Itapema FM | 08/12/2010 08h06min
Faz 30 anos que a música pop sofreu seu mais duro golpe: o assassinato frio e inexplicável de um de seus maiores ídolos. John Lennon, a voz e o rosto mais identificados com as transformações culturais que o mundo experimentou nos anos 1960, foi morto a tiros na noite de 8 de dezembro de 1980 – uma noite que ainda ecoa na memória dos fãs dele e dos Beatles.
Na noite em que foi atingido pelos tiros de Mark David Chapman, Lennon curtia um dos melhores momentos de seus 40 conturbados anos de vida. Depois da infância vivida entre mãe, pai e tios, da adolescência rebelde em Liverpool, da juventude brilhante ao lado dos amigos beatles Paul, George e Ringo, da dolorosa separação da banda, da polêmica relação com Yoko Ono, dos incontáveis atos e discursos pacifistas e de alguns anos de quase reclusão em seu apartamento nova-iorquino – depois de tudo isso, John estava renascendo. Havia lançado um disco de sucesso ao lado de Yoko (Double Fantasy) e já estava trabalhando em um outro álbum.
Era justamente do estúdio, onde gravava a canção Walking on Thin Ice, que o artista e sua mulher estavam voltando quando chegaram ao edifício Dakota, em frente ao Central Park, em Nova York, onde moravam. Na calçada, passaram por Chapman, que estava rondando o prédio havia dias e inclusive tinha pedido um autógrafo ao músico mais cedo naquela segunda-feira. Por volta de 22h50min (1h50min em Brasília), o assassino atirou cinco vezes em John, que morreu logo em seguida, no Hospital Roosevelt.
A notícia da morte do autor de Give Peace a Chance, Imagine e Happy X-Mas – e coautor de tantos sucessos dos Beatles – chocou os Estados Unidos ainda naquela noite. No Brasil, o impacto só se fez sentir de fato na madrugada e no dia seguinte, enquanto as redações de jornais, revistas, rádios e TVs recebiam as informações de Nova York via telex. Foi assim, trabalhando, que o produtor Claudinho Pereira, então com 33 anos, soube da perda do ídolo.
– Eu cheguei às 7h à TV Difusora (atual Bandeirantes) para produzir o programa Portovisão. Já na portaria me disseram: “Tu viu que mataram o John?”. Corri para o telex e ainda não tinha a notícia. Só lá pelas 10h é que foi confirmado – conta Pereira, que hoje trabalha na RBS Rádios.
Durante aquela terça-feira, a comoção tomou conta dos fãs de Lennon em diferentes momentos e com diferentes intensidades. O compositor Nei Lisboa, por exemplo, lembra de voltar para casa “bem desconectado” e topar, no elevador do prédio, com o amigo e parceiro Augusto Licks – guitarrista que depois iria integrar a banda Engenheiros do Hawaii.
– Ele tinha ido me visitar e me deu a notícia – lembra Nei, 21 anos à época, que guarda na memória a frase cunhada pelo amigo naquele instante: – Ele disse: “Is reality over?” (em português, “A realidade acabou?”, aludindo à famosa declaração de Lennon “O sonho acabou”).
A tristeza geral ganhou mais intensidade quando os noticiários daquela noite deram amplo espaço para as reportagens sobre a morte de Lennon. O cantor Thedy Corrêa, da banda Nenhum de Nós – que começa amanhã uma temporada de shows em homenagem aos Beatles, no Theatro São Pedro –, lembra de receber a notícia assistindo ao Jornal Nacional no quarto de seus pais:
– Fiquei muito angustiado. Foi uma comoção que até então eu não tinha visto – lembra Thedy, então com 17 anos. – Arrisco dizer que o mundo ficou mais triste naquele dia. As pessoas ficaram abatidas por ser ele e por ser como foi, isso nos deu muita incredulidade.
O maestro Tiago Flores, da Orquestra de Câmara da Ulbra, lembra que a morte de Lennon coincidiu com um período agitado – no dia 8, sua mãe fazia aniversário, e para o dia 10 estava marcada a cerimônia civil de seu casamento. No meio disso tudo, a notícia comoveu toda a família.
