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 | 09/06/2009 12h14min

Pelas Ruas: trabalho de taxistas vira rotina de medo na Capital

Desconfiança é constante porque qualquer passageiro pode ser um assaltante

André Mags  |  andre.mags@zerohora.com.br

Rapidamente a notícia se espalhou pelos radiotáxis na noite chuvosa da última segunda-feira em Porto Alegre. Esfaquearam o jovem Rafael Tedeschi, 19 anos, há dois meses trabalhando como taxista. Chegou ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) com as mãos dilaceradas pela faca de um assaltante que o atacou na Rua Primeiro de Setembro, no bairro São José. A profissão do pai e dos tios, passada para Tedeschi por tradição, passou a ser questionada. Mas foi coisa daquele momento de gemidos na sala de sutura do hospital.

— E vai trabalhar onde? Tem família para sustentar, não tem como ficar sem trabalhar — disse a mãe dele, de úmidos olhos azuis, nervosa no corredor do HPS.

Questionamento profissional igual ao do jovem é feito há 18 anos, todos os dias, por Edson da Silva Nunes, 53. Ele nunca sabe se voltará das ruas para a esposa e os quatro filhos. Após três assaltos nos últimos três anos, não confia mais em passageiro algum e se angustia porque inexiste um perfil que delate um potencial assaltante. Os casos de violência estão por todos os lados e são protagonizados por homens bem vestidos, mulheres educadas, adolescentes com ar de inocência, idosos falantes e casais com crianças. Até hoje, já enterrou cinco colegas de profissão. A sensação é de total insegurança.

— A primeira coisa que penso quando sou assaltado é que vou morrer. Penso em reagir, mas o medo sempre vence. Medo de se machucar, de ser ferido e não poder voltar para a família.

Nunes carrega pendurado no espelho retrovisor um rosário dado por uma passageira. É a proteção na qual ele confia.

— Ela me perguntou de que religião eu era. Disse que era católico. Ela me deu o rosário, disse que era para me proteger. Até brinquei com ela. Disse que estava sempre com Deus.

A desconfiança, porém, não tem santo que ajude a passar.

— Qualquer pessoa que entre (no táxi) me deixa desconfiado e com medo. O pior é que, se me matarem, ninguém vai cuidar da minha família. Minha família que se dane — desabafa, com os olhos marejados ao dizer aquilo que pensa todos os dias mas não conta para ninguém. Nem à polícia.

Confira os relatos dos taxistas:



A revolta é grande quando o táxi é parado em uma blitz da Brigada Militar e somente o carro e o motorista são revistados. O passageiro passa incólume, contam diversos profissionais. A parceria entre as centrais de radiotáxi e o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) "não funciona mais", relata Antônio Carlos Nunes D'Ávila, 31.

— Não deu certo, não vejo falar mais. Minha defesa à noite são os colegas, não a polícia.

Foram os colegas que o resgataram após sofrer um sequestro relâmpago na zona norte da Capital na última quinta-feira — o terceiro assalto em 11 anos de profissão. Capturado por dois criminosos, passou a ser agredido a coronhadas dentro do seu táxi, que dirigia sob as ordens da dupla. Tinha certeza de que iriam matá-lo. Por isso, resolveu reagir. Entrou em luta corporal com o homem que seguia ao seu lado. Enquanto isso, o outro que estava atrás desceu e descarregou sua arma contra o veículo. Depois, a dupla se mandou.

D'Ávila não sabe como escapou. Levou um tiro de raspão no pescoço e o automóvel crivado de balas. Ele explica que não tem medo de voltar a encontrar os agressores, que, segundo o taxista, estavam drogados.

— Quem bate, esquece. Que apanha, nunca esquece.

Nelson Luis Medina, 60, leva um assalto e duas tentativas na lembrança. Em 20 anos no volante, passou o maior sufoco à meia-noite de uma data incerta do ano de 2005. Assim que largou um passageiro na Rua Silveiro, foi abordado por uma dupla. Desconfiado, se esquivou, dizendo que estava encerrando o serviço.

— Vou te ensinar a não refugar corrida — falou o bandido, que atirou cinco vezes enquanto Medina acelerava, escapando das balas.

Beno Brum, 53, é uma exceção entre os colegas. Ele não tem explicação satisfatória para nunca ter sofrido assalto nos 32 anos em que dirige táxi.

— É sorte. Não existe perfil, ninguém tem "assaltante" escrito na testa.

Telefone dedicado à BM está esquecido

Desde fevereiro deste ano, o Ciosp recebeu cinco telefonemas da central de radiotáxi para informar sobre assaltos. O tal telefone dedicado para entrar em contato com a Brigada Militar, dado como um equipamento eficiente para combater o crime contra taxistas e em operação há alguns anos, caiu no esquecimento.

