| 17/01/2009 05h46min
Aos olhos de um adolescente, iniciado pouco antes na arte nem sempre fácil de torcer por um time de futebol, Dorni era o melhor goleiro do mundo. Nenhum outro parecia em condições de repetir os saltos quase acrobáticos daquele jogador baixinho, de pernas arqueadas, sem o dedo mínimo da mão direita, amputado depois de um choque com um atacante, tão competente que por pouco não fora contratado pelo La Coruña durante excursão do Metropol à Europa nos anos 60. Dorni voava e cada vez que caía com a bola dominada, a torcida vibrava como se comemorasse um gol. Gremistas mais antigos devem lembrar de uma destas atuações de Dorni, pela antiga Taça Brasil. Depois de ser goleado por 6 a 1, em Criciúma, o Metropol substituiu o goleiro e surpreendeu o time gaúcho no Olímpico, vencendo por 3 a 2, em agosto de 1961, forçando uma partida de desempate. Dorni, o goleiro tirado da reserva, foi um dos responsáveis pela derrota do Grêmio. Ele teve outra daquelas tantas noites de saltos e defesas empolgantes.
Ele era
para o torcedor do Metropol, o time de mineiros que colecionou vitórias e títulos ao longo de 10 anos antes de ser extinto, o que o atacante e goleador Claudio Milar significava para os xavantes do Brasil, de Pelotas. Nunca foram apenas jogadores, mas acima de tudo torcedores do próprio clube. Eram ídolos que davam conforto e segurança à torcida.
Os dois, Dorni e Milar, terminaram a vida em acidentes trágicos. Também por isso, pela lembrança dos tempos de adolescência em que Dorni parecia ser o melhor goleiro do mundo, é possível entender o tamanho do drama e da tristeza que traumatizam a torcida do Brasil desde a noite de quinta-feira, quando o ônibus com a delegação sofreu o acidente a 80 quilômetros de casa.
A diferença, em um caso e outro, é que Dorni parecia brincar com a morte quando subia na sua moto, até que um dia sofreu o acidente fatal. Milar, 34 anos, estava em um ônibus, teoricamente em segurança, descansando depois de marcar mais um gol pelo Brasil, no
amistoso no Vale do Sol,
ou talvez pensando na próxima temporada do clube que ele pretendia dirigir no futuro, quando encerrasse a carreira. Mas a forma da morte, seja provocada ou acidental, não serve de consolo, como destacou, emocionado, o goleiro Michel na manhã de ontem. "Ninguém está preparado para uma coisa assim", disse com razão o atual jogador do Inter sobre os amigos que morreram. "Não há o que falar".
Uma tragédia assim marca o torcedor para sempre. Nunca mais esqueci aquele 17 de março de 1966, uma quinta-feira. Depois de se despedir da mãe, da mulher e dos quatro filhos pequenos, Dorni subiu em sua moto e, na velocidade habitual, começou a percorrer o trajeto que separava o bairro Mina do Mato do centro de Criciúma. Nem houve tempo para desviar quando uma Rural Willys surgiu na frente da moto, em uma esquina, já perto da concentração do Metropol, onde ele deixaria algumas peças de roupa. Dorni, o homem que diante da preocupação de amigos e familiares com suas loucuras no trânsito respondia
ingenuamente que a
roda "era redonda para se poder correr", bateu na lateral do carro e morreu na hora.
Torcedores que tenham passado por algo parecido entendem a dor dos xavantes. São momentos de orfandade absoluta. Maior goleador do clube, apaixonado pelo time e pela cidade, Milar já se preparava para a aposentadoria e seu projeto acalentado há muito tempo: o de assumir a presidência do Brasil. Sonhava com o dia em que pudesse fazer o time dar um salto. "Esta torcida, fiel como é, merece mais do que nunca viver um tempo como este", repetia. Milar não chegou lá por causa de um acidente, mas, como disse em meio ao choro um velho torcedor do Brasil, "nunca deixará o coração xavante".
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