A Educação Precisa de Respostas | 30/08/2012 20h49min
Músico aposentado da Base Aérea desde 1998, Getúlio Manoel Inácio, 61 anos, não quis saber de descanso. Ainda que morasse em um lugar convidativo a isso, a Praia do Campeche, em Florianópolis, ele entrou no curso de Pedagogia na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Começava um novo projeto de vida: ensinar música aos moradores de sua comunidade.
A escola, o rancho de pescador de seu pai, que morreu há 20 anos. Foi dele também que veio o gosto pela música. Manoel Inácio, o "seu Deca", era sanfoneiro. E é ali, no galpão de madeira, entre redes de pesca e partituras, que há três anos Seu Getúlio ensaia seus alunos, todas segundas e quintas-feiras de noite. Para isso, os dois barcos são retirados. Cadeirinhas de ferro, enferrujadas, são colocadas no lugar.
Clarinetes, trompetes, saxofones, tubas e flautas são os instrumentos tocados. O barulho das ondas que quebram forte na Praia do Campeche ajudam na composição.
Confira o vídeo com o professor Getúlio Manoel Inácio
— Aqui são três músicas. A do mar, a dos pássaros e a do projeto. Viu que conjunto bonito? — diz Getúlio.
Os 40 alunos do projeto são divididos em três módulos: avançado, médio e iniciante. A idade mínima para começar é 8 anos. Não existe idade máxima. Seu Getúlio tem estudantes de mais de 70 anos. Dois ex-colegas militares também dão aulas. Tudo é gratuito.
Os instrumentos vieram com doações. E os professores não recebem nada para tocar o projeto:
— Não penso em dinheiro, na vida da gente também temos que pensar no social, no bem estar dos outros.
É com essa ideia que Getúlio pretende tocar o projeto até ter forças para sair de casa e seguir para o rancho. Percurso de uns três quilômetros que faz a pé ou de bicicleta. O professor deseja oferecer mais 50 vagas no projeto. Interessados não faltam. Até mesmo quem mora em praias vizinhas pede para participar.
Confira a galeria de fotos com imagens do professor
Mas para isso, ele precisa de mais verbas. As doações pararam e Seu Getúlio mantém a escola com recursos próprios.
Seu Getúlio tem encontro com Fátima Bernardes
Para Getúlio, o retorno de seu trabalho vem de mudanças que percebe na comunidade. Muitos alunos melhoraram as notas do colégio e as famílias participam do projeto.
— Em vez do pai ir ao bar beber à noite, ele vem assistir ao ensaio de seu filho — fala.
O projeto Música no Rancho da Canoa, que já se apresentou em outros pontos da cidade, se mostrará nesta sexta-feira, em rede nacional. Seu Getúlio desembarcou nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro, onde participa do programa Encontro com Fátima Bernardes.
Ele nem acreditou quando recebeu a ligação da produção. Pensou que fosse trote. Para ele, a participação é uma oportunidade de sensibilizar as pessoas e de conseguir doações. O professor ainda prometeu tocar, em rede nacional, parabéns para o seu time, o Avaí, que faz aniversário amanhã.
Rancho também abriga outras atividades culturais
Além do som das ondas, dos pássaros e dos instrumentos, as aulas de música de Getúlio Manoel Inácio também convivem com o barulho forte dos aviões, que seguem para o aeroporto Hercílio Luz ou de lá partem. Voltando no tempo, nove décadas atrás, os aviões não só cruzavam o céu do Campeche, como também aterrissavam no campo de pouso que havia ali.
Eles vinham da Europa e tinham destino Buenos Aires. Um dos pilotos era Antoine de Saint-Exupéry, o autor de O Pequeno Príncipe. O livro é sempre citado por Seu Getúlio a seus alunos. Mas ligação dele com o francês não se restringe a isso e nem ao quadro do menino loirinho, pregado na parede. Ela começa com o seu pai, Seu Deca, que se tornou amigo do francês. Em Florianópolis, Exupéry virou Zé Perri, como era chamado pelos manezinhos.
Fora música, literatura e história, o rancho traz filme a comunidade uma noite por mês. É o Cineclube Dona Chica — referência a mãe de Getúlio, que já morreu. Há ainda oficina de canoa a remo, aos sábados e de capoeira. O músico também pretende oferecer aulas de viola.
Para ajudar com os projetos:
musicacanoa@gmail.com
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