— Os taxistas usam mais o 190 — informa o sargento Maverik Alves Pastoriza, que monitora o equipamento.

Os locais mais perigosos

A maioria dos taxistas entrevistados por zerohora.com considera que todas as vias de Porto Alegre são perigosas. Ainda assim, destacam as avenidas Farrapos, Assis Brasil e Protásio Alves como as que devem ser evitadas, com evidência para a primeira. São unânimes em dizer que rejeitam levar ou pegar clientes em vilas da Capital durante a noite. Canoas é considerado um município perigoso à noite, pois, fora da BR-116, há várias ruas isoladas.

Vítimas

O Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre registra pelo sistema de rádio seis ataques a taxistas por dia, conforme informou em matéria publicada em Zero Hora em 6 de fevereiro passado. Naquele mês foi encontrado morto Vidalvino Borges Lindholz, 56. Ele foi baleado no peito e na cabeça na Rua Aurora, depois de pegar dois passageiros na Avenida João Salomoni, na Vila Nova, na zona sul de Porto Alegre.

Em 2008, foram três latrocínios contra taxistas na Capital. Luiz Carlos Belmonte Martins, 53, morreu em assalto na Lomba do Pinheiro em 4 de fevereiro. Pedro Hudson de Almeida, 67, foi esfaqueado por assaltante no bairro Navegantes em 19 de agosto. Marcelo Matos da Silva, 31, morreu com um tiro à queima-roupa em um assalto na Vila Ipiranga em 29 de outubro.

Os assaltos de cada um

Antônio Carlos Nunes D'Ávila, 31 anos

4 de junho de 2009 - taxista circulava pela Avenida Sertório por volta das 2h, quando foi abordado por um Audi A3 em frente ao Shopping Bourbon. Um homem armado entrou no carro e mandou que ele seguisse adiante, dirigindo o táxi. O Audi foi acompanhando o trajeto. O destino seria o bairro Mathias Velho, em Canoas. No meio do caminho, passaram a agredir D'Ávila. Ele revidou. Conseguiu escapar sob balas.

2000 - cliente embarcou na Avenida Assis Brasil, na altura do Hospital Cristo Redentor. Foi até o bairro Anchieta, quando foi anunciado o assalto. O homem levou dinheiro e a chave do automóvel.

1999 - pegou um passageiro no bar Feijão com Arroz, na Avenida Assis Brasil. O homem pediu que o levasse ao bairro Santa Fé. No meio do caminho, anunciou o assalto e mandou que D'Ávila descesse. O assaltante tomou o dinheiro e foi embora, deixando o carro.

Edson da Silva Nunes, 53 anos

Começo de 2009 - um homem embarcou no táxi na altura do Viaduto Obirici e na hora anunciou o assalto. Mandou que fosse levado até a Avenida Farrapos, onde ameaçou com uma arma para que desse dinheiro. A quantia era pouca e o assaltante reclamou, dizendo que tinha dado azar porque o valor era baixo.

2008 - cliente bem vestido e falante entrou no táxi no ponto da Rua Carneiro da Fontoura com a Avenida Assis Brasil. A viagem era para Eldorado do Sul. No caminho, tirou uma arma e mandou que Nunes descesse. Engatilhou a arma e garantiu que o mataria. Nunes saiu do carro e conseguiu levar o celular. O homem foi embora com o veículo.

2007 - parado no ponto da Rua Carneiro da Fontoura, abriu a porta para um homem de boa aparência e educado que pediu para ser levado à Rua Marquês do Alegrete. Na altura do Bourbon da Assis Brasil, sacou um revólver e mandou entrar à direita. Levou dinheiro.

Nelson Luis Medina, 60 anos

2006 - eram 22h22min, Medina lembra bem, momento em que chegou com seu táxi e um passageiro à Vila Bom Jesus. Lá, dois homens estavam esperando. Quando o homem disse que era um assalto, o taxista o esfaqueou com um canivete e conseguiu escapar.

2005 - largava um passageiro à meia-noite na Rua Silveiro, quando apareceu uma dupla que queria transporte. Medina disse que estava encerrando o serviço. "Vou te ensinar a não refugar corrida", ameaçou um dos homens. O taxista acelerou e escapou dos cinco tiros disparados.

2003 - dois meninos entraram no carro à noite na Avenida Oscar Pereira. Eram tão novos que Medina não acreditou que pudesse haver problema. Mas eles tiraram um revólver de uma sacola e efetuaram o assalto. Levaram dinheiro.

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