– Lembro que meu irmão ficou tocando Imagine no piano aquela noite – lembra Tiago, 20 anos à época. – Foi um choque horrível. Sempre existia a esperança de que os Beatles fizessem um show juntos. Ali acabaram os Beatles.
Que fim levou Mark Chapman?
Preso desde 1980, Mark Chapman (no detalhe, em foto de 2003) está condenado a cumprir prisão perpétua pelo assassinato de Lennon. Desde 2002, ele está autorizado a pedir liberdade condicional a cada dois anos – o que vem sendo negado sistematicamente pela justiça dos EUA. A sexta e mais recente negativa ocorreu em setembro passado, período em que Chapman, hoje com 50 anos, concedeu entrevistas a veículos de imprensa norte-americanos. Na ocasião, reafirmou seu arrependimento pela morte do ex-beatle, confirmou a existência de uma lista de celebridades que gostaria de ter matado (“Mas Lennon ocupava o topo dessa lista”) e disse que, na prisão, ao menos, pôde “encontrar Jesus”.
– Eu não estava pensando direito. Tomei uma decisão terrível de acabar com a vida de uma pessoa por motivos egoístas. Achava que ao matar John Lennon me tornaria alguém. Mas acabei virando um assassino, e assassinos não são alguém.
Documentário revê últimos momentos
O documentário O Dia em que John Lennon Morreu, que o GNT reprisa hoje à noite, às 23h30min, não é daqueles que levam os fãs mais suscetíveis às lágrimas como Imagine: John Lennon (1988), que me fez passar duas horas de olhos inchados e três dias macambúzia. Trata-se de um daqueles filmes feitos para TV mais interessados na eficiência jornalística do que na mobilização emocional do espectador, mas tem o mérito de transportar o fã para aquele inesquecível mês de dezembro em que Happy Xmas (War Is Over) tocou sem parar nos rádios e na TV.
Para compor o documentário encomendado pelo canal britânico ITV, o diretor de cinema Michael Waldman rastreou as pessoas que testemunharam os eventos-chave de 8 de dezembro de 1980. Além de Yoko Ono, obviamente, e do fã famoso Liam Gallagher, ex-integrante da banda Oasis, uma das figuras centrais do filme é o fotógrafo amador Paul Goresh, o sujeito que registrou o primeiro encontro entre John Lennon e o homem que, horas mais tarde, ficaria mundialmente famoso por matar um ex-beatle. A foto congelou um momento notoriamente sinistro: John Lennon autografando a capa do disco Double Fantasy para o fã Mark Chapman, que o esperava na porta do Dakota, horas antes do assassinato. Goresh, um fã ainda visivelmente impactado pelos acontecimentos de 30 anos atrás, relutou em falar sobre suas lembranças e parece lamentar ainda hoje o fato de, involuntariamente, ter ajudado o maluco Mark Chapman a ficar conhecido.
Yoko fala obre o horror da cena do crime e revela que, com frequência, costuma pensar sobre o fato de terem gravado, justamente naquele dia, uma música que dizia que os dois estavam “caminhando sobre uma fina camada de gelo”. O médico que tentou ressuscitar John Lennon no hospital, literalmente segurando o coração do ex-beatle na mão na tentativa de reanimá-lo, narra o momento em que Yoko recebe a notícia e seu pedido para que o anúncio oficial da morte não fosse feito antes de ela chegar em casa, a tempo de evitar que o filho, Sean, soubesse da morte do pai pela televisão.
Perto da sala onde Lennon estava sendo atendido, escutando o relato dos esforços do médico naquela noite, estava Alan Weiss, editor de uma grande rede de TV, que havia, coincidentemente, ido ao hospital depois de uma queda de moto. O jornalista conta como ficou atônito ao ver o corpo inerte de um dos homens mais famosos do mundo sendo levado às pressas para a emergência – acompanhado da inequívoca figura de Yoko Ono. Alguns minutos mais tarde, quando ele começou a ser atendido, quis saber do médico como estava John Lennon:
– Não posso dizer nada ainda – respondeu o médico.
– O senhor é o chefe aqui, não?
– Sim.
– Se ele estivesse vivo, estaria lá, ajudando, não?
– Boa observação.
Weiss esqueceu os ferimentos e os curativos e saiu correndo atrás de um telefone.
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