| 02/02/2011 11h44min
Vivendo há 10 meses no Egito, a gaúcha Vanuta Brondani, 23 anos, conta os dias para voltar para a casa da família, em Rosário do Sul, na Região Central. Formada em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ela está no Cairo para completar o intercâmbio na área de Recursos Humanos de uma empresa e é testemunha dos protestos contra o regime do presidente Hosni Mubarak.
Vanuta, que está com a passagem de volta ao Brasil marcada para o dia 10, divide um apartamento com uma campinense que retorna ao país quatro dias antes. Preocupado com o bem-estar da administradora, um amigo egípcio — que participa dos protestos — convidou a gaúcha para ficar na casa da família dele até a data do embarque.
— Acho que é mais seguro, porque eles [os manifestantes] ainda estão entrando nos prédios. Lacramos todas as fechaduras — conta, ao acrescentar que os vizinhos montaram guarda em frente ao edíficio para evitar saques e a ação de vândalos.
A gaúcha relata que o medo é constante desde o início das manifestações e que, apesar do anúncio feito ontem por Mubarak, avisando que não concorrerá à reeleição, a tensão continua.
— As pessoas na rua andam armadas e hoje pegamos o elevador com um vizinho que tinha uma pistola no cinto, bem à mostra.
Em um dos episódios mais tensos, no domingo, Vanuta escutou gritos e correu para a sacada, no nono andar:
— Era um amontoado de gente. De repente, uns 5 tiros seguidos. Aí corremos para dentro e os gritos continuaram. Voltamos e o "bolinho" ainda estava no meio da rua. Todo mundo correu para a sacada e para fora dos prédios, então começou o fogo em um carro abandonado.
Tanque do Exército em meio a manifestantes
Foto: Vanuta Brondani
Confira alguns trechos da conversa com a gaúcha, feita pela internet, que voltou a funcionar hoje no país:
Zero Hora — A internet voltou hoje. Até então tu estavas incomunicável com a tua família? Como eles ficavam sabendo de ti?
Vanuta — O telefone voltou no domingo passado e era o único meio de comunicação, mas mesmo assim era difícil, as linhas estavam congestionadas... Minha família, por exemplo, só conseguia completar a ligação tarde da noite depois de tentar muitas vezes e, mesmo assim, falávamos cinco minutos e a ligação caía. O sistema SMS ainda não está funcionando.
ZH — Chegou a presenciar algum protesto?
Vanuta — Sim, em frente ao meu prédio, no domingo. Alguns vândalos passaram pela rua e quebraram as janelas do Ministério do Petróleo, arrastaram placas, jogaram pedras. No outro dia, houve uma briga muito grande, não deu para ver muitos detalhes, apenas ouvimos tiroteio a noite toda. Colocaram fogo em um carro e em pneus no meio da rua.
Protesto em frente ao prédio de Vanuta
Foto: Vanuta Brondani
ZH — Em algum momento, tu ficaste com medo?
Vanuta — Sim, muito. Ouvimos tiros todas as noites. Os vizinhos, moradores do prédio, estão fazendo guarda na recepção, prevenindo vândalos de entrarem. Eles têm armas, pedaços de pau, pedras. E, para sair na rua, é só das 9h às 15h, que é quando começa o toque de recolher. Igual a uma guerra, a polícia não está atuando, apenas os militares. Dá medo ver aquele fogo e aqueles caras camuflados com umas metralhadoras. Eles fazem check point nos carros e pessoas para ver se não estão em bando, planejando entrar em algum lugar. Passamos o dia trancadas em casa, inventando coisas para fazer, até cabelo cortamos uma da outra.
ZH — E não está faltando comida e água?
Vanuta — Não, ainda tem. Mas ouvi dizer que em alguns bairros já falta.
ZH — Vocês chegaram a sair à rua depois do início dos protestos?
Vanuta — Eu saí hoje de manhã para ir ao mercado, e ontem fomos na entrada do prédio dar chocolate para os vizinhos e agradecer por eles estarem cuidando do prédio. Coitados, colocam a vida em risco.
ZH — Tu estás com medo de não conseguir sair do país?
Vanuta — Vários países estão mandando aviões especiais, mas do Brasil não tem nada. Mas, não [estou com medo], eu já tenho minha passagem, as coisas estão se acalmando. Acredito que até o dia 10 vai estar menos caótico.
ZH — E tu trabalhas em uma empresa aí. Tem ido ao trabalho?
Vanuta — Não. A empresa está fechada desde quinta-feira passada, atrasou o salário de todo mundo. Estão pagando hoje. Os bancos também não funcionam, nem sequer sacar em caixa eletrônico podíamos. Estava tudo desligado. A minha empresa vai voltar na semana que vem, dependendo da situação, eu só vou me despedir agora. Meu intercâmbio já terminou.
ZH — Vocês perceberam uma alteração no clima depois do anúncio do Mubarack ontem?
Vanuta — As pessoas ainda estão protestando, estou vendo as notícias. Ele disse que sairia no fim do mandato, mas o povo quer que ele saia agora.
ZH — Algum conhecido foi embora por causa dos protestos?
Vanuta — Sim. Dois foram agora de manhã, outros foram durante a semana. Gente que recém chegou pra começar o intercâmbio. Uma fazia dois meses que tinha chegado para um intercâmbio de um ano e a outra ficaria até agosto. Uma era da Lituânia e outra da Eslováquia, elas arrumaram voos especiais através das embaixadas e se foram.
>>> Mosaico: os protestos no Egito em imagens:
A administradora gaúcha Vanuta Brondani está há 10 meses no Egito
Foto:
Vanuta Brondani, Arquivo Pessoal
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