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 | 28/12/2006 18h50min

Professor de Direito critica corrupção da polícia e condições de presídios

Rodrigo de Azevedo conversou com internautas sobre a onda de violência no Rio

O professor da área de Direito criminalista Rodrigo de Azevedo, da PUCRS, disse que há dois pontos centrais na gestão de segurança no Rio de Janeiro e em outros Estados: as péssimas condições carcerárias e a corrupção na polícia. Para ele, esses fatores permitem o crescimento das organizações criminosas.

Azevedo participou de bate-bapo com internautas do clicRBS nesta quinta-feira. Ele falou sobre a onda de violência no Rio, que já deixou pelo menos 18 pessoas mortas desde a madrugada desta quinta.

O professor acredita que as pessoas que pretendem passar o Réveillon ou as férias no Rio de Janeiro não devem mudar de idéia por causa da onda de violência no Rio de Janeiro. Entretanto, Azevedo acha que todos devem ter precaução.

– A segurança nunca é algo que se possa garantir, mas creio que os ataques foram dirigidos especialmente contras as polícias – Não deixaria de ir ao Rio passar o Reveillon, embora seja importante ter precaução – afirma

A entrevista online com Rodrigo de Azevedo foi realizada pelo jornalista Diego Guichard, do clicRBS, e monitorada por Paula Sperb.

Confira a íntegra:

clicRBS – Por que o senhor acha que ocorreram os ataques no Rio de Janeiro?

Rodrigo de Azevedo – Ainda não foram divulgadas as causas dos ataques, mas as primeiras informações dão conta de que pode estar havendo uma iniciativa de intimidação dos novos gestores da segurança pública.

clicRBS – Por causa da mudança de governo?

Rodrigo de Azevedo – Exato, há uma mudança de governo, e a preocupação por parte dos criminosos com as políticas que serão implementadas tanto no sistema penitenciário quanto pelas polícias.

clicRBS – A polícia diz ter recebido um relatório que informava sobre os ataques. Essa ofensiva não poderia ter sido evitada?

Rodrigo de Azevedo – De fato havia esta informação, mas nem sempre é possível evitar que os ataques aconteçam, porque são realizados de forma descentralizada, muitas vezes sem uma coordenação centralizada. Ou seja, de forma disseminada e quase espontânea.

clicRBS – Sob o ponto de vista jurídico, o que a Justiça pode fazer para responsabilizar esses grupos?

Rodrigo de Azevedo – Antes da questão jurídica, é preciso dizer que há dois problemas centrais na gestão da segurança, no Rio e também em outros Estados: as péssimas condições carcerárias, que permitem o crescimento das organizações criminosas nas prisões, e a corrupção na polícia, que acaba muitas vezes contribuindo com a criminalidade. Do ponto de vista jurídico, é preciso identificar e encaminhar judicialmente os responsáveis.

clicRBS – Qual seria o primeiro passo para resolver esse problema?

Rodrigo de Azevedo – A questão principal hoje é a melhoria das condições carcerárias. As prisões estão superlotadas, não há garantia de vida para o preso a não ser que ele se integre a uma organização, que vai cobrar dele quando sair da prisão, o que gera o incremento da criminalidade. Em relação à polícia, esta semana mesmo foi divulgada a prisão de 25 policiais no Rio de Janeiro, envolvidos com a cobrança de propina de bicheiros e empresários dos jogos eletrônicos. É preciso ampliar os mecanismos de controle da atividade policial.

clicRBS – Temos, então, que manter um controle mais rígido sobre os policiais?

Rodrigo de Azevedo – É preciso desenvolver os mecanismos de controle interno (as corregedorias) e também nos de controle externo, como o Ministério Público e as Ouvidorias de Polícia.

clicRBS – Hoje, praticamente não existem esses mecanismos?

Rodrigo de Azevedo – Os mecanismos existem, mas têm problemas. As corregedorias são influenciadas por interesses corporativos e também por questões políticas e pessoais. As ouvidorias ainda estão em fase de implantação, e muitas vezes não recebem recursos suficientes para exercer suas funções. E o Ministério Público historicamente não prioriza a atividade de controle sobre a atividade policial, para evitar conflitos com as polícias, especialmente a civil.

clicRBS – Uma solução seria tirar a moradia do policial de perto dos pontos considerados mais perigosos para evitar a proximidade com bandidos, como traficantes?

Rodrigo de Azevedo – Isto seria importante, assim como a profissionalização dos policiais, com melhores condições de trabalho, salário digno e uma formação condizente com a atividade que devem exercer. Mas nem sempre há recursos e vontade política dos governos para implementar estas medidas.

Internauta Tiago: O que poderia ser feito com relação às normas penais no sentido de tornar mais eficaz a punição aos atos delituosos?

Rodrigo de Azevedo – Mais importante do que o endurecimento das normas penais é a melhoria das condições prisionais, para tirar os presos do controle das facções criminosas.

clicRBS – É certo dizer que as maiores organizações criminosas operam de dentro das penitenciárias?

Rodrigo de Azevedo – De fato hoje boa parte da criminalidade é operada de dentro dos presídios, em virtude da forma como as prisões são administradas. A única forma de manter a ordem, hoje, nas prisões é negociar com as lideranças, que controlam alas e comandam ações dentro e fora das cadeias.

clicRBS – Sobre as lideranças dentro dos presídios. Isolá-las dos demais presidiários, além de manter uma negociação com eles, como o senhor sugeriu, seria uma solução?

Rodrigo de Azevedo – Na verdade eu não sugeri uma negociação, apenas disse que é assim que as coisas funcionam hoje, pela situação em que os presídios se encontram. O isolamento das lideranças, através de um mecanismos como o Regime Disciplinar Diferenciado, acaba sendo apenas um paliativo, já que não enfrenta o problema central que é a necessidade de investimento na melhoria das condições prisionais. Os presídios federais (o primeiro foi inaugurado este ano no Paraná) podem ser uma saída de curto prazo para o isolamento das lideranças.

Internauta Luiz Osório: É certo que somente a criação de novas leis não é suficiente para combater efetivamente a criminalidade. Mas a reforma do processo penal brasileiro poderia colaborar para o enfrentamento desse problema?

Rodrigo de Azevedo – Não creio que uma reforma processual possa ser útil. Em momentos de crise, não é muito aconselhável implementar reformas legais, que podem resultar piores do que se espera, como aconteceu com a lei dos crimes hediondos.

clicRBS – Os agentes penitenciários devem dar tratamento diferenciado para os líderes de grupos?

Rodrigo de Azevedo – Os líderes de facções hoje são peças chave para a administração dos presídios. Para que isso mude, não basta isolá-los, é preciso alterar toda a lógica de gestão do sistema.

clicRBS – Por que eles são peças chaves?

Rodrigo de Azevedo – São peças chave porque em presídios superlotados e sem as mínimas condições. A ordem só é mantida porque as autoridades penitenciárias negociam com as lideranças, caso contrário o sistema explode.

Internauta Tiago: Outra questão, não seria o caso (ao contrario do que se fez recentemente) de punir fortemente o consumo de drogas? Argumenta-se que os consumidores são dependentes químicos e por isso vítimas das drogas. Porém quem inicia no consumo não era dependente até iniciar. Se houvesse punições civis graves isso não poderia gerar uma resistência maior às drogas por parte dos jovens?

Rodrigo de Azevedo – Não há comprovação de que uma criminalização mais dura contra usuários possa resultar em diminuição do consumo. Ao contrário, o problema da droga deve ser enfrentado, encarado de frente, e colocando em pauta a possibilidade de descriminalização.

clicRBS – Que soluções para o problema da violência, aplicadas em outros países, poderiam servir de exemplo para o Brasil?

Rodrigo de Azevedo – Eu daria como exemplo o caso de Bogotá, na Colômbia, que tinha taxas de homicídio de 70 a cada 100 mil habitantes, e reduziu para menos da metade disto com uma política de municipalização da segurança, policiamento comunitário, participação da sociedade civil na discussão e encaminhamento dos problemas de cada bairro relacionados com a violência e o crime.

clicRBS – Essa experiência, na sua opinião, seria eficaz no Brasil?

Rodrigo de Azevedo – No Brasil já há cidades que criaram secretarias municipais de segurança e vêm obtendo bons resultados. O principal objetivo a ser alcançado é o envolvimento da sociedade civil, empresários, igrejas, associações de moradores, com o problema da segurança pública, que não pode ficar apenas nas mãos da polícia e do sistema de justiça criminal.

clicRBS – Qual o maior grupo criminoso que atua em Porto Alegre?

Rodrigo de Azevedo – Em Porto Alegre temos hoje o maior presídio do Brasil, e nele atuam algumas facções, como os "Manos" e os "Brasas". Hoje, todas estas facções têm ramificações, e muitas vezes atuam como "franquias" de grupos maiores como o PCC e o Comando Vermelho.

clicRBS – Que ações da Justiça estão em andamento para conter a ação dessas entidades criminosas?

Rodrigo de Azevedo – Não se trata apenas da Justiça, já que a administração penitenciária cabe ao Poder Executivo, assim como a gestão das polícias. Estamos em um momento de transição de governo, e ainda não está claro como o novo governo vai lidar com o problema, especialmente diante da escassez de recursos que todos conhecemos no RS.

clicRBS – O possível corte de gastos do novo governo preocupa a área?

Rodrigo de Azevedo – Sem dúvida, pois há necessidade de investimento para a ampliação de vagas no sistema penitenciário, melhoria das condições carcerárias, e também na formação dos agentes penitenciários, que é bastante precária no nosso Estado. Além disso, há a necessidade de investimento nas polícias, especialmente no âmbito da produção de provas.

clicRBS – Esses ataques no Rio de Janeiro assustaram a população. E como ficam as pessoas que pretendem viajar para lá no Réveillon ou nas férias? Será que a viagem é segura?

Rodrigo de Azevedo – A segurança nunca é algo que se possa garantir, mas creio que os ataques foram dirigidos especialmente contras as polícias. Não se sabe ainda qual foi o objetivo dos mesmos, mas não creio que isso possa se prolongar durante toda a semana. Não deixaria de ir ao Rio passar o Reveillon, embora seja importante ter precaução.

clicRBS – Os grupos criminosos chegaram a um ponto em que parecem ser praticamente imbatíveis, devido as suas complexas organizações. É possível sonhar em acabar com esses grupos?

Rodrigo de Azevedo – Antes de tudo é preciso cobrar dos governantes a melhoria da gestão da segurança pública, a profissionalização e eficiência das polícias, com respeito aos Direitos Humanos, a melhoria das condições carcerárias. Isto está ao nosso alcance, assim como o envolvimento da sociedade civil com o problema, participando mais e atuando mais na prevenção à criminalidade.

 

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