| 14/12/2004 09h29min
Em 53 minutos de conversa gravada, Flávio Obino não resistiu: quebrou seu discurso cansativo e repetitivo de presidente de um time fracassado em campo. Permitiu-se gargalhar ao relembrar histórias antigas. Conteve o choro ao admitir que está ferido por infidelidades recentes. Na última sexta, cinco dias antes de passar o cargo, Obino concedeu essa entrevista em seu gabinete.
Muito solícito, posou para fotos. Sorriu amarelo, sabe que seu nome estará nas páginas negras do clube. O seu Grêmio foi rebaixado. É um homem que se diz orgulhoso, mas logo emenda "se não fosse o futebol..."
Diário Gaúcho – O senhor sai de casa com medo de alguma reação violenta por parte de algum torcedor?
Flávio Obino – De jeito nenhum. Pelo contrário: saio na rua todos os dias e só tenho recebido carinho e apoio por parte da torcida. Lembro bem de Erechim, quando a torcida me cercou e cantou o hino do
Grêmio.
DG – Dá vergonha andar na rua?
Obino – Na segunda-feira seguinte à queda, não sei se foi vergonha que senti, foi uma revolta interna, contra a gente mesmo. Mas falando na área da administração, fiz uma revolução na área contábil. O clube tem um estoque de dívidas, boa parte renegociada, mas consegui a beleza de não dever mais nada para o sistema financeiro (devia cerca de R$ 7 milhões para bancos privados). Me orgulho disto e vocês não sabem como dói a crítica pela crítica.
DG – Então se não fosse o rebaixamento, a administração seria perfeita?
Obino – Sim, o Conselho (Deliberativo) sabe disto. Não há salários atrasados, aqui o mês foi de 30 dias neste ano. Era promessa minha. Fizemos um seguro de saúde para os funcionários. Em dois anos, não admiti nenhum empregado e fiz cortes de altos salários, da ordem de 20%.
DG – E o desmonte do time depois da
desclassificação na Libertadores 2003?
Obino – Alguém tinha de
fazer esta cirurgia. Coube a mim sofrer isto na carne. O clube não suportaria uma folha milionária. Então partimos para contratações por ciclos, que terminam agora, no fim do mês.
DG – O senhor se arrepende de não ter gasto para reforçar o time depois do drama vivido em 2003?
Obino – Primeiro: o time não era para ter caído assim. Segundo: até pensei em gastar, mas encontrei uma série de dificuldades. Por exemplo: dívidas antigas impediram que eu trouxesse o Thiago Gentil, porque o Grêmio deve ao Palmeiras ainda pelo Paulo Nunes.
DG – Não seria o caso de abrir as portas e falar com empresários?
Obino – Tu me dás a chance para corrigir uma coisa. Estou engolindo umas barbaridades. Dizem que não falei com empresários. Isto é uma grande balela. O que eu não admito é ter empresário de plantão ou pagar percentual para
alguém se eu posso me dirigir diretamente aos jogadores. O Christian veio por meio de
empresário.
DG – Falar no ônibus e no site após derrotas vexatórias virou motivo de deboche público. Era uma estratégia de risco calculado?
Obino – Vou confessar agora: é evidente que era minha estratégia para tirar o foco do futebol. Lá em Canoas, depois da derrota para a Ulbra, um repórter me pediu para dar nota para a vice-presidência. Claro, queria saber a do futebol. Mas daí aproveitei a falei da administração, da ouvidoria, do site e do memorial, que é uma beleza. Virei chacota, tudo bem. E se eu tiver que mentir para a imprensa para proteger o clube, eu minto.
DG – Voltemos no tempo. É verdade que o cargo sobrou para o senhor como uma imposição? Ou era sua intenção de assumir o clube em janeiro de 2003?
Obino – Minha intenção? De jeito nenhum. Vamos rememorar. Havia uma oposição forte ao presidente
Guerreiro (José Alberto Guerreiro) e se anunciava uma campanha eleitoral de baixo nível. Então um dia
o Guerreiro me chamou na sala da presidência e disse que eu tinha de assumir. Eu disse: "Não mesmo! Se convoque o conselho consultivo (ex-presidentes)".
DG – Aí o conselho consultivo lhe pressionou?
Obino – Me pegaram pelo meu gremismo. Foi muito emocionante ver todos reunidos para me lançar como presidente do centenário.
DG – E todos lhe seguiram fiéis?
Obino – Não sei o que quer dizer fiel neste caso. Mas uma coisa já é possível destacar: pactos têm de ser feitos não só na hora de eleger, tem de haver uma solidariedade permanente, fugir da latinha (não dar entrevistas). É lamentável ver gente que procurou a imprensa para fazer um discurso fácil, sabendo da dificuldade de gerir o clube.
DG – No balanço, o senhor se arrepende de ter assumido o
Grêmio?
Obino – Assumi num momento crítico, todos sabem e eu também sabia, não posso me queixar. Me
orgulho da área administrativa. Infelizmente, no futebol, vou levar está mácula do rebaixamento para o restinho de vida que ainda tenho.
DG – O senhor pretende voltar a esta cadeira?
Obino – Não, para mim chega. O Grêmio é uma oficina de dirigentes. Tem que mudar. Estarei sempre aqui para ajudar e jamais pegarei na latinha para atrapalhar a administração.
DG – O ex-presidente Koff declarou que o Grêmio corre o risco de se tornar um clube de fundo-de-quintal. A reforma administrativa que o senhor diz ter feito salvará o clube?
Obino – Várias gerações hão de me agradecer pelas mudanças que promovemos. A lamentar, só o futebol.
DG – Dás graças a Deus que o mandato chegou ao fim?
Obino – Não tenha
dúvida.
DG – E esta eleição para presidente? Os dois candidatos parecem temer ligação com o senhor.
Obino – Isto é duro, dói. A gente tem família, as palavras são duras demais (os olhos se enchem de lágrimas).
DG – Nunca teve vontade de explodir?
Obino – Já explodi. Mas isto foi em 1971. Invadi o campo num Gre-Nal de 1971, o juiz era o Agomar Martins. Fui defender meus jogadores que estavam sendo roubados. Dei uma concha (tapa) na cabeça de um coronel da Brigada, caiu o quepe (chapéu) dele, foi uma beleza. Fui até parar na delegacia.
DG – E como, 30 anos depois, o senhor agüentou quieto, sem responder aos críticos ferozes?
Obino – Se aprende com a vida. Fui desrespeitado como homem, como presidente, ignoraram minha história de sempre aceitar desafios. Puxa vida! Ainda tive de ouvir que foi covardia da minha parte não responder. Mas sou tão gremista a ponto de agüentar no osso para defender
o Grêmio.
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