Saúde | 18/02/2011 08h12min
Suculentos hambúrgueres e sanduíches com salsichas não são pratos típicos da comida vegetariana, mas estão disponíveis no cardápio do El Carmelo, um restaurante estatal que queria promover uma alimentação saudável, sem carne.
A cozinha vegetariana, no entanto, é tão impopular em Cuba - um país em que os longos períodos de privação geraram uma grande devoção pela comida em geral e pela carne, em particular - que, aos poucos, o El Carmelo substituiu o picadinho de soja por hambúrgueres e sanduíches com grossas fatias de mortadela.
A mesma coisa aconteceu com cerca de meia dúzia de restaurantes semelhantes abertos na década passada, seguindo uma iniciativa vegetariana do governo comunista da ilha: ou fecharam as portas ou, pouco a pouco, começaram a incluir em seu menu de pratos com carne.
É um dilema cubano. Como promover hábitos de alimentação saudáveis em um país de carnívoros, se os pratos vegetarianos lembram às pessoas dos períodos de privação do início dos anos 90, quando a carne era um luxo inacessível?
Na maior parte do mundo, cresce a quantidade de vegetarianos à medida que aumentam as evidências de que comer menos carne é bom para o coração e reduz o risco de certos tipos de câncer.
Mas, em Cuba, o punhado de vegetarianos que ainda resistem enfrentam uma árdua batalha. A carne é um componente básico da dieta cubana - por mais que não seja sempre acessível - e a decisão de passar para o time dos vegetarianos parece coisa de louco.
- Quando digo que sou vegetariana, me dizem "menina, estás louca. Não tem como sobreviver comento grama" - afirma Yusmini Rodríguez, 34 anos, tradutora que deixou de comer carne há 13 anos por questões éticas.
- É uma batalha constante - acrescentou ela, explicando que enfrentou a incompreensão da família, a falta e os preços às vezes proibitivos dos vegetais e o fato de que os restaurantes e as cafeterias não oferecem quase nenhum prato sem carne.
- Minha família não entende, mas, depois de todos esses anos, pelo menos respeitam minha decisão. Agora eu posso comer pratos vegetarianos em casa, por mais que seja uma dor de cabeça. Aqui, se algo não tem carne, não é considerado comida - diz ela.
Período especial criou paixão
Yusmini e outros vegetarianos afirmam que o "período especial" de grande escassez no início dos anos 90, depois da queda da União Soviética, marcou para sempre a relação dos cubanos com a carne.
O sistema de racionamento garantiu que ninguém morresse de fome, distribuindo a cada cidadão uma pequena quantidade de alimentos básicos por mês. Mas os cubanos sofreram com a fome nessa época, sobrevivendo com muito pouco. Em alguns momentos, passaram meses sem ver carne.
O consumo médio de calorias caiu de 2.865 antes do período especial para 1.863 em 1993, segundo o livro de Olivier Languepin a respeito das penúrias econômicas da época, Cuba, O Fracasso da Utopia.
- Foi um período de vegetarianismo forçado, que deixou um sabor muito ruim na boca das pessoas - afirmou Nora García Pérez, militante vegetariana que encabeça um grupo de proteção aos animais em Havana. - O período especial prejudicou muito a causa dos vegetarianos nesse país. A carne passou a ser uma obsessão para as pessoas.
A situação alimentar se recuperou desde então e a maior parte das pessoas pode comer algum tipo de carne várias vezes ao mês. Muitos o fazem diariamente, incorporando pequenos pedaços de porco, frango ou sanduíches de presunto e queijo.
Ironicamente, em um país tropical e fértil, os vegetais são difíceis de encontrar. Inclusive durante o inverno, na temporada de colheitas, as feiras de vegetais do Estado só oferecem alface, repolho, tomate, cenouras, pimentas e uma variedade de tubérculos.
Paraíso dos vegetarianos
Tito Núñez, proprietário de um restaurante, se propõe a popularizar novamente os vegetais. Logo que se tornou vegetariano, no início dos anos 90 e se livrou de problemas intestinais crônicos, Núñez fundou, em 2003, o El Romero, descrito como um eco-restaurante e um dos lugares em que a comida vegetariana resiste.
O local fica na reserva natural de Las Terrazas, colinas repletas de palmas a 80 quilômetros à lesta de Havana, e oferece muito mais do que vegetais básicos, com pratos deliciosos feitos com plantas pouco conhecidas.
Seu cardápio inclui um ceviche feito com lírios que crescem somente em uma lagoa vizinha, bolinhos de mandioca e batata-doce, panquecas com massa de flor de abóbora, pêras salteadas com ervas e cactos, e para sobremesa, mousse de chocolate, limão e abóbora, envolto em folhas de palmeira.
- Os cubanos pensam "se não é arroz com feijão e porco, não como". Por isso, quando as pessoas vêem no cardápio todas essas plantas que não conhecem, ficam receosas no início - diz Núñez, que tem 58 anos - Mas, ao provar os pratos, vêem que não se trata de "pasto" e que, além de serem muito saudáveis e não usarem animais, são realmente deliciosos.
Núñez busca colocar o El Romero ao alcance das pessoas e permite a alguns jovens trabalharem com seus cozinheiros e na granja orgânica do restaurante, de onde vem a maior parte dos ingredientes. Para que os pratos não fiquem tão caros, ele cobra uma porcentagem pequena do valor do cardápio.
O El Romero é um caso bem sucedido, mas 90% dos seus clientes são estrangeiros, sobretudo de Grã-Bretanha, Alemanha e Holanda.
- Quando se trata de algo tão arraigado como os hábitos alimentares, custa muito mudar. Sei que não vou converter as pessoas e fazê-las virar vegetarianas só falando. A única forma de fazer isso é sentando à mesa e mostrando que existem muitas coisas além da carne.
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