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 | 25/04/2008 04h21min

Os sete dias que mudaram o Inter

A virada e a classificação na Copa do Brasil começaram em Curitiba e culminaram em façanha

Diogo Olivier e Leandro Behs

Foram sete dias que mudaram o Inter. Talvez uma mudança apenas para a temporada de 2008, planejada para preparar um centenário de luxo no ano seguinte. O título da Copa do Brasil concede o direito ao sonho do bi da América.

Era o que estava em jogo no Beira-Rio, quarta-feira, na epopéia dos 5 a 1 sobre o Paraná, quando tudo parecia impossível: titulares lesionados, a derrota por 2 a 0 em Curitiba para virar, Jonas saindo do campo rumo ao hospital com 22 segundos de partida, o gol do Paraná logo em seguida.

Portanto, talvez tenha sido uma mudança para sempre. Ontem, no Beira-Rio, jogadores, comissão técnica e funcionários tinham a dimensão de que haviam escrito um capítulo histórico na vida do clube. Um capítulo construído dia a dia, desde a tragédia da Vila Capanema, até a epopéia da virada impossível.

16 - Quarta-feira

Pode-se dizer que a reação começou ainda na Vila Capanema, instantes depois de o Inter levar 2 a 0. Magrão entrou no túnel que leva ao vestiário dos visitantes enfurecido. Abriu a porta com alguma irritação e encontrou o restante do grupo cabisbaixo. A reação foi imediata, aos berros:

— Ainda não acabou! Ainda não acabou!

O auxiliar técnico Leomir Souza vinha logo atrás e reforçou:

— É isso mesmo, pessoal. Vamos levantar a cabeça, ainda temos um jogo em casa.

Já na madrugada de quinta-feira, no Hotel Victoria Villa, na região central de Curitiba, Magrão ainda remoía a derrota. Não aceitava os 2 a 0 e a apatia do time em campo. Sem fome, recusou o jantar. Preferiu a conversa no saguão do hotel com o fotógrafo Marcelo Campos, que cobriu o jogo para o fornecedor de material esportivo do clube. Ficaram de papo até as 3h. Magrão chegou a pedir torrada, com queijo e presunto. Mas desistiu da idéia e deixou-a estacionada no prato de louça branca. O volante bebeu apenas três garrafas pequenas de água mineral.

Magrão só dormiu por volta das 4h. Às 9h, estava no Aeroporto Afonso Pena, onde embarcou para São Paulo. Liberado pela direção, foi resolver problemas familiares. Os pouco mais de 30 minutos de vôo, com a companhia do ex-presidente Fernando Carvalho, só ajudaram a aumentar a ira de Magrão com o Paraná.

— Li no vôo declarações nos jornais de Curitiba que me irritaram demais. Os jogadores do Paraná diziam estar provado que qualquer um deles jogaria no Inter e que a nossa equipe "não era tudo isso". Nem levei isso para o grupo, guardei para mim, para me motivar. Não quis transtornar o resto do time - contou o volante.

17- Quinta-feira

Ele não esteve na derrota de Curitiba. Ficou fazendo tratamento médico na panturrilha. Viu o desastre pela TV. O Beira-Rio estava vazio, melancólico, quase nenhum torcedor na porta do vestiário. Deitado em uma das macas, a certa altura da tarde Fernandão rompe o silêncio e diz, durante uma sessão de analgesia:

— Cara, eu preciso jogar na quarta-feira.

Os fisioterapeutas Mauren Mansur e Rodrigo Rossato estaquearam. Trocaram um olhar cúmplice. Mauren perguntou, para dar corda e puxar assunto:

— É? E por quê?

— Por que este vai ser o meu jogo - respondeu Fernandão.

Estava dado o recado de um dos maiores líderes colorados desde Figueroa. Havia ainda o Caxias, no domingo, pelo Gauchão. Mas a cabeça do capitão já maquinava a epopéia de quarta-feira. Foi o que chamou a atenção de Mansur. Era a senha para a fisioterapia trabalhar dobrado. Quando Alex, ao retornar de Curitiba com a delegação abatida com a derrota, fez outro comentário sobre o retorno de Fernandão, bem, aí Mansur e Rossato deram toda a máquina no tratamento.

— Olha, esse jogo da volta (contra o Paraná) no Beira-Rio é bem o jogo que o Fernandão e o Magrão adoram. Vai por mim — avisou Alex.

Como a ausência de Fernandão virou orfandade na Vila Capanema, a dica de Alex tornou ainda mais evidente da necessidade de o capitão voltar. Assim foi feito.

18 - Sexta-feira

Antes do Paraná, havia o Caxias. Manter o foco, pensar jogo a jogo - era esse o discurso. Mas só o discurso. Era impossível esquecer o desejo de fazer da classificação sobre o Paraná um marco na temporada. O técnico Abel Braga sabia disso. Por isso, a surpresa antes do treino fechado que definiu o time para enfrentar o Caxias. Antes da conversa rotineira com os jogadores já dentro do campo, Abel pediu licença para um recado:

— Antes de começar, quero lembrar uma coisa: o jogo de quarta-feira não terminou. Vocês me entenderam? Não terminou. Temos o Gauchão e não podemos vacilar, mas aquele jogo não terminou.

Naquele mesmo dia, Abel viu Renan e Edinho correndo ao redor do campo, lentamente ainda. Estavam voltando após a parada por conta da hepatite A. Caminhou até eles e perguntou:

— Vocês vão estar aqui na quarta-feira, né? Precisamos de vocês no vestiário.

Começava ali a estratégia que incendiou o Inter no dia da virada contra o Paraná: jogar pela torcida e, sobretudo, pelos lesionados que ficariam de fora no momento decisivo, mas foram ao vestiário antes da partida.

20 - Domingo

A vitória por 2 a 1 sobre o Caxias, no Beira-Rio, liberava o Inter para tratar publicamente do único assunto que realmente interessava, tema obrigatório no vestiário desde a derrota para o Paraná. Houve as lesões inesperadas de Guiñazu e de Alex — o argentino foi paciente de astroscopia no menisco no dia seguinte. Ainda antes da entrevista coletiva, Abel começou a trabalhar o antídoto para o baixo astral natural diante de dois desfalques tão graves. Com os dois em campo, o Inter dava show. Sem eles, o rendimento caiu. O Caxias descontou e quase empatou. Foi quando Abel se dirigiu ao grupo, os jogadores ainda fardados:

— Fizemos o mais difícil hoje, vencendo 72 horas da derrota em Curitiba. Podem apostar nisso. Teremos de suar sangue contra o Paraná, mas o mais difícil fizemos hoje.

Abel queria manter a confiança crescente que percebia no grupo. Falou rapidamente sobre isso na entrevista coletiva. Preferiu não ir adiante.

21 - Segunda-feira

Abel Braga acredita em trabalho, mas também em intuição. Sempre foi assim, desde os tempos de zagueirão no Vasco. Se um jogador diz que teve presságio bom para determinada partida crescem as chances de estar em campo. Se sonha com um gol, então, já está escalado. Foi assim com Andrezinho. Abel já sabia da ausência de Alex. Não havia tempo para se recuperar da torção no tornozelo. Naquela noite, Andrezinho dormiu cedo e sonhou que faria um gol contra o Paraná. Seria o primeiro pelo Inter. De Fernandão, ainda escutou a dica:

— Tenta fazer como o Gabiru: entra mais na área e bate.

O sonho chegou aos ouvidos do auxiliar Roberto Moreno, o Robertinho. Que contou a Abel. Andrezinho recebia a bola na área, dominava e batia de direita.

— O meu segundo gol contra o Paraná foi muito parecido com o do sonho (Marcão levantou a bola na área, Fernandão desviou de cabeça, Andrezinho matou a bola no peito e chutou). Foi real demais, acho que estava mais para presságio do que para sonho - disse Andrezinho.

22 - Terça-feira

Depois de passar pelo Caxias e avançar às finais do Gauchão, era chegada a hora de pensar novamente no Paraná. Na segunda-feira, Abel Braga decidiu que o treino do dia seguinte seria com portões fechados. Queria reunir o grupo para conversa séria. Às 16h20min, os jogadores deixaram o vestiário, subiram a escadaria até o gramado do Beira-Rio e formaram círculo no centro do campo. Abel abriu a reunião com a voz firme:

— Quero dizer para vocês que acredito na classificação na Copa do Brasil. Eu acredito. Acredito mesmo. De verdade.

Houve um breve silêncio. Quebrado por Fernandão, o primeiro a responder:

— Eu também acredito.

Em seguida, Clemer e Iarley repetiram o que virou o mantra da decisão. Magrão e Marcão engrossaram o coro, seguido por Bustos, Nilmar, Orozco, Titi, Danny e até o quietão e recém-chegado Walter. Todos disseram com vigor que confiavam na virada.

— Foi ali que começou a nossa vitória sobre o Paraná - aposta Fernandão.

Com pancada na panturrilha sofrida em Caxias, o capitão nem viajou para Curitiba. Assistiu à derrota de 2 a 0 em seu apartamento no bairro Bela Vista. Uma regra tácita na casa de Fernandão é de que ele não conversa durante jogos do Inter. Assiste calado, tenso. Sentado no sofá, ao lado da mulher, Fernanda, ele analisou o adversário.
— Vi um Paraná "batível" no Beira-Rio - lembrou o capitão.

23 - Quarta-feira

Na concentração, já pela manhã, começam os telefonemas de parentes e amigos pedindo ingressos para o jogo. Já não havia mais entradas nas bilheterias, e os cambistas pediam alto demais pelo ingresso. Era a torcida fazendo a sua parte. Durante a tarde, dezenas de torcedores empreendem romarias pelo lobby do Hotel Millenium para dar força ao grupo.

Por volta das 20h, quando a delegação deixou o hotel rumo ao Beira-Rio, o congestionamento na Avenida Borges de Medeiros prende o ônibus por 20 minutos. A torcida canta nas ruas. Os jogadores respondem com acenos. Era impossível ouvir o colega do lado, tal era a intensidade dos cânticos dos colorados. Os iPods são desligados. Alguém começa a cantar também as músicas da arquibancada.

— Aquilo nos entusiasmou de uma maneira que passamos a cantar também o "Vamo, vamo, Inter". Chegamos ao Beira-Rio loucos para que o jogo começasse logo - contou ontem Marcão, que minutos depois seria personagem de outro episódio do jogo.

Marcão e Clemer conversam sobre usar o uniforme todo branco, o mesmo do Mundial, para dar sorte. Consultam Fernandão, que adverte:

— Tudo bem. Mas se é para ser o branco, então temos que classificar. Este uniforme não pode perder.

Em seguida, todos vestidos com o branco da sorte, o capitão se encarrega de atear fogo no vestiário. Avista Guiñazu, de pé. Falando aos gritos, com uma devoção que impressiona os mais novos - o goleiro Agenor a classificou de "impressionante" — Fernandão pede vitória para dedicá-la a Guiñazu, aos vitimados pela hepatite e, claro, pela torcida.

Estava consumada a virada.

 
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