razão? Levava muito tempo para preencherem o livro-ponto. Identificada a razão do transtorno, o município comprou relógios automáticos que diminuíram a burocracia e o tempo em que os alunos ficavam sem supervisão.
— É um exemplo simples de como o sistema em que todos se avaliam funciona. Assim, podemos identificar problemas e melhorar sempre - observa a secretária municipal da Educação, Liége Brusius, uma das criadoras do sistema juntamente com as assessoras Sigrid Izar Becker e Adriana Odete Koch dos Santos.
Por meio dos questionários, elaborados com perguntas diferentes para pais, alunos ou professores, por exemplo, é possível medir a satisfação de cada grupo com as condições de ensino, apontar deficiências de infraestrutura ou falhas de metodologia. O questionário é distribuído a cada três anos — com um índice de devolução superior a 90%. No intervalo entre as edições da pesquisa, em um ano são propostos planos de ações para corrigir os defeitos apontados e, no outro, esses planos são colocados em prática.
Os efeitos positivos incluem uma maior integração dos pais às escolas e melhoras no desempenho dos estudantes - desde 2005, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) subiu de 4,7 para 6,1 nas séries iniciais.
— Muitas escolas se queixam de que os pais não participam. Derrubamos esse mito. Eles só não participam se são chamados apenas quando há alguma reclamação, e no horário de trabalho. Quando eles sentem que podem contribuir, participam — resume a secretária.
Lista de material: cadernos, lápis, livros e... tablet
Tem o tamanho aproximado de um caderno, mas nele cabem palavras, desenhos, sons, movimentos, jogos e tudo que se possa imaginar. O tablet, espécie de prancheta digital que roda aplicativos e permite conexão à internet, vem conquistando espaço como ferramenta didática nas salas de aula do mundo inteiro - inclusive em escolas gaúchas.
Em Porto Alegre, o Colégio Israelita começou um projeto-piloto no ano passado envolvendo a Educação Infantil. O sucesso - e o interesse dos alunos mais velhos - foram tão grandes que neste ano a iniciativa foi estendida para todos os mais de 700 estudantes. Foi criado até mesmo um núcleo especializado em que os próprios alunos do Ensino Médio desenvolvem aplicativos, como jogos pedagógicos, no turno inverso às aulas.
— Ainda é um projeto em fase inicial, mas que já vem apresentando bons resultados — afirma a diretora-geral da escola, Mônica Timm de Carvalho.
A responsável ressalta, porém, que a tecnologia de ponta não substitui a leitura do bom e velho livro, as explicações dos professores e outros recursos tradicionais.
— O tablet é um elemento a mais, que não podemos ignorar porque faz parte da vida de crianças e adolescentes. Para eles, a tecnologia é uma coisa natural — sustenta Mônica.
O tablet é ferramenta para a sala de aula
Foto: Félix Zucco
Como o uso do tablet varia conforme o aplicativo, ele pode ser utilizado das mais diversas formas. No segundo ano do Fundamental, por exemplo, crianças usam uma espécie de quebra-cabeças em que têm de deslocar barras coloridas até que uma se encaixe em um local pré-determinado. Assim, treinam o raciocínio lógico e a coordenação motora. Por ser portátil, leve e prático, permite que várias crianças se reúnam em volta de um e testem hipóteses em grupo para resolver problemas, por exemplo.
Para utilizar a ferramenta da melhor forma, os professores do colégio começaram a receber orientações específicas na universidade corporativa da escola - onde os educadores participam de formação complementar. Dos 89 educadores do Israelita, cerca da metade já está fazendo uso dos 35 equipamentos disponíveis em sistema de revezamento.
Professores treinados na sala de aula
Um dos problemas da educação brasileira, conforme especialistas, não está nas salas de aula das escolas, mas nas classes onde estudam os próprios professores para se graduarem. Deficiências na formação dos educadores, principalmente pela ausência de maior treinamento prático, acabam se refletindo em dificuldades de ensino nas salas de aula dos colégios. Para suprir essa lacuna, um projeto pioneiro apoiado pela Fundação Itaú Social e aplicado em 10 escolas públicas de São Paulo criou um método de formação em serviço.
A proposta é treinar um professor mais experiente, com reconhecida capacidade, para atuar como tutor de outros educadores. Além de ajudar a planejar aulas e atividades por meio de reuniões periódicas, o tutor acompanha algumas aulas do colega e sugere mudanças que podem melhorar o desempenho.
Entre as falhas corriqueiras estão hábitos como ficar muito tempo de costas para os estudantes, não reservar tempo para eles falarem, não direcionar perguntas à turma, entre outros pequenos pecados didáticos que só podem ser flagrados em plena atividade. O problema é que nem todos os educadores gostam de ser observados trabalhando.
— Há uma dificuldade inicial, porque a entrada em sala é vista como "intromissão". Mas o tutor não é um fiscal. Aí a resistência acaba superada porque os professores estão ávidos por apoio — afirma Isabel Santana, gerente da Fundação Itaú Social.
Sobral, Ceará: o mérito revoluciona o ensino
Há cerca de 10 anos, uma cidade cearense ostentava índices vergonhosos na educação básica: praticamente a metade dos alunos concluía a segunda série sem conseguir ler um texto, uma frase, uma palavra. Hoje, 97% das crianças estão aprendendo a ler no prazo adequado. A cidade promoveu nesse período uma revolução baseada na valorização do mérito, que teve efeitos amplos e vem chamando a atenção de especialistas.
Em Sobral, seleção de diretores foi modificada
Foto: Prefeitura de Sobral/Divulgação
A implantação de uma série de medidas fez com que a rede da cidade de 188 mil habitantes obtivesse o segundo melhor desempenho municipal de todo o Nordeste pelo mais recente Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (média de 7,3), e quase zerou o abandono escolar nas séries iniciais.
Graças a esses feitos, virou exemplo em um documentário lançado recentemente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A receita nordestina apresenta ingredientes pouco comuns na educação brasileira: os diretores deixaram de ser escolhidos por votação ou indicação política e passaram a ser nomeados por meio de concursos.
— Criamos uma seleção rigorosa, com prova escrita, avaliação comportamental e entrevista — revela o secretário municipal de Educação de Sobral, Julio Cesar da Costa Alexandre.
Além disso, foi reduzido o número de escolas do município para otimizar recursos, os professores passaram a receber cursos frequentes de formação e bônus de R$ 800 para a aquisição de um computador para uso próprio. Todo esse processo é completado pela realização de duas avaliações anuais.
— Fazemos uma prova por semestre para avaliar o desempenho dos estudantes, das escolas e de toda a rede — conta o secretário.
Alunos viram inventores
Já pensou entrar em uma escola onde a sua principal tarefa é sonhar com uma invenção e tentar transformá-la em realidade? Esse tipo de colégio, onde aulas convencionais e decoreba não têm vez, já existe: três estão nos Estados Unidos, uma na Rússia e outra na Tailândia. Mas o responsável por lançar um dos mais instigantes projetos de revolução educacional dos últimos anos é brasileiro.
Professor na universidade americana de Stanford, Paulo Blikstein é o responsável pelo projeto FabLab@School (FabLab é abreviatura em inglês para "laboratório de fabricação").
O projeto é instalar, nos colégios, laboratórios onde é possível fabricar praticamente qualquer coisa, com auxílio de computadores, máquinas de corte de materiais a laser e outros equipamentos. Pode-se criar um veículo automotor com sensor para evitar choques, por exemplo, ou um sistema para desligar lâmpadas automaticamente e poupar energia.
— Nos nossos laboratórios, o aluno tem liberdade para criar, mas percebe que, para criar algo interessante, precisa entender a ciência e a engenharia por trás da ideia, então você tem o melhor dos dois mundos — vibra Blikstein.
ZERO HORA
No Vale do Paranhana, escolas seguem um modelo de avaliação em que toda a comunidade participa
Foto:
Miro de Souza